PRESERVANDO A DIGNIDADE HUMANA
Quando a segunda guerra estourou, todos os judeus da Macedônia foram mandados para um campo de concentração e enviados às câmaras de gás de Treblinka. Minha família só foi liberada do campo de concentração porque tínhamos passaportes espanhóis.
Quando fomos liberados, fugimos para a Albânia que, nesse tempo, era predominantemente muçulmana. Nós não éramos muçulmanos, mas para evitar o perigo, fingimos ser. Há um termo, "a vingança de sangue," que significa que vidas devem ser sacrificadas
para reparar massacres passados. De acordo com costumes muçulmanos, aqueles que fogem da "vingança de sangue" devem ser escondidos. Consequentemente, o líder religioso de Skadar nos escondeu em uma vila minúscula no alto de uma montanha. Lá ficamos sem
nenhum dinheiro, nenhuma eletricidade, nenhuma água corrente.
Embora meu pai tivesse sido forçado a deixar para trás todas as posses terrestres, possuía ainda sua sagacidade. Pensou muito sobre como faria para alimentar sua família. Finalmente lhe veio a idéia. Tinha obtido grande conhecimento sobre higiene,
saneamento e saúde básica, assim foi que ofereceu "serviços médicos" às pessoas da vila em troca de alimento.
A fim de parecer discreto em nosso novo ambiente, nós tivemos que ativamente praticar a religião muçulmana, sobre a qual nós não sabíamos nada. Nós estávamos cientes que nossos patrões eram extremamente religiosos e prestavam atenção a cada movimento
nosso. Eu vivia com medo de que descobrissem que nós comíamos escondidos durante o Ramadan.
Finalmente a guerra acabou. Nossa família sobreviveu pela graça de Deus. Quando minha família saia da vila, meu pai fez uma promessa de retornar à vila um dia para construir um poço. Cinqüenta anos depois, pudemos finalmente retornar para cumprir
nossa promessa de família.
Foi uma importante ocasião para todos. Um grupo da televisão apareceu para um documentário. As pessoas da vila foram entrevistadas e perguntadas se tinham qualquer idéia de que nós não éramos muçulmanos.
- Claro que sabíamos! - Responderam rindo. - Nosso líder religioso nos disse que eram judeus. Comeram até mesmo durante o Ramadan.
O entrevistador pressionou,
- Você sabia que o pai da família (referindo-se à meu pai) era um médico?
Riram mais ruidosamente,
- Claro que sabíamos. Não era médico coisa nenhuma. Todos sabiam, mas isso não era importante. Nós precisávamos de seus "serviços médicos" e em troca lhes demos o alimento para que pudessem sobreviver. Nós nunca falamos nada para não os assustar,
pois fugiriam e se colocariam em perigo. Nós não queríamos perder ninguém. Era o segredo da vila. Para viver na paz e na dignidade em meio aos tempos de guerra.
Tradução de SergioBarros do texto de Ichak Adizes
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