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Botucatu
declarou Guerra à Inglaterra???
Publicado
Originalmente na Revista Boca de Cena
Virou
folclore! A provinciana Botucatu teria declarado guerra
ao império Britânico. Essa versão tem-se tornado tão disseminada que vale a pena retornar ao
ocorrido. As
razões para isso talvez estejam no desconhecimento dos
antecedentes históricos.
Foi
em 1863, século XIX: a Câmara de Botucatu
reune-se extraordinariamente e aprova, numa tumultuada
sessão, um documento, dirigindo-o ao Imperador Pedro II.
Para entender tanta indignação mostrada no documento n.
53 dos arquivos locais, será preciso revisitar os
acontecimentos dos meses anteriores,
verificados na Corte imperial brasileira, instalada no
Rio de Janeiro. Vivia alí um embaixador britânico,
William Dougal Christie, com larga autonomia para cuidar
dos negócios e interêsses ingleses, junto à corte de D. Pedro
II. Chamado na
ocasião de ministro plenipotenciário,
tinha autonomia grande e podia tomar decisões sem
consultas prévias, como hoje é recomendado aos embaixadores.
Podia ser considerado mais que um embaixador. Ocorre que era o
que se chama hoje de “estopim curto” e suas relações com o
império brasileiro começaram a
azedar quando os navios ingleses começaram a patrulhar
as águas do Atlântico na repressão ao comércio de escravos
da África para o Brasil. Questões
aquí, divergências
alí, uma série de fatos culminaram com
a prisão de oficiais ingleses embriagados, em 17 de
junho de 1862, pela polícia encarregada de manter a ordem na
cidade do Rio. Christie protestou energicamente junto ao
Imperador exigindo uma retratação das autoridades brasileiras.
Instruído por seu governo a ser enérgico, a 5 de dezembro
daquele ano deu um ultimato ao governo brasileiro, terminando
por ameaçar com retaliações concretas, caso não fossem
atendidas suas exigências: indenização, punição dos
policiais e censura ao chefe da polícia. Irritado o imperador
disse que “ perderia a coroa mas não se humilharia ao
estrangeiro”, e autorizou seu ministro, Marquês de Abranches
a tratar diretamente com o governo inglês, deixando de lado
Christie. Furioso o ministro ingles no Brasil ameaçou com a
esquadra naval britânica
e como não fosse atendido, no dia 31 de dezembro a
flotilha inglesa zarpou para o alto mar e apreendeu os primeiros
5 vapores de navegação costeira que encontrou.
Imaginando
dobrar o imperador, Christie enganou-se. A população do Rio
foi para as ruas em maciças e violentas manifestações de
indignação com o governo inglês.
Perdida
no sertão de S. Paulo, Botucatu seguia sua calma vida de
província...até que os primeiros jornais chegassem do Rio. Ou
antes, que os mascates e viajantes ou então os carteiros
viessem com notícias. Até que não chegaram atrasados, mas
essas notícias alvoroçaram o cotidiano da pequena cidade. Seus
moradores correram para as ruas e exigiram uma posição da
Câmara, mas os vereadores eram todos agricultores e não podiam
vir logo para a sede do município. Foi só mesmo em 9 de
fevereiro, com a Câmara lotada é que os camaristas deram vaza
à indignação dos nossos conterrâneos e fizeram redigir uma
felicitação ao imperador...nada mais que isso, pela atitude de
altivez diante do Império Britânico e seu ministro
atrabiliário.
Confira
você mesmo: “ Senhor – A Camara Municipal da Villa de Botucatu, fiel interprete
dos sentimentos de seo Município, soube neste certão da
Província de São Paulo, com a mais profunda magoa e
indignação a cruel e injusta agressão, que os nosso fóros de
Nação livre e independente dirigio o governo Inglez, já
aprisionando em plena paz os nossos Navios Mercante, e já por
meio das Notas do seo Ministro Plenipotenciário na Capital do
Império. Porém Senhor, á tão duro e justo sentimento
succedeo a de gratidão para com A Sagrada Pessoa D’Vossa
Magestade Imperial, Nosso Deffensor Perpetuo, por ver esta
Camara a Dellicadeza e Firmesa de Vossa Magestade em sustentar
os nosso fóros, como fez no Conselho Déstado. E foi no meio da
ansiedade geral que desprehendendo-se do coração Magnanimo e
Brasileiro de Vossa Magestade húa corrente elletrica inflamou o
Conselho D’Éstado passou ao Governo do Paiz, e delle ao bom
povo fluminense e a todos os povos do Brasil. Sim, Senhor, Vossa
Magestade Forte com o appoio da Nação, e a Nação tão bem
forte, em quanto tiver a dita que lhe obtorgou a Divina
Providência de possuir á Vossa Magestade como seo Deffensor
Perpetuo, há de repellir toda a injusta agressão do
extrangeiro audaz e ambicioso, e o seo Imperio Será sempre um
soberano e independente. Ah Senhor, sob o Governo Auspicioso de
Vossa Magestade Imperial dos Brasileiros se mostrarão sempre os
descendentes e successores dos Vieiras, Camarões, e dos
Henriques Dias, e mal dicto seja o Brasileiro que não ouvir a
vós da Patria, que he a voz de Vossa Magestade Imperial. Taes
Senhor, são os sentimentos desta Camara, e tambem os do Povo de
Botucatu, que ella se ufana representar e depor aos pés do
Trono Augusto de Vossa Magestade Deos fellicita e prospere os
dias de Vossa Magestade Imperial, como havemos de mister. Paço
da Camara Municipal da Villa de Botucatu, em sessão
extraordinaria de 9 de fevereiro de 1863. A) Antonio Galvão
Severino – p;residente, e vereadores Salvador Bueno dos Santos
Mello, Bernardino Dutra Pereira, José Francisco Corrêa da
Silva, Brás Bernardo da Cunha, Caitano Ferreira Godinho,
Antonio Pedro Ribeiro e Manoel Joaquim Bueno-secretário.”.
Depois
de ter chegado até aqui, você ainda acha que Botucatu declarou
guerra à Inglaterra?
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