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Tolerância sob Enfoque Huna
Ao estudar a tolerância sob o enfoque Huna, não poderíamos iniciar este trabalho sem antes avaliar a situação de nosso mundo atual, que faz do intolerantismo a base das atitudes e ações. Essa condição propicia o egoísmo que se instaura e se caracteriza ao generalizar um tipo de comportamento que vai do individuo até as mais importantes comunidades, sem distinção de crenças, desenvolvimento tecnológico e científico, atingindo as camadas sociais e economicamente inferiorizadas, chegando aos famintos e aos que estão abandonados à própria sorte.
A intolerância é também ardilosa e sua tônica atual, está muito ligada à beligerância. A primeira mudança pensada é de que as guerras agora serão diferentes e então, ter-se-á de pensar de forma diferente, isto é, fazer uma guerra com outras técnicas. Parece que essa estratégia só vai mudar o modo de matar. No entanto, pode ser o primeiro passo para as mudanças que se fazem necessárias.
O ser humano intolerante não consegue ter a percepção de seu semelhante, a não ser dentro dos parâmetros traçados por sua comunidade onde cada vez se isola mais com a justificativa do bem estar pessoal, baseado no conforto e na comodidade, perdendo a conexão com as diferentes culturas, criando assim, um círculo vicioso que se perde nas idéias e crenças, tornando-as também intolerantes, em nome geralmente de um Deus rancoroso e sem compaixão.
A solidariedade desapareceu dando lugar ao poder e à prepotência. É na busca da compreensão dessa intolerância que nos propusemos a dedicar um pouco de nosso tempo no entendimento da tolerância, com a esperança de que um dia o homem reconheça que sua paz e tranqüilidade não estão nos padrões vigentes, mas na volta para dentro de si mesmo em busca do divino que ai se encontra. Esse despertar divino cria naturalmente a possibilidade de mudanças com novos padrões, transformando o relacionamento do ser humano, que passa a enxergar não o outro, mas o seu próximo; é o compartilhar com...Que torna o homem feliz.
Definições de tolerância:
1. Dicionário - Aurélio Buarque de Holanda
Qualidade de tolerante; ato ou efeito de tolerar. Tendência a admitir modos de pensar, de agir e sentir que diferem dos de um indivíduo ou de grupos determinados, políticos, religiosos.
Diferença máxima admitida entre um valor especificado e o obtido; margem especificada como admissível para o erro em uma medida ou para discrepância em relação a um padrão.
2. Dicionário – Michaelis
1. Direito que se reconhece aos outros de terem opiniões diferentes ou até diametralmente opostas às nossas. 2. Boa disposição dos que ouvem com paciência opiniões opostas às suas.
Sociologia: Atitude social de quem reconhece aos outros o direito de manifestar diferenças de conduta e de opinião, mesmo sem aprová-las.
3. Em Inglês, “Tolerate” é a palavra para tolerância.
4.De acordo com o “HAWAIIAN DICTIONARY” (Hawaiian–English/ English–Hawaiian) de Mary Kawena Pukui e Samuel H. Elbert, a palavra inglesa “tolerate” quando se refere à situações ligadas à Língua Havaiana é substituída pela palavra “endure”, que corresponde em havaiano às palavras: ‘alo, ahonui, mau e ō.
‘Alo significa esquivar, evadir, escapar, evitar, omitir; omissão; estar com, chegar perto, ir com, escoltar, acompanhar, compartilhar uma experiência, perseverar, resistir e cuidar;
Ahonui significa paciência, paciente – tolerar.
Mau significa sempre, constante, permanente, perpétuo, firme, preservação e continuidade.
ō significa responder, concordar, dizer, falar, tinir, badalar do sino; ressoar; dar soco, som do apito, permanecer, tolerar, sobreviver, continuar, existir, provisão de alimentos para uma viagem marítima.
Como vimos há uma gama enorme de interpretações em relação à palavra tolerância em ambas culturas, não havendo uma definição clara e concisa.
O sentido que geralmente damos à tolerância é o de estarmos suportando alguém ou uma situação da qual discordamos e não aceitamos, mas que por educação, benevolência, filantropia e, às vezes, até como um ato de caridade, escutamos ou agimos achando que estamos fazendo algo de bom para não contrariar pessoas que são importantes para nós, ou situações que podem ser passageiras e que, agindo assim, a pessoa se beneficie com algum novo pensamento que lhe surja ou a situação se modifique, podendo eliminar ou diminuir possíveis atritos.
