Era tarde, quando toda a equipe, se aproximava do endereço onde se verificaria a assistência a ser prestada ao neto de um companheiro.
Era quase madrugada, o lar aparentemente repousava sob os raios entorpecentes de Orfeu.
Penetramos na residência em silêncio, o relógio na entrada anunciava a chegada das almas do Outro Mundo.
A peça arcaica de museu, feita de puro carvalho, talhado por hábil artista, indicava uma hora da manhã.
Subimos as escadas, logo divisamos um corredor, ao passo que nos aproximávamos uma estranha sensação percorria nossas entranhas.
A porta meia aberta, entramos. Papéis espalhados, uma foto de Che Guevara, guerrilheiro e símbolo da luta Cubana.
Alguns álbuns de cantores Pop sobre à cama, na escrivaninha uma carta, cujo papel ainda manchado, trazia a última carta d um adolescente escrita para os pais.
A missiva dizia:
- Papai e Mamãe, são poucas as alegrias que tive nesta vida, cheias de Prazeres e falta de limites.
Lembra mamãe, dos presentes com que calaste as queixas do meu coração, que reclamava por teu carinho e atenção!
Desculpa mãezinha, as birras e brigas que arrumei na escola, só para atrair o interesse de vocês, para a carência de teu filho.
Papai, você me deu tudo: Brinquedos, doces, viagens, contudo, nunca o vi sentar no chão comigo simplesmente para brincar como faziam os pais dos meus amiguinhos...
Quantos passeios eu dei, na companhia de babás e velhos tios...
Você sempre ocupado, sempre as voltas com os teus negócios.
Quando eu pedia um pouco de tua dedicação, ouvia-o dizer: "Não tenho tempo agora, quem sabe amanhã?"
Não tive outro irmão ou irmã, porque vocês tinham que gozar a vida e a juventude e já bastava um filho, que já trazia aos pais bastante preocupação.
Nunca me levaram à escola, sempre o chofer e as criadas que carregavam minha mochila e meus livros...
Cresci, e vocês não perceberam isto. Quando fiz quinze anos, fui apresentado as drogas. E nelas julguei encontrar a minha libertação!
Tolo que fui! Todo dinheiro que recebi de mesada, gastei em drogas.
Trazia sempre amigos para fumar e cheirar em casa, e vocês sequer perceberam. Sabe porque papai e mamãe? Eu nunca fui amado! Agora estou partindo, partindo do mundo por que não agüento mais meu sofrimento!
Adeus papai e mamãe! Quem sabe um dia não levem lágrimas e flores no meu túmulo, assim quem sabe, se Deus me permitir gritarei do túmulo: Que Deus os perdoem!
Não pude ler a assinatura, pois a mão trêmula que havia redigido à carta, tombara pelo efeito da morte.
Ao lado da mesa, um corpo de jovem caído seminu, com um sorriso entre os lábios, guardando dentre as mãos a foto dos pais.
Recolhemos o pobre irmão sofredor, que amparado pelo avô, seguia para as zonas de tratamento.
Porém ficava registrada na memória de todas à responsabilidade dos pais, ante o destino dos próprios filhos...
IRMÃO X - Psicografada por Lívio Rocha
Enviado por Jânio Cordeiro - Minuto Poético
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