A Conserva Cultural, um agente de transformação da maturidade
Neste artigo visamos dois aspectos da cultura: um, sob o ponto de vista da sociedade com seu desenvolvimento e o outro, em relação ao indivíduo como um ser necessariamente fisiológico, psicológico, social e essencialmente místico, de acordo com o contexto cultural, na diversidade das conservas culturais.
Conceituaremos o que é para nós maturidade e o que é idade cronológica.
Maturidade é o fruto do aproveitamento que o indivíduo faz das experiências vivenciadas desde o nascimento até a morte, transformadas em memórias. São todas as lembranças adquiridas e decodificadas, que vão formando aos poucos os traços característicos da personalidade que ditarão o comportamento nas diversas fases da vida. Isso se dá pelo desenvolvimento dos papéis que representará em sua vida e como irá representá-los.
Consiste essencialmente na escolha do futuro pelo próprio indivíduo, com suas intenções para as vivências de cada aqui/agora. Tudo acontece pelo pensamento, sentimentos e emoções que provocam as ações, gerando as memórias. Traça assim seu destino com a avaliação de seus valores e padrões e busca novas formas de pensar que modificadas geram novos padrões, o que acontece durante toda a vida. Isso se caracteriza em primeiro lugar, como crescimento e depois, como evolução espiritual.
O conjunto de informações contribui facilitando ou dificultando o desenvolvimento psíquico e social, tenha ele o sentido que tiver, levando o indivíduo às novas experiências do dia-a-dia. De certa forma, a maturidade depende da assimilação positiva dessas informações, as quais estão subordinadas às programações genéticas próprias de cada sonho básico de vida. Este sonho básico é produto das lembranças mnêmicas com os valores e padrões determinados e subordinados até certo ponto, aos critérios sociais e legais de vidas anteriores, preparados e desenvolvidos para as vivências dos atualmente vigentes.
Ë através deles que a imaginação e as ideações vão contribuir na formulação dos pensamentos que formarão as futuras memórias responsáveis pelo comportamento e pelo crescimento de cada um. Com as transformações que ocorrerão com as novas formas de pensar que levam às mudanças de padrões, começa a desenvolver-se a maturidade, que culmina com a individuação (segundo Jung).
O grau de maturidade, segundo os valores de cada época é editado e confirmado por estatísticas referenciais que procuram reger o destino das pessoas e das comunidades. Geralmente são baseadas nas possibilidades econômicas e sociais dos vários agrupamentos humanos conforme as regiões em que vivem, tendo a educação como o fator de valorização que constata o progresso na formulação das estatísticas referenciais. Dentro desse paradigma tem mais maturidade, aquele que estiver mais em concordância com os dados estatísticos referenciais apresentados em cada sociedade.
Os critérios são regionais e dependem da conserva cultural da comunidade; atualmente a tendência é a globalização. O paradigma atual é padronizar, principalmente via Estados Unidos da América como tese, e de seus imaginários adversários como antítese.
Com o desenvolvimento dos conceitos dos “direitos humanos”, o homem tem se acomodado em seu direcionamento individual, trocando sua liberdade de atuação direta, por atitudes comunitárias. É uma tentativa de equilíbrio social que ainda é instável por imperar o poder da arrogância, ditado pela ambição econômica separatista, um dos símbolos da imaturidade humana que provoca as desigualdades sociais.
Continua o grande problema em relação à maturidade nas idades mais avançadas, por haver uma modificação radical no comportamento da sociedade em relação ao não aproveitamento das experiências e vivências dos mais idosos, na dinâmica produtiva do dia-a-dia.
A aposentadoria como é estabelecida pode ter um efeito contrário ao esperado, pois afastando o ser humano de suas funções habituais de trabalho, transforma-o em um indivíduo cheio de frustrações que conduzem à solidão, criando problemas difíceis de serem resolvidos, por estar sem condições de reformular seus pensamentos e memórias para as novas vivências de seu cotidiano. Com a descoberta desta nova realidade, começa a viver uma fase de frustrações, carência de afetos e desilusões, por não ser a nova vida o que esperava como recompensa por tudo que produziu e doou por anos e anos a fio. Julga-se no direito de receber, pelo cumprimento dos deveres exigidos pela sociedade que era até então seu suporte, o apreço de seus esforços. Isso não acontece, pois de repente é deixado à sua própria sorte, ignorado e excluído das situações em que atuou por tantos anos. É lançado no ostracismo vivendo suas angústias e desilusões. Forçam-no em troca, a receber uma discreta “contribuição” como recompensa de seu trabalho, o que na maioria das vezes é aviltante e foi apelidada de aposentadoria.