Com essa maneira de agir estaremos satisfazendo nossos desejos, nossa vaidade; seremos conselheiros bem compreendidos e atuantes e “humildemente” nos comportamos no papel de benfeitores e, até poderemos agradecer a Deus pela inspiração de ouvinte, contribuindo para a resolução do caso. Intelectualmente há uma grande satisfação e passamos a nos ver como uma pessoa melhor e que praticou um ato de benevolência e assim, estaremos crendo que nossa influência fez com que houvesse mudanças no bom sentido ou pelo menos, uma amenização da situação. No entanto, estamos esquecendo que foram criadas memórias que serão arquivadas e não correspondem à verdade de nosso sonho básico de vida[1].
As próprias definições dos dicionários colocam que são atitudes que tomamos com determinado tipo de comportamento, mas que não é verdadeiramente o que sentimos ou pensamos. Sendo assim, não é uma realidade, mas uma benfazeja ilusão e como toda ilusão, é enganadora no sentido de um crescimento ou evolução interior.
No fundo satisfizemos um desejo de atuar em benefício dos outros de uma maneira hipoteticamente conciliadora. Se quisermos saber a verdade, invertamos os papéis colocando-nos na situação do outro e procuremos sentir como ele se sentiria se pudesse pensar o que estamos realmente fazendo. Cremos que seriamos julgados e criticados como falsos e desinteressados do que está expondo. O mais correto seria não provocarmos irritação ou discussões, mas fazermos uma colocação que trouxesse benefícios reais, sem a preocupação de resolução do problema, que diz respeito ao outro e que sua cura dependerá da nossa cura, o que só acontecerá com uma ação correta diante da situação e de nós mesmos.
Agindo sem a busca da verdade, pode aparentemente ser uma boa ação, mas também poderá incentivar um comportamento prejudicial, e, sendo assim, poderemos perguntar: tolerância será realmente isso?
Nas situações definidas em nossos dicionários de Língua Portuguesa, fica a impressão de que sempre estaremos ouvindo algo com que não concordamos, mas que ouviremos pacientemente, satisfazendo uma situação exterior que nada tem a ver com nossa realidade interna. Como dissemos é uma maneira de se evitar discussões, atritos ou desentendimentos que podem muitas vezes chegar a extremos desastrosos, quando não temos condições de agir adequada e verdadeiramente.
É possível controlarmos determinada situação, mas isso não resolve o problema do querelante que geralmente irá continuar pensando ou sentindo da mesma forma ou de maneira ampliada. É mais um exercício de paciência para treinamento de nosso controle interno, o que pode, no entanto, causar tensão ou mesmo estresse. De um modo geral, ser tolerante nesse sentido é enganar a si mesmo e aos outros, passando por uma pessoa compreensiva, quando na realidade é uma atitude de medo e insegurança, acompanhada de justificativas.
Sob o enfoque Huna, o caminho da tolerância é bem mais longo e requer uma percepção mais aguçada do sentido das palavras, pois cada uma encerra em suas raízes e na própria palavra, conceitos que parecem paradoxais, mas que na verdade são caminhos a serem delineados. Essa é uma situação comum em relação a essa língua.
Como vimos, quatro são as palavras havaianas com significado de tolerância, na tradução do “Hawaiian Dictionary” de Mary Kawena Pukui e Samuel H. Elbert, tendo cada uma várias interpretações, dependendo inclusive da maneira de pronunciá-las, como alertam todos os autores.
Em havaiano, tolerância é ‘alo,
ahonui, mau e ō.
Analisaremos cada uma delas:
‘Alo, pelo seu significado dá margem a uma seqüência de interpretações, que vai desde evadir, esquivar, fugir, omissão, evitar, continuando com os significados de estar com, chegar perto, ir com, acompanhar e culminando com compartilhar uma experiência, perseverar, resistir e cuidar.
Essa é uma seqüência comum nas palavras da língua havaiana, que de acordo com a situação, seus significados vão de um extremo a outro, mostrando o sentido de crescimento e evolução que pode acontecer com um indivíduo e com as coisas em geral. Temos de pensar que é uma língua que foi elaborada no antigo Havai’i, em Mu[2], para uma linguagem em que os ensinamentos secretos pudessem ser incluídos e fossem percebidos pelos sacerdotes do Templo, os (kāhuna)[3] e os iniciados que transmitiram oralmente através dos milênios, os ensinamentos da Huna.
