O jovem amazonense, que está fazendo suas composições para o Festival da
Canção, no meio da conversa disse simplesmente:
- Pois é. Lá no Amazonas existe um passarinho que canta, canta e canta
tanto que mata cobra só de raiva.
Aquele rapaz bem me havia dito uma coisa interessante. Perguntei o nome
do pássaro e ele não soube responder.
Mas, num dia qualquer, encontrei um ornitólogo que me deu a explicação:
a débil ave, aborrecendo a serpente, insistindo no seu canto,
perseguindo-a talvez com pios que seriam, na sua linguagem, uma forma
de ataque.
A cobra, a princípio, vai esgueirando-se para longe daqueles sons
desagradáveis que tanto a perturbam. Mas o passarinho não sossega. Está
no alto, vê que ela se enrodilhou no galho de uma árvore ou desceu e
tentou ver se escondia em qualquer depressão verde da floresta
amazônica. E tome canto, e tome trá-lá-lá-lá e tome silvar bem fininho.
A cobra agora sabe que não pode mais esconder-se. Ergue-se a meio corpo,
prepara um bote, mas o cantor impiedoso voeja de cá para lá e ela jamais
terá meios de alcançá-lo . Então acontece isto que eu considero uma beleza
dentre as lições que a natureza nos dá:
A serpente, símbolo de todo mal, estoura de raiva, sim, porque o pássaro
canta e a cantiga do Bem arrasa com o mal rastejante. Penso em muitas
coisas estranhas desse mundo de Deus.
Que esta crônica se transforme num canto, em cantiga matinal que destrua
a serpente a esgueirar-se por aí. Que a repetição infindável, apontando
algumas coisas que estão erradas, em toadas de palavras arrase a peçonha
que anda a nossa volta. Porque, se alguma baixeza deseje destruir (a
maldade, o despeito, o ódio, a maledicência), que isto eu o faça como o
pássaro da Amazônia: cantando sempre, em todos os dias que vão nascendo.
Diná Silveira de Queirós - Crônicas da Terra (1974)
Colaboração de Regina Suppi de Concórdia S/C
Visitante de Fonte Para Reflexão
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