Texto extraído da Revista Espírita – 7o. ano - Fevereiro de 1864 – da página 37 a 40.
Primeiras Lições de Moral na Infância.
De todas as pragas da sociedade, o egoísmo parece a mais difícil de
desenraizar; ela é tanto mais, com efeito, quanto é entretida pelos próprios
hábitos da educação. Parece que se tornam mais tarde uma Segunda natureza, e
se espanta dos vícios da
sociedade, então que as crianças os sugam com o leite. Eis disso um exemplo
que, como cada um pode julgá-lo, pertence mais à regra do que à exceção.
Numa família de nosso conhecimento há uma pequena filha de quatro a
cinco anos, de uma inteligência rara, mas que tem os pequenos defeitos das
crianças mimadas, quer dizer, que ela é um pouco caprichosa, chorosa, teimosa,
e não diz sempre obrigado quando se lhe dá alguma coisa, essa cujos pais tem
grandemente interesse em corrigi-la, porque, à parte esses defeitos, ela tem um
coração de ouro, expressão consagrada. Vejamos como se empenham para tirar
essas pequenas nódoas e conservar ao ouro e sua pureza.
Um dia, havia sido trazido um bolo à criança, e, como é geralmente o hábito,
se disse: “Tu o comerás se fores
obediente;” primeira lição de guloseima. Quantas vezes não chega a dizer,
à mesa, a uma criança, que não comerá de tal gulodice se chorar. “Faze
isto, faze aquilo, se lhe diz, e tu terás do creme” ou alguma outra coisa que
possa lhe fazer inveja; e a criança se constrange, não por razão, mas tendo
em vista satisfazer um desejo sensual que a aguilhoa. É bem pior ainda quando
se lhe diz, o que não é mais a gulodice só que está em jogo, é a inveja; a
criança fará isso que se lhe manda, não só para ter, mas que um outro não
tenha. Quer se lhe dar uma lição de generosidade? Diga-se-lhe: “dá esse
fruto ou esse ou esse brinquedo a um tal.” Se ela recusa, não se deixe de
acrescentar, para simular nela um bom sentimento: “Eu te darei um outro
dele;” de maneira que a criança não se dedica a ser generosa quando está
certa de nada perder.
Fomos um dia testemunha de um fato muito característico nesse gênero.
Era uma criança de dois anos e meio mais ou menos, a quem se havia feito
semelhante ameaça, acrescentando-lhe: “Nós o daremos ao irmãozinho, e tu não
o terás;” e, para tornar a lição mais sensível, coloca-se a porção sobre
o prato deste; mas o irmãozinho, tomando a coisa a sério, come a porção. Em
vista disso, a outra se torna vermelha e seria preciso não ser nem o pai nem a
mãe para não ver o estrondo de cólera e de ódio que jorra de seus olhos. A
semente foi lançada; pode produzir bom grão?
Retornemos à pequenina da qual falamos. Como não toma nenhuma conta da
ameaça, sabendo por experiência que será executada raramente, esta vez se fez
mais firme, porque compreendeu-se que seria preciso dominar esse pequeno caráter
e não esperar que a idade lhe venha dar um mau hábito. É preciso formar as
crianças cedo, dizia-se; máxima muito sábia, e, para colocá-la em prática,
eis coo se a toma. “Eu te prometo, lhe diz sua mãe, que se tu não
obedeceres, amanhã, a primeira pequena pobre que passar, dar-lhe-ei teu
bolo.” O que foi dito foi feito; esta vez queria-se resistir e lhe dar uma boa
lição. No dia seguinte de manhã, pois, tendo percebido uma pequena vizinha na
rua, fê-la entrar, e se obrigou a filhinha a tomá-la pela mão e a lhe dar,
ela mesma, seu bolo. Sobre isso, louvores dado a sua docilidade. Moralidade; a
filhinha disse: “É indiferente, se soubesse disto, teria me apressado em
comer meu bolo ontem;” e todo o mundo de aplaudir a essa resposta espirituosa.
