A CARTA
Num determinado dia, em um determinado local, Solon acordou para mais um dia de sua rotina. Como sempre, acordou já meio cansado, para mais um dia de trabalho, trabalho este que ele até já gostou um dia, mas que hoje era um tanto quanto estafante. Ao chegar no trabalho, desejando ao vigilante aquele bom dia já de praxe (aquele que, de tão baixo, às vezes só você escuta), observou que sobre a sua mesa havia uma correspondência diferente, num envelope não usual (não era nenhum daqueles envelopes de circulação interna da companhia). Na frente do envelope, apenas o seu nome e no verso, o destinatário: um amigo. Ora, a essa altura do campeonato uma carta anônima... Abriu meio que descrente e leu:
Você já disse "eu te amo" hoje? E nesta última semana? Quando foi a última vez que você disse "eu te amo", afinal? Ao seu pai, à sua mãe, à sua namorada, ao seu melhor amigo, aos seus colegas de trabalho... Estas três palavras poderão mudar a sua vida. Experimente. Olhe nos olhos da pessoa e diga: "eu te amo".
Deu um risinho de canto de boca, largou a carta de lado e começou a trabalhar.
Durante todo o dia, porém, aquelas quatro linhas voltavam à sua mente, mais precisamente aquelas três palavras: eu te amo.
Ao final do dia, cansado como sempre, dobrou a carta, colocou-a no bolso e seguiu de volta para casa. No caminho de volta, refletiu que já não via seus pais há já algum tempo, decidindo de repente mudar o seu trajeto e ir visitá-los. Ao chegar lá, foi recebido com um abraço caloroso de sua mãe que lhe cobrou tanto tempo sem aparecer. Deu um beijo no seu pai e foram para a mesa jantar. Após o jantar, já na sala, observou silenciosamente seu pai sentado no sofá, enquanto sua mãe passava um café na cozinha. Tirou a carta do bolso, leu-a mais uma vez e respirou fundo. Ajoelhou-se em frente ao seu pai, para que ficasse à altura de seus olhos e disse:
- Pai, estou querendo te dizer algo que não sei se já disse, mas se disse, já faz muito tempo.
Seu pai o olhou com um olhar interrogativo, e ele continuou:
- Pai, eu te amo.
O sentimento que tomou conta do seu corpo naquele momento foi algo que ele não soube explicar. As lágrimas começaram a lhe escorrer no rosto enquanto seu pai lhe abraçava firmemente e sussurrava no seu ouvido.
- Como é bom ouvir isso, meu filho. Eu também te amo muito.
Sua mãe entrou na sala neste momento, quando ele se levantou e a abraçou, repetindo ao seu ouvido:
- Mãe, eu te amo.
Sua mãe o abraçou apertado, emocionada.
- Oh, meu filho, eu também te amo muito.
E naquela noite conversaram até tarde, como há tempo não faziam.
No dia seguinte, apesar de ter dormido mais tarde de véspera, acordou mais bem disposto. Ao chegar ao trabalho, desejou ao vigilante um bom dia mais verdadeiro, tendo sido respondido com um bom dia com um misto de alegria e de interrogação. Reuniu os seus colegas de trabalho e falou o quanto apreciava o trabalho e a companhia deles, e que pretendia, dali pra frente mudar a sua postura, pois tinha redescoberto o amor dentro de si. Explicando melhor, distribuiu cópias daquela carta anônima com os colegas.
Curioso para saber quem lhe enviara a carta, chamou um a um de seus amigos mais chegados, obtendo uma negativa de cada um deles. Ao final do dia, à saída da companhia, espírito mais leve, o vigilante lhe interceptou:
- Normalmente tenho que mandar três ou quatro cartas destas para perceber alguma mudança. Parabéns. Você mudou já na primeira.
Espantado, quis saber o que tinha levado aquele seu amigo "invisível" a lhe encaminhar aquela carta.
- Logo no começo, percebi a sua animação pelo seu bom dia. Com o passar do tempo, o seu bom dia foi murchando, murchando, até eu não conseguir ouvi-lo, mesmo com muito esforço. Há muito tempo atrás, estava meio desanimado no meu trabalho quando recebi uma carta dessas. Não dei bola, rasguei e joguei fora. Dias depois recebi uma segunda, e também não dei bola. Ao receber a terceira, quase um mês depois, resolvi visitar meus pais e dizer o quanto eu os amava. Ao chegar lá, meu pai acabara de ter um infarto e eu não tive tempo de dizer o quanto eu o amava. A partir deste dia, passei a observar as pessoas e a mandar cartas.
Solon ficou sem palavras por alguns instantes. Engoliu seco, agradeceu e foi pra casa sabendo que sua vida não seria mais a mesma a partir dali.
Há um tanto de Solon em cada um de nós. Sejamos antes Solon, que só precisou de uma carta, que o amigo vigilante. Espero que uma carta seja o suficiente.
Autor não mencionado
Enviado por Angela Crespo (http://www.angela.amorepaz.nom.br)
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