Podemos verificar que há uma seqüência nos significados da palavra ‘alo, que vai de fugir, omissão, até estar com, compartilhar a perseverar e cuidar, indicando o caminho que devemos trilhar, quando nos referimos à tolerância. O tolerante inicial está fugindo do compromisso consigo mesmo de colocar-se de acordo com a verdade sentida no momento em que está ouvindo alguém, sejam quais forem as justificativas para tal procedimento. Ele se omite como uma forma de se preservar, pensando evitar conflitos ou desavenças, que nesse momento julga serem inconvenientes, podendo, no entanto, se tornarem desastrosas, mas são sempre justificativas ou ignorância em relação a seus valores interiores. Com o desenvolver e crescimento do sonho básico de vida, as experiências vivenciadas e aprendidas vão formando novas memórias que ampliam sua percepção, criando condições para um crescimento interior, chegando à condição de estar com, o que indica um entendimento maior da situação e um envolvimento com quem está expondo algo; agora é capaz de dar algo de si sem interferir no resultado, que é fator exclusivo de quem se coloca. Quando atinge um grau maior de crescimento com alguma evolução é capaz de compartilhar; nessa situação está sentindo mais do que julgando, o que beneficiará primeiro a si mesmo e também ao outro, contribuindo indiretamente com o todo. Quando se compartilha, os frutos são as mudanças que levam à perseverança. É uma condição essencial de quem, com uma nova percepção se torna capaz de compreender o que está compartilhando e passa a cuidar de si sem se preocupar com o outro, por já estar integrado na ação, sabendo que tudo pertence ao todo (teia-aka).
Daí, o caminho da tolerância ser longo e dependente de nossas ações, pois só assim, poderemos mudar a percepção que inicialmente vinha de fora para dentro e que com o “compartilhar” passa a ser uma situação interior, um despertar de Aloha (amar é compartilhar com...), pela benevolência de Mana (todo poder vem de dentro), ambos como Princípios do xamanismo havaiano. Isso indica a harmonia entre o unihipili (subconsciente) e uhane (consciente) facilitando a ação do Aumakua (Superconsciente). A perseverança conduz a uma nova percepção que nos mostra que o cuidar de si mesmo é de vital importância para que possamos chegar à compreensão da bênção recebida por termos mudado de padrão, passando de observador que escuta, para um ser que compartilha, vivenciando de dentro para fora e sabendo da integração havida, desaparecendo a separação ilusória que nos distancia um do outro, surgindo assim, o nosso próximo.
Em ‘alo, a tolerância se torna uma realidade quando percorremos todo esse caminho de mudanças, percebendo os novos valores despertados.
Ahonui significa paciência, paciente – tolerar.
Essa palavra nos mostra que somente pela
paciência poderemos
percorrer o caminho que nos conduz à real tolerância. Esse
caminho é feito
através das vidas sucessivas que nos propicia pela
evolução, o sentir da
harmonia entre os três espíritos, criando
condições de viver no novo Ike (o mundo é o que penso que
ele é), formado por
novos padrões.
Mau significa, sempre, constante, permanente, perpétuo, firme, preservação e continuidade.
Adquirindo as situações descritas, criamos as condições necessárias para sentirmos os significados da palavra mau. A partir daí estaremos sempre, constante e permanentemente com a firmeza da crença sem dúvida (paulele), que conseguimos pela mudança dos padrões que só surgem e evoluem através das ações experienciadas em nosso sonho básico de vida e suas modificações, e, pela continuidade das mudanças, compreenderemos a realidade dos Sete Princípios que nos integra na teia-aka[4], como seres perpétuos que estão regressando como crianças de Tane[5] dignas de vivenciar no Reino do Pai a imagem e semelhança que somos.
ō significa responder, concordar, dizer, falar, tinir, badalar do sino; ressoar; dar soco, som do apito, permanecer, tolerar, sobreviver, continuar, existir, provisão de alimentos para uma viagem marítima.
Com ō, temos a resposta de nossas ações iniciais e que aos poucos passaram a ter um sentido diferente, conduzindo-nos a uma existência diferente, na qual a concordância vem da compreensão dada por Aumakua que nos provê de alimentos para essa grande viagem através dos mares revoltos de nossas vivencias. Elas vêm nas memórias genéticas programadas que com as memórias aprendidas, formadas pelas experiências vivenciadas em cada sonho básico de vida; permitem a continuidade do ser em busca de sua condição de “criança de Tane” que evolui para as novas moradas da casa do Pai, sendo a Huna[6] um desses caminhos.
Concluímos dizendo que a tolerância de nossos dicionários não conduz o ser humano às mudanças interiores necessárias para uma harmonia e paz interna que se refletirão no todo. É curando-se que se pode contribuir para a cura dos outros, e assim, unidos, poderemos curar o mundo integrando tudo na teia-aka, acabando com a separação ilusória criada pela individualização.
Sebastião de Melo
[1] Sonho básico de vida, definição Huna para a vida atual.
[2] Mu, continente que submergiu no Oceano Pacifico há cerca de 13.000 anos.
[3] Kāhuna é o plural de
kahuna
[4] Teia-aka, o TODO sem as divisões que propiciam a separação entre as pessoas.
[5] Crianças de Tane são aqueles que voltam ao seio do Pai, após libertar-se do ciclo de vida e morte.
[6] Huna, psicofilosofia oriunda do Continente Perdido de Mu e cultivada pelos kāhuna no Havaí.