O
Posto da Tranca de
Ferro
Tropas e tropeiros no alto da Serra

Na
última fase do
tropeirismo
do século XX
(gado
de corte) boiada desce
a
rua Moraes Barros.
Foto
de Luiz Simonetti
Nos últimos 30 anos do século XVIII (anos 1701/1800),
enquanto parte da Capitania iniciava a cultura da cana, intensificou-se
uma outra atividade rendosa: o comércio de mulas, então o mais utilizado
meio de transporte de cargas.
No lombo de mulas transportava-se de
gêneros alimentícios para as minas de ouro de Goiás, Mato Grosso ou
Minas Gerais, ao sal para criação de gado de corte nas fazendas de
Itapetininga e Itapeva, ou sobre mulas desciam aos portos de mar de Santos
e Ubatuba as produções de açúcar, aguardente e fumo.
Nesses tempos, era impensável outro meio de transporte
de mercadorias, dada a precariedade das vias de comunicação: pequenas
picadas abertas a facão, em meio às densas matas que, quando muito,
deixavam passar esses animais, um a um. Vem daí a procura dos muares e
seu alto preço de mercado.
Atravessado o rio Tietê, as tropas
seguiam às Minas Gerais. Carta
mostrando a posição exata das diversas povoações, estradas e ramais.
eng. Newton Bennaton 1868.
(Clique sobre a figura
para ampliá-la)
Sorocaba transformou-se no mais efervescente
entreposto de compra e venda de animais, e era para aquela cidade que
afluíam mineradores, plantadores de cana, peões e todo tipo de gente
ligada a esse comércio: de seleiros a domadores, de ferreiros a
fornecedores de gêneros. Instalou-se ali a conhecida Feira de Muares
não domesticados, estrategicamente colocada a meio caminho entre os
campos do sul e as plantações de cana de Campinas e Itú ou das minas de
ouro das Gerais e Goiás.
"Esses animais provêm da Província
do Rio Grande do Sul e são trazidos a Sorocaba em numerosas tropas por
mercadores do Sul. Essas tropas (manadas de bestas bravas) poem-se em
marcha pelos meses de setembro e outubro, na ocasião em que as pastagens
começam a reverdecer. Vários mercadores transportam suas tropas sem
nenhuma interrupção, e as mesmas chegam a Sorocaba pelos meses de
janeiro, fevereiro e março..."
Esse caminho de tropas bravas começava em Viamão,
passava por Lajes, hoje cidade do Estado de Santa Catarina, e
ingressava num território deserto de gente, largo por sessenta léguas,
onde nenhuma venda, pouso ou residência existiam. Conhecido como o Sertão
de Lajes, esse estreito caminho das tropas era inteiramente coberto
por matas. Era o terror dos tropeiros, entre outras coisas por ser
desprovido de pastagens, devendo ser, portanto, varado de uma única
empreitada. Cruzava de Lajes a Lapa, oficialmente, Vila Nova do
Príncipe, ainda pertencente à Província de São Paulo, em 1820. Por
essa razão havia tropeiros que invernavam todo um ano ao redor de
Lajes e, só então, decidiam-se atravessar esse imenso deserto coberto de
matas, até os campos de Curitiba. Dali buscavam atingir Itapeva
(Faxina), Itapetininga e, finalmente, Sorocaba.
Atividade rendosa, cada mula alcançava, no ano de
1820, o preço de 3$500 réis, ao ser vendida em Sorocaba. Mas, desse
preço, o dono da manada de bestas ficava com muito pouco. A maior parte
ficava com os governos das duas Províncias, do Rio Grande do Sul e de
São Paulo. Pouco antes de sair do Rio Grande, as tropas eram contadas, em
Santa Vitória, na divisa com São Paulo(A Capitania e, depois,
Província de S. Paulo, englobava nessa época os territórios que seriam
Santa Catarina e Paraná, algum tempo depois). Ali os mercadores recebiam
uma guia de permissão de trânsito. O responsável pela tropa assinava,
então, um documento, obrigando-se a pagar o imposto em Sorocaba.
Do preço obtido em Sorocaba, por cada mula vendida, 1$000
voltavam para a Província do Rio Grande do Sul. Os 2$500 restantes
eram recolhidos, também, pelo governo paulista: 1$250 a título de
imposto direto e, os outros 1$250 réis ficavam retidos por três
anos e eram, após esse tempo, entregues ao vendedor, dono das bestas.

Tropeiros
da última fase reúnem-se na Estância Demétria em 10 de abril de 1999.
Moacir Fabiano, Joaquim Galerani, Lauro Branco, Quim Totó e Lázaro Ramos
Pereira. Em pé no centro o promotor do evento Fernando Dias Biral
A composição desses impostos advinha de dois outros
impostos em vigor. Um deles, teve seu estabelecimento quando do terremoto
de Lisboa (1755) e, originalmente pretendeu reunir recursos para
reedificar a Alfândega da capital do reino, destruída
durante aquele terremoto. A Alfândega foi reconstruída, mas o imposto
não foi extinto. Posteriormente seu rendimento foi utilizado para
pagamento dos oficiais de tropa de segunda linha e obras públicas. Por
ele os mercadores eram obrigados a recolher aos cofres da Coroa: 320 rs
por uma besta, 200 rs por um cavalo e 100 rs por uma cabeça
de gado vacum. Outro deles foi o Imposto chamado Direitos do Rio
Negro. Mais pesado, foi estabelecido para aumento das rendas
públicas, no ano de 1747. Consistia em fazer os mercadores pagarem
2$500 reis por cada besta, 2$000 por cada cavalo e 960
por cada égua, que se criavam além dos limites da Província.
Para uma economia que vivia sendo transportada em lombo
de mula, o valor dos impostos era uma carga excessiva. Mesmo assim, a
quantidade de animais que foi negociada pela Feira de Sorocaba aumentou
constantemente, saltando de 3.860 bestas em 1793, para 20
mil em 1813, 30 mil em 1818 e 32.747 em
1838.

O
Tropeiro: bico
de
pena de
Vinícius
Aloise
Foi nesse espaço de tempo que os mercadores de tropas,
procurando fugir aos negócios diretos na Feira, para não pagar os
impostos paulistas, vararam o Rio Paranapanema, em algum ponto não
guarnecido e longe do caminho principal, e pegaram uma daquelas trilhas
que levavam ao alto da Serra de Botucatu. Cruzavam as terras de Pardinho,
então inexistente, e alcançavam os terrenos do que é hoje a cidade de
Botucatu, onde arranchavam. Descansados, rumavam para Minas Gerais,
alcançada através de estradas precárias, que rumavam para São
Carlos e depois para Franca do Imperador. Então, chegava a vez
de pagarem os impostos mineiros.
Foi esse movimento de ida, de Minas ao Rio Grande do
Sul, e vice-versa, que o vereador Capitão José Gomes Pinheiro julgou
necessário citar na Câmara de Itapetininga, em 1845, ao defender a
elevação do povoado de Botucatu à condição de Freguesia: a Freguesia
estabelecida no lugar, com seus representantes e funcionários, serviria "...para
se obstarem aos extravios de animais do comercio que por lá passam, pois
a dita Capela está na estrada que segue para Minas Gerais".
Preocupado com a evasão de recursos, o Governo Provincial
Paulista instalou um Posto de Controle, que passou a ser conhecido
como Tranca de Ferro, obstruindo esse caminho usado no contrabando
de muares. Construiu-o à frente de onde despontava a trilha que escalava
a Serra, já no alto, onde nos dias de hoje são terras do município de
Pardinho e colocou ali um funcionário, um soldado e uma casa.
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