A criança, com efeito, recebeu uma grande lição, mas uma lição do mais puro
egoísmo, do qual não deixará de se aproveitar numa outra vez, porque ela sabe
agora o que custa a generosidade forçada; resta saber que frutos dará mais
tarde essa semente, quando, mais idosa, a criança fará a aplicação dessa
moral em coisas mais sérias do que um bolo. Sabem-se todos os pensamentos que só
esse fato pôde fazer germinar nessa jovem cabeça? Como se quer, depois disso,
que uma criança não seja egoísta quando, em lugar de despertar nela o prazer
de dar, e de lhe representar a felicidade daquele que recebe, se lhe impões um
sacrifício como punição? Não é inspirar a aversão pelo ato de dar, e por
aqueles que tem necessidade? Um outro hábito igualmente freqüente é o de
punir uma criança vendo-a comer, na cozinha, com os domésticos. A punição
está menos na exclusão da mesa do que na humilhação de ir à das pessoas de
serviço. Assim se encontra inoculado, desde a mais tenra infância, o vírus da
sensualidade, do egoísmo, do orgulho, do desprezo aos inferiores, das paixões,
em uma palavra, que são, com razão, consideradas como as pragas da Humanidade.
É preciso ser dotado de uma natureza excepcionalmente boa para resistir a tais
influências, produzidas na idade mais impressionável, onde elas não podem
encontrar contrapeso nem na vontade nem na experiência. Por pouco, pois, que o
germe das más paixões aí se encontre, o que é o caso mais comum, tendo em
vista a natureza da maioria dos Espíritos que se encarnam sobre a Terra, não
pode senão se desenvolver sob essas influências, ao passo que seria preciso
tentar descobrir-lhe os menores traços, para abafá-las.
Essa falta sem dúvida, está nos pais, mas aqueles pecam freqüentemente,
é preciso dizê-lo, mais por ignorância do que por má vontade, mas em outros
a intenção é boa, é o remédio que não vale nada ou que é mal aplicado.
Sendo os primeiros médicos da alma de seus filhos, deveriam estar instruídos,
não só de seus deveres, mas dos meios de cumpri-los; não basta ao médico
saber que deve procurar curar, é preciso que saiba coo deve fazê-lo. Ora, para
os pais, onde estão os meios de se instruírem sobre essa parte tão importante
de sua tarefa? Dá-se às mulheres muita instrução hoje; fazem-na suportar
exames rigorosos mas jamais foi exigido de uma mãe que ela saiba como deve
fazer para formar o moral de seu filho? São-lhes ensinadas receitas do governo
da casa; mas se a iniciou nos mil segredos de governar os jovens corações? Os
pais são, pois, abandonados sem guia à sua iniciativa, é por isso que, freqüentemente,
tomam um falso caminho; também recolhem, nos erros de seus filhos tornados
grandes, o fruto amargo de sua experiência ou de uma ternura mal combinada, e a
sociedade toda disso recebe o contragolpe.
Uma vez que está reconhecido que o egoísmo e o orgulho são a fonte da
maioria das misérias humanas, que enquanto reinarem sobre a Terra, não se
podem esperar nem paz, nem caridade, nem fraternidade, é preciso, pois, atacá-los
no seu estado de embrião, sem esperar que sejam vivazes.
Pode o Espiritismo remediar esse mal? Sem nenhuma dúvida, e não
hesitamos em dizer que só ele é bastante poderoso para fazê-lo cessar: pelo
novo ponto de vista sob o qual faz encarar a missão e a responsabilidade dos
pais; fazendo conhecer a fonte das qualidades inatas, boas ou más;
mostrando-lhes a ação que se pode exercer sobre os Espíritos encarnados e
desencarnados; dando-lhes a fé inabalável que sanciona os deveres; enfim,
moralizando com isso os próprios pais. Já prova sua eficácia pela maneira
mais racional da qual as crianças são educadas nas famílias verdadeiramente
espíritas. Os novos horizontes que o Espiritismo abre fazem ver as coisas de
maneira diferente; sendo seu objetivo o progresso moral da Humanidade, forçosamente
deverá levar a luz sobre a séria questão da educação moral, fonte primeira
da moralização das massas. Um dia compreender-se-á que esse ramo da educação
tem seus princípios, suas regra, como a educação intelectual, em uma palavra,
que é uma verdadeira ciência; um dia, talvez, se imporá a toda mãe de família
a obrigação de possuir esses conhecimentos, como se impõe ao advogado a de
conhecer o Direito.
FIM