O ESPELHO TEM TRÊS FACES
Minha mãe tinha cinqüenta e um anos quando morreu. Eu me lembro do último dia de vida dela muito claramente. Era uma segunda-feira chuvosa, e minha mãe não podia respirar.
- "É o fluido no pulmão" disse o médico.
Eles ajeitaram minha mãe na cama do hospital e inseriram uma longa agulha pelas costas até atingir seus pulmões. Tentaram e tentaram mas nenhum fluido veio. E nenhum alívio.
- "Não é fluido, é o tumor que tomou todo o pulmão. Não podemos lhe ajudar a respirar".
Eu me lembro das palavras desesperadas de minha mãe.
- "Eu não consigo... respirar. Aumente o oxigênio... por favor".
Mas aumentar o oxigênio não ajudou. Seus pulmões, explodindo em câncer, lutava para abrir espaço para o ar. Minha mãe sussurrou suas palavras finais,
- "Eu quero ir-me depressa".
Minha mãe deveria ter envelhecido. Seus cabelos escuros, ligeiramente acinzentados, deveriam ter se tornado brancos. As suaves linhas de seu rosto deveriam ter se tornado rugas. O seu passo rápido deveria ter se transformado em uma caminhada mais lenta,mais pausada.
Minha mãe deveria ter visto seus cinco netos crescerem. Ela deveria ter tido a chance de os envolver com seu especial jeito de amar e dar a eles a considerável sabedoria que tinha. Ela deveria ter caminhado de braços dados com meu pai - ela foi a única mulher que ele amou - ao longo de seus anos dourados. Não. Ela não foi. Ela não teve a chance. Ela tinha cinqüenta e um anos, e ela morreu.
Eu tinha vinte e sete anos quando minha mãe morreu. Durante todos esses anos, não se passou um dia em que eu não pensasse em algo que gostaria de lhe falar, lhe perguntar ou lhe mostrar.
Agora, eu tenho cinqüenta e um anos. Eu me olho no espelho e me ocorre: eu tenho lentamente me transformado. Lá está aquele cabelo ligeiramente acinzentado, esses olhos intensamente escuros que dão expressão à minha face. Quando eu ouço minha voz, é a voz dela. Eu me tornei minha mãe.
Estou entrando em uma nova e estranha fase de minha vida. Eu sempre olhei à frente para ver minha mãe. Agora estou começando a ser mais velha que minha mãe. A direção na qual eu olho mudará. Logo eu terei que olhar para trás para ver minha mãe.
Aos poucos minha mãe ficará jovem em comparação comigo. Eu envelhecerei em vez dela - terei os cabelos brancos que ela deveria ter tido e nunca teve. Eu desenvolverei uma caminhada pausada que ela nunca experimentou, terei rugas no rosto que ela nunca teve, e assim continuará sem parar até que um dia eu tenha setenta e cinco anos, como ela teria hoje. Naquele dia, completa a reversão de nossos papéis, eu me virarei para olhar para ela, mas verei minha própria filha, aos cinqüenta e um anos, ao invés deminha mãe.
Tradução de SergioBarros do texto de Kristina Cliff-Evans © 1999 (Chicken Soup for the Soul)
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