A EX-DONA DO MUNDO
 
Ela estava numa grande fase, Ótima, maravilhosa. Havia tomado grandes 
resoluções, daquelas que só as mulheres são capazes. E estava cumprindo 
todas elas.

Não saia de casa nem para comprar cigarros na banca de jornal sem estar pelo 
menos com uma maquiagem básica. Já estava fumando muito menos, e ia parar, 
claro.

Jurou que tênis nunca mais e começou a sair para o trabalho sempre de salto 
alto, só pra levantar a moral. Jurou também que ia se tornar uma pessoa mais 
doce, mais suave, mais feminina, digamos assim. Ia parar de ficar dando 
opinião sobre tudo, de dizer todas as verdades sobre todos os assuntos. Em 
sua nova fase tornou-se uma pessoa mais civilizada, digamos assim, mais 
querida, mais aceita. É... mais aceita, e quem não quer isso?

Ficou um doce; é bem verdade que às vezes sentia uma grande necessidade, de 
pelo menos às vezes, falar o que lhe passava pela cabeça, mas também não se 
pode ter tudo na vida, e tudo tem um preço. Sobretudo a convivência.

Mas estava se sentindo uma mulher forte, o máximo, uma espécie de dona do 
mundo, até que um dia acordou péssima...

Aquele abrir os olhos achando que a vida é bela, nem pensar, se pudesse 
ficaria na cama sem abrir as cortinas. O corpo doía, os olhos ardiam e a 
vontade era de tomar uma anestesia geral.

Mas teve que se levantar ir trabalhar. Naquele dia simplificou, calça preta, 
camiseta idem, sapato também, sem salto é claro, maquiagem nem pensar. Foi 
às quedas mas foi.

O dia foi um horror , ficou deprimida. Pensou no verso do Neruda "Hay dias 
en que no sé lo que me passa". Há quanto tempo não lia uma poesia. E pensar 
que houve um tempo em que a poesia fazia parte da sua vida.

Meu Deus!

No dia seguinte acordou pior e começou a desconfiar que estava com uma bela 
gripe.

No trabalho com o ar refrigerado, passou o dia se arrastando.

Chegou em casa tomou um banho de sal grosso, afinal nunca se sabe, né mesmo? 
Enfiou-se debaixo das cobertas, um chá, uma caixinha de lenços de papel, 
vitamina C, própolis, uma colher no pires, e uma latinha de lixo ao lado. 
Pensou que este é um dos momentos da vida que se tem que agradecer por não 
ter um homem ao lado.

Acordou pior, seria possível isso? Ah.. se sua mãe fosse viva... uma mãe 
acha sempre que os filhos devem se cuidar quando estão doentes, e não 
conseguem atinar com a realidade, que não é exatamente dura, mas apenas o 
que é: só se pode ficar doente quando se tem tempo. Oras é preciso 
trabalhar, sabe Deus como...

Era bom quando era criança, se o termômetro marcava 37,2, já era febre, 
colégio, nem pensar. No almoço um franguinho com purê de batatas, à noite 
uma canjinha, e com manha, dada na boca.

Só tinha uma coisa ruim, a injeção. O ritual era sempre o mesmo: o 
farmacêutico abria a latinha quadradinha, botava a tampa num pratinho de 
sobremesa, enchia de álcool a caixinha em cima com água, a seringa e as 
agulhas - bem fininhas - bem fininhas -, acendia um fósforo e essa era a 
esterilização. Com uma serrinha ele cortava a injeção e aí era hora de 
virar de bruços, baixar a calcinha, choramingar um pouco e ter direito a 
um bom colinho, carícias de mãe e promessas de várias comidinhas gostosas 
e doces.

Foi-se o tempo!

Mas onde foi parar aquela mulher maravilhosa que há uma semana era dona de 
suas verdades, de suas vontades, de sua vida? Aquela mulher maravilhosa não 
tem nada, uma simples gripe é capaz de acabar com ela, física e o que é pior 
psiquicamente.

Ela se dá conta do quanto é arrogante quando está com saúde e o quanto é 
frágil quando tem uma mera gripe.

E pensa... todas as pessoas deviam ficar doentes  uns dois dias por mês, 
para serem um pouquinho mais humildes.

Ela, inclusive!


Danuza Leão


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