Pelas circunstâncias é obrigado a aposentar-se não só de suas funções laborativas, como também do convívio social. Fica sem as vivências que tinha até então. Isso acontece devido muitas vezes à impossibilidade física e também à situação econômica, o que leva a uma diminuição de sua auto-estima diante de uma sociedade que consciente ou inconscientemente o discrimina.
Limitado em suas ações pela própria idade, tem que reestruturar seus valores e padrões, mudando-os, para uma melhor adaptação nessa nova maneira de viver. A busca é difícil e é agora, nessa nova maneira de viver que se pode avaliar seu grau de desenvolvimento e crescimento espiritual; a percepção tirada das experiências lhe dá ou não, condições para atingir a maturidade. Essa é uma condição puramente individual.
A sociedade faz uma análise crítica referencial de como se comportou dentro dos padrões vigentes e o conceitua concedendo-lhe um maior ou menor valor, de maneira que satisfaça as estatísticas oficiais; isso, no entanto, nada tem a ver com seu status atual interior e com sua maturidade ou imaturidade. Tudo não passa de um arranjo para satisfazer seu ambiente e principalmente a família, consolando-o e acalmando-o, concedendo-lhe um lugar em seu meio.
Esse lugar na família passa a ter um sentido diferente; passam a ser o pai, mãe, ou avós que de uma maneira geral estão à disposição para tarefas geralmente sem nenhuma ligação com suas funções anteriores. Normalmente são executadas funções puramente com um sentido afetivo e são poupadas do conhecimento das atividades dos que permanecem exercendo suas funções laborativas, com a justificativa de evitar-lhes preocupações.
O relacionamento muda, sendo sempre advertido de suas limitações físico-mentais, como se sempre estivesse correndo algum perigo, em qualquer atividade a que se proponha. Numa roda social tem que lutar para se enquadrar, como se seu papel agora fosse o de estar ouvindo para se atualizar com as idéias vigentes trazidas; suas opiniões são monossilabicamente respondidas como se dissessem: sei que você está aí.
Muitas vezes são aconselhados a buscar atividades que começam a se proliferar como, escolas, faculdades, promoções sociais como, bailes para a terceira idade, dispensa de pagamento em transporte coletivo e já surgem até firmas especializadas em excursões especiais e próprias para idosos. Se por um lado trazem certa comodidade todas essas situações, por outro discrimina cada vez mais os idosos com a famosa classificação de terceira idade.
É isso uma reclamação, uma amargura ou frustração por viver essa situação? Não! Sinto mais como uma advertência para um mundo que caminha para uma crescente longevidade, e que, daqui a alguns anos o número de idosos ultrapassará em muito o de adultos e jovens e aí, ter-se-á uma globalização de idosos sem produtividade, com uma pequena quantidade de trabalhadores ativos, se as coisas continuarem como estão. Como ficará o mundo numa situação dessas? Acho que essa deveria ser a maior preocupação dos estudiosos do ramo, a fim de criarem novos rumos para uma futura sociedade mais sadia e benevolente do que a atual. Junta-se a esse problema a substituição da mão de obra pelas máquinas que acabam com as profissões, o que não consigo caracterizar como desemprego, mas como uma grande população sem condições produtivas. A continuarem as coisas nesse caminho, será que daqui a alguns anos ainda sobrará para os idosos, pelo menos essa mísera aposentadoria? Quem a poderá pagar?
No entanto, a cada dia fala-se mais em terceira idade o que atualmente aumenta a discriminação, não contribuindo para um melhor relacionamento global, nem para uma boa e nova vida em geral, pois o amadurecimento passou a ser sinal de velhice e não de sabedoria. A experiência deixou de ser a conselheira e passou a ser despesa para o Estado que, além de gastar tornou-se o grande contribuidor para a decrepitude da maioria dos que foram obrigados por uma idade sujeita às leis, a abandonar tudo que fez durante anos e anos e viver no ostracismo, sentindo-se uma carta fora do baralho da vida.
