O Compasso na Ação e o