Em cidade interiorana, havia um homem que não se irritava e não discutia com ninguém. Sempre encontrava saída cordial, não feria a ninguém, nem se aborrecia com as pessoas.
Morava em modesta pensão, onde era admirado e querido.
Seus companheiros combinaram levá-lo à irritação e à discussão num determinado jantar.
No jantar, serviam saborosa sopa, de que o nosso amigo era apreciador.
A garçonete chegou próximo à sua mesa, pela esquerda, e ele, prontamente, levou o próprio prato para aquele lado, a fim de facilitar a tarefa.
Ela serviu todos os demais e quando chegou a vez dele... foi embora para outra mesa.
Ele esperou calmamente e em silêncio, que ela voltasse, quando ela outra vez se aproxima, agora pela direita. Volta ele a levar o prato para a direção da jovem, que novamente se distancia, ignorando-o.
Após servir todos os demais, passa rente a ele, acintosamente, com a sopeira fumegante, exalando saboroso aroma, como quem concluiu a tarefa e retorna à cozinha.
Nesse momento, não se ouvia qualquer ruído. Todos espreitavam discretamente, para ver-lhe a reação. Educadamente, ele chama a garçonete, que se volta, fingindo impaciência:
- O que o senhor deseja ?
Ao que ele responde, naturalmente:
- A senhora não me serviu a sopa.
Novamente ela retruca, para provocá-lo, desmentindo-o:
- Servi, sim senhor !
Ele olha para ela, olha para o próprio prato vazio e limpo... Todos pensam que ele vai brigar... suspense e silêncio total. É quando ele surpreende a todos, ponderando tranqüilamente:
- A senhorita serviu sim, mas eu aceito mais !
Flávio Boleiz Junior
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