COMO OS CAMPOS
 
Preparavam-se aqueles jovens estudiosos para a vida adulta,  
acompanhando um sábio e ouvindo seus ensinamentos. Porém, como  
fizesse cada dia mais frio com o adiantar-se do outono, dele se  
aproximaram e perguntaram:
- Senhor, como devemos vestir-nos ?

- Vistam-se como os campos - respondeu o sábio.

Os jovens então subiram a uma colina e durante dias olharam para os  
campos. Depois dirigiram-se à cidade, onde compraram tecidos de muitas  
cores e fios de muitas fibras. Levando cestas carregadas, voltaram  
para junto do sábio. Sob o seu olhar abriram os rolos de sedas,  
desdobraram as peças de damasco, e cortaram quadrados de veludo, e os  
emendaram com retângulos de cetim.   

Aos poucos, foram recriando em longas vestes os campos arados, o vivo  
verde dos campos em primavera, o pintalgado da germinação. E entremearam  
fios de ouro no amarelo dos trigais, fios de prata no alagado das chuvas,  
até chegarem ao branco brilhante da neve.
As vestes suntuosas estendiam-se como mantos. O sábio nada disse.

Só um jovem pequenino não havia feito sua roupa. Esperava que o algodão  
estivesse em flor, para colhê-lo. E quando teve os tufos, os fiou. E  
quando teve os fios, os teceu. Depois vestiu a sua roupa branca e foi  
para o campo trabalhar.

Arou e plantou.

Muitas e muitas vezes sujou-se de terra. E manchou-se do sumo das frutas  
e da seiva das plantas. A roupa já não era branca, embora ele a lavasse  
no regato.

Plantou e colheu.

A roupa rasgou-se, o tecido puiu-se. O jovem pequenino emendou os rasgões  
com fios de lã, costurou remendos onde o pano cedia. E quando a neve veio,  
prendeu em sua roupa mangas mais grossas para se aquecer. Agora a roupa  
do jovem pequeno era de tantos pedaços, que ninguém poderia dizer como  
havia começado.

E estando ele lá fora uma manhã, com os pés afundados na terra para  
receber a primavera, um pássaro o confundiu com o campo e veio pousar no  
seu ombro. Ciscou de leve por entre os fios, sacudiu as penas.

Depois levantou a cabeça e começou a cantar.

Ao longe, o sábio que tudo olhava sorriu.   


Marina Colasanti
Colaboração de Lessandra (Minha filha)


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