Como se pode sentir que se chegou à maturidade em uma sociedade ainda infantil e agressiva em relação aos valores dados pela experiência dos anos de trabalho e aprendizado e que raramente são aproveitados? A luta pela maturidade durante as várias décadas da vida levou a maioria dos seres humanos a uma grande frustração, por saberem que no final tudo se resume em lembrar-se do passado e pensar nas desilusões de um futuro nada promissor. Muitos dos que têm capacidade e desejo de continuar a serem notados escrevem suas autobiografias; isso é como uma vingança para mostrar a injustiça cometida pela sociedade que o enalteceu e depois o colocou no ostracismo. Satisfaz talvez a última necessidade em relação a essa sociedade que o marginalizou, chegando mesmo a esquecê-lo, a não ser nos momentos dos políticos demagogos aproveitadores, que se lembram de algumas figuras ilustres do passado, na interminável luta pelo voto, esse “grande símbolo da democracia”.
Apesar de tudo, valeu a vivência tirada do dia-a-dia nessa sociedade que se intelectualiza cada vez mais rápido e cria uma avançada tecnologia, de certa maneira dirigida para a destruição e o distanciamento das pessoas e do amor ao próximo? O homem acomodou-se e vive buscando no conforto material sua satisfação, mas isso o despersonaliza padronizando-o cada vez mais. Assim, sem perceber faz do medo que gera a insegurança e o estresse, a sua grande arma de isolamento. Na fase de execução das tarefas laborativas, sociais e familiares o homem perdeu o interesse de ser interiormente feliz, contentando-se com o ser capaz de ter. Isso o tornou ansioso e consumista; uma grande percentagem passa a amparar-se no álcool e outros tóxicos para obter um falso relaxamento e conseguir exercer as funções que lhe são impostas no dia-a-dia. Aos poucos as sociedades vão se transformando com o desenvolvimento tecnológico e mudanças nos padrões éticos, principalmente nas civilizações ditas de primeiro mundo, o mundo do valor econômico.
O desenvolvimento tecnológico do primeiro mundo econômico, talvez sem ter a percepção do que está realmente acontecendo, tornou-se um grande peso para o nosso planeta, que vai sendo lentamente destruído.
Caiu ainda no esquecimento o fato de que com a estressante vida atual está causando sua própria destruição, não só pelo isolamento generalizado que leva à angústia e o transforma em um obeso solitário e um desnutrido espiritual. Especialmente aqueles que não são considerados e aproveitados pelo seu conhecimento, por sua experiência e sabedoria, por uma aposentadoria compulsória.
Só a conscientização dessa situação vigente poderá levar o ser humano da sociedade atual, a uma transformação que o amadureça para uma nova sociedade feita de novos valores e padrões onde viverão bem e em paz todos os seres humanos, sem distinção de idade, cor, raça e posição econômico-social, uma utopia em nossa atualidade.
Essa sociedade deverá ser regida por uma tecnologia que insira em seu bojo um espiritualismo real, que cada vez se distancia mais das doutrinas religiosas separatistas e violentas, que estão em desacordo com os ensinamentos e exemplos deixados por seus mestres iluminados.
Estamos falando de uma espiritualidade guiada por um Ser Supremo não usado pelas doutrinas religiosas que pregam um amor ligado ao sentimentalismo, e não no amor baseado na busca incessante da verdade divina, que está dentro de cada um; essa busca é a razão principal da vida e o homem continua morto, por não saber como buscá-la.
Creio que muitos atingiram essa maturidade e desejam a oportunidade de colocar em prática suas consciências despertas. Esperam a volta dos ensinamentos esquecidos de um Jesus, de um Buda, de um Gandhi, de um Einstein e de muitos outros que também desenvolveram a ciência. A intenção sempre foi a de encontrar um caminho para a paz e a harmonia entre os homens e não o de transformar esse desenvolvimento científico em armas cada vez mais sofisticadas e mortíferas.
Resta-nos a esperança da descoberta do divino que está dentro de cada um.
Sebastião de Melo
2005