PASTORZINHO
 
Vencido pela fadiga, o pobre pastorzinho deitou-se à sombra de uma 
grande árvore, à margem da estrada, e dormiu placidamente.

Era um adolescente. Passou pela grande estrada o Rei com sua corte de 
guardas, nobres e cavaleiros. Ao avistar, pois, o jovem pastorzinho, 
o Rei parou e dirigindo-se ao oficial que acompanhava, disse-lhe:
- Que belo menino vejo ali, a dormir, sob aquela árvore! Se a 
boa-sorte o colocou no meu caminho, para que contrariar o Destino? 
Tenho o pressentimento de que poderei realizar agora o sonho admirável 
de minha vida! Vou levar aquele jovem para o palácio e fazê-lo meu 
herdeiro. Mas... Como é incerto e caprichoso o destino as criaturas! 
Não! não o despertarei agora -- exclamou afinal. -- Seria uma crueldade 
arrancá-lo às delícias do sono. Voltarei depois.

E assim seguiu o Rei a sua jornada.

Momentos depois, pela estrada silenciosa, passou a princesa, com suas 
aias e damas de companhias.
- Que lindo rapaz, vejo ali, a dormir, descuidado, sob a árvore! Tem, 
as feições admiráveis do noivo que sonhei para mim. Vou levá-lo, agora 
mesmo, para o palácio de meus pais e elegê-lo meu futuro marido.

E aproximando-se do jovem adormecido, pensou:
- Mas... Como é incerto e caprichoso o destino das criaturas! Não! 
Seria impiedade despertá-lo agora! É bem possível que esteja sonhando 
comigo! Voltarei depois, ao cair da tarde!

E assim a princesa continuou seu passeio.

Continuou o jovem pastorzinho a dormir sob a árvore, quando cruzou a 
estrada um dos bandidos mais perigosos da região. Ao deparar-se com o 
pastorzinho adormecido, o assassino encheu-se de ódio e furor. Em seus 
olhos brilhava a perversidade dos loucos furiosos.
- Que vejo! Um menino a dormir como um ébrio no caminho! Vou matá-lo, e 
é para já. Assim me vingo das perseguições que tenho sofrido da vida. E 
arrancando de um afiado punhal, aproximou-se pé ante pé. Do pobre
pastorzinho. Mas... Como é incerto e caprichoso o destino das criaturas!
Não -- resmungou, afinal -- Não matarei agora! O sono não permitiria, 
por certo, que ele sentisse a morte. Voltarei mais tarde, e então, 
liquidaremos as nossas contas.

E assim se foi o bandido.

Reparai bem. Quantas vezes, em meio do turbilhão de nossa existência, 
não ficamos, como o pastorzinho da lenda, adormecido à margem da grande 
estrada da vida? E de nós também se aproximaram, em certos momentos, 
sem que pudéssemos perceber, a Fortuna, o Amor e a Morte.


Malba Tahan. 


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