"A
plantação do caffé cumessa com
algum entuziasmo..."

Fazenda
Serra Negra
óleo
sobre tela de
Antonio
Ferrigno.
(Clique
sobre a figura ampliá-la)
A
lado dos currais de mulas, abertos nos altos da serra,
foram crescendo, também, as plantações. Dependendo do solo, em alguns
lugares cresciam florestas imensas; em outros, apenas floresciam arbustos
– eram os campos. Ambos, com o tempo, deram lugar aos pastos e às
roças de milho e mandioca.
Porém, a força econômica dessa época estava
localizada em outras regiões e duas culturas firmavam-se como
fundamentais: a cana de açúcar e, depois, o café. Itú
tornou-se a principal cidade de então, chegando a ter mais de 100
engenhos de cana, produzindo 100 mil arrobas, em 1819., Além da Vila
de Itú, a região açucareira paulista, dessa época, compreendia,
também, Campinas, Piracicaba, Porto Feliz, Sorocaba,
Jundiaí e Mogi-mirim, exportando em conjunto 300 mil
arrobas anuais. Nessa época São Paulo tinha ao todo 458 engenhos de
açúcar e aguardente.
A outra cultura – o café – não saíra ainda do
Rio de Janeiro. Plantado ali, pela primeira vez, em 1760, lutava para
suplantar a própria cana. Por volta de 1817, o Rio exportava 680 mil
arrobas de açúcar, para apenas 298.978 arrobas de café.

Visitantes
do grupo Papa Trilhas
conhecem
a casa do Conde de Serra Negra
Muito embora já existissem na nossa região, fazendas
e fazendeiros, desde o início do século XVIII (anos 1701/1800) a
ocupação dos terrenos no alto da Cuesta só aconteceria,
definitivamente, no princípio do século seguinte. Como nos relata o
historiador Hernani Donato, em 1835 eram fazendeiros: José
Gomes Pinheiro (Faz. Monte Alegre e Capão Bonito), Inácio Apiaí
(Faz. Rio Claro), Raimundo...- cujos herdeiros foram seus genros, Joaquim
Gabriel de Oliveira Lima e José Inácio da Rocha (Faz
Boqueirão e Pulador) e... Marques (Fazenda Bom Jardim). Todos
viviam em Itapetininga, então Vila e sede de Município, ao qual Botucatu
pertencia.
Fora dos centros que produziam para exportar, e se
enriqueciam com essas vendas, a vida na futura cidade de Botucatu
começava com gado, mulas e uma produção tímida de fumo, café e
algodão. Tudo isso relata o Capitão José Gomes Pinheiro, em1845,
vereador em Itapetininga, no discurso pronunciado na Casa da Câmara
daquela cidade, já referido no capítulo anterior.
Entretanto, foi apenas na segunda metade daquele
século que a agricultura local se solidificou. Em relatório dirigido ao
presidente da Província, em 1862, a Câmara de Vereadores da Vila
de Botucatu aponta as culturas mais promissoras naquele ano: o trigo,
sendo plantado por três lavradores (André Pereira da Cunha, Felisberto
Antonio Machado e Francisco Rodrigues da Costa). Nenhum deles
colheu o que esperava e a Câmara atribuiu o fracasso à baixa qualidade
das sementes. A Câmara falava, também, em obter empréstimos para que os
agricultores fizessem "grandes plantaçoins de algodam, vista
dar muito e o povo ser dedicado".
Afora essas culturas, que parecem ter sido básicas
naqueles anos, havia os que preferiam plantar fumo, produto que as
fazendas conseguiam vender fora de seus limites.
No entanto, foi com o café que Botucatu acertou
o passo com o desenvolvimento acelerado, ao estabelecer culturas imensas
desse produto. É dessa carta de 1862, a primeira referência à sua
cultura sistemática: "a plantação do Caffé cumessa com
algum entuziasmo, e com razão por quê toda Costa da Serra hé completamente
livre das geadas e dá satisfatoriamente de muito boa qualidade".
Muito antes disso, a cultura do café passara
lentamente do Rio de Janeiro para as férteis terras do Vale do Paraíba.
Ali, sob a fortuna reunida em torno das plantações, várias cidades
nasceram e prosperaram. Então, nos primeiros anos do século XIX
(1801/1900) e, entusiasmados com os altos preços do café, obtidos no
mercado internacional, alcançados a partir de 1820, os demais
agricultores paulistas começaram a abandonar a cana de açúcar. "Depois
de 1835, a cultura cafeeira começou a derivar-se para o chamado Oeste,
onde vai estender-se rapidamente, favorecida pela terra roxa e pelo clima
adequado" – jorn. Rangel Pestana.
Em 1854, (apenas um ano antes de Botucatu ser
elevada à condição de Vila), o café, em todo o território paulista,
já suplantava a cultura da cana-de-açúcar: para 2.618 fazendas de café
só existiam 667 de cana. Um pouco mais tarde, já nas três últimas
décadas do século XIX e, dentro do incontrolável deslocamento das
plantações do café para o Oeste, incentivados pela ausência de geadas
na encosta da Serra, pelos trechos da terra roxa, pelas terras
relativamente baratas, levas de agricultores vieram tentar a sorte nesta
região.
O município de Botucatu, incluindo os então
sub-distritos do Espírito Santo do Rio Pardo (atual Pardinho) e Prata
(atual Pratânia), e os bairros do Capão Bonito (Rubião Junior),
Sorocaba (Santo Antonio do Sorocaba), Faxinal e Victória (atual
Vitoriana), transformou-se num imenso cafezal. Em 1874 (doze anos
apenas, depois de ter a Câmara Municipal anunciado o início das
plantações) a produção de café atingia 35 mil arrobas,
dirigidas para a exportação. O município já tinha, plantados, hum
milhão e duzentos mil pés, com 800 mil formados e produzindo.
Em 1920, todo o território municipal tinha mais
de 12 milhões de pés de café produzindo, sendo os maiores
cafeicultores: Manoel Ernesto Conceição (Conde de Serra Negra),
cujas três Fazendas (Valla, Vila Victória e Challet) possuíam juntas
615 mil pés plantados; e o Dr. João Baptista da Rocha Conceição,
cuja fazenda (Lajeado) tinha, então, 600 mil. Esta fazenda, hoje, abriga
as Faculdades de Agronomia, Zootecnia e Engenharia Florestal da Unesp e
sua casa-sede tem, em sua entrada, o Museu do Café.
May
e o casal Raul e Sylvia, ele filho do barão, acompanhados da filha Ruth e de
sua amiga Elza, filha de Ettore Barbeiro no jardim da casa da fazenda. 1936
Os 24 maiores produtores (Fazendas com mais de 100 mil
pés plantados) respondiam por quase 50% da produção do município. A
outra metade era suprida por uma imensidão de produtores que somavam
quantidades pequenas ao total.
Vindo das plantações, o café chegava à cidade
em carros de boi e em carroções. A descrição dessa árdua tarefa foi
feita por Adeodato Faconti, escritor italiano aqui radicado: "...os
fortes carroceiros italianos... temperados sobre a pedra-ferro dos nossos
espigões, viviam sempre cobertos de poeira e molhados de suor, pregando
as suas roupas, a aderir às suas carnes bronzeadas. Traziam para a cidade
o café beneficiado que carregavam das propriedades mais afastadas.
Desciam e subiam os caminhos mais escarpados, que ligavam as Fazendas do
Aracatu, Monte Selvagem, Ribeirão Grande, Braz de Assis e Pardinho.
Subiam e desciam fulminados por um sol abrasador, às vezes encharcados de
chuva e sujos de barro; desapareciam nas terras arborizadas e reapareciam
no terreno descampado, onde passeava de cabeça alta a soberba Siriema,
que com a pupila vermelha estava controlando os movimentos da cobra, que
se torcia ao sol; e onde os únicos rumores eram o canto estridente da
Araponga e o surdo silvo do chicote, que castigava os burros que, cansados
e sem fôlego, com o pescoço esticado e curvo, produzindo faiscas com as
ferraduras, puxavam o pesado veículo, cujas rodas cercadas com aros de
aço, trituravam as pedras do caminho... Eram eles, os carroceiros de
aço: Bertocchi, Roder, Potiens, Titon, Gaspar, Forti, Gasperini, Bianco,
Horácio, Garcia...e Ricardo Dromani, os Vicentini, os Bataglia,
Fioravanti e outros titans..." . Estes últimos
carroceiros do pouso que Emilio Cani mantinha no Lavapés, especial para
os transportadores de café do Pardinho.

Banda
da Vila Vitória, em 1936, na colônia
da Fazenda do Conde de Serra Negra, defronte à casa de Ettore Barbeiro
Quando os trabalhadores, principalmente imigrantes
italianos, foram comprando suas terras, abandonaram as grandes
plantações onde eram empregados e transferiram-se mais para o interior
do município. Compraram, então, algumas dezenas de hectares, cada um;
coisa pequena, que possibilitava uma economia familiar consolidar-se.
Trabalhavam quase todos com quantias de 10, 12 ou 15 mil pés de café. E,
como cada família sozinha dava conta de tocar algo em torno de 2, 3 ou 4
mil pés, logo veio a necessidade de ajuda dos vizinhos, principalmente
para a colheita. Introduziram o hábito do mutirão, onde cada propriedade
concentrava o máximo de braços para a colheita, utilizando a força de
seus vizinhos. E, no final delas, geralmente, uma grande festa congregava
todas essas famílias, dando margem ao surgimento de namoros e casamentos.
Para os moços e moças a monotonia da vida isolada da unidade agrícola
familiar, só era quebrada pela alegria da colheita conjunta e pelas
festas religiosas, nas datas comemorativas.

No distrito da Prata, hoje município de Pratânia, nos
povoados do Capão Bonito (Rubião Junior), Guarantã e Faxinal,
concentrou-se uma boa parte desses imigrantes, que foram se transferindo
para suas próprias terras. Eram eles, os Bravin, Michelin, Forti,
Picinin, Frederico, Crivelli, Basseto, Meneghini e dezenas de outras
famílias.
Entre os cafeicultores que formaram Fazendas no
município, veio para cá um mineiro, nascido em Bahependy, chamado
Francisco Brás de Assis Nogueira. Foi um dos primeiros povoadores
do município. Trabalhando sempre na cultura do café Brás de Assis
viu surgir em suas terras, uma variedade nova de café, até então
completamente desconhecida: o Café Amarelo. Por ser inteiramente
nova, ao ser comercializada ensejou a oportunidade de levar o nome da
terra onde surgiu: Botucatu. O Café Botucatu, como ficou sendo
conhecido, passou a ser considerado a planta símbolo da cidade, tendo as
causas de seu surgimento permanecido desconhecidas, talvez uma mutação
genética por forte influência do meio onde surgiu.
Francisco Marins, renomado romancista botucatuense, escreveu no
livro "O Grotão do Café Amarelo", a saga dos
plantadores de café de nosso município e, hoje, é referência
obrigatória para os que desejam se aprofundar no assunto.
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