UM CONTO A MAIS
— Puxa, foi tão rápido.
— Tanta correria, prestações, conta
de luz, água. O sono perdido por causa dos problemas
ainda não resolvidos.
— Tinha os desencontros da casa, os desentendimentos,
a propaganda enganosa que foi esta união, sem
eira nem beira. A dor da perda, feito ferida que não
cicatriza nunca.
— Mas eu tinha projetos, claro que não
os tem? Se bem que projeto é o nome que se dá
ao sonho que gostaríamos pudesse virar realidade.
Um deles era a loja, pra parar de correr pra cima e
pra baixo, matando um leão por dia.
— Alegrias? Claro, elas existiram. Minha baixinha.
O meu menino que virou homem num piscar de olhos e hoje
segue seu próprio caminho. A lembrança
dos que fazem falta, os que passaram e marcaram e até
os que marcaram sem nem ao menos passar.
— Mas me admira ser assim, imaginava-me velho,
meio perdido feito o guri que nunca deixei de ser, olhando
pro nada e imaginando tudo, fazendo trocadilhos com
as palavras, sonhando com a musa que insiste em não
surgir. Não imagino a fila do SUS, isto não.
Agora, neste momento de reflexão que inerte me
ocorre, feito um filme, vendo o passado passando assim,
na minha frente, lembrei do Epitáfio: Devia ter,...
tanta coisa. Fico pensando. O que vem depois?
— Sim, já que este momento nada mais é
do que a triste orelha de um livro que, por engano da
gráfica, colocaram no fim e não no início,
como de costume. Mas o que vem depois, deste momento
de reflexão?
— Céu? Inferno? Purgatório? Nada?
Enfim, o que virá?
Não gostaria que fosse apenas um conto a mais,
repleto de mágoas, de momentos felizes, as dúvidas
de sempre, sobre como teria sido se tivesse agido diferente
aqui ou ali. Se naquele dia não tivesse saído,
ou se saísse antes.
— Puxa, foi tão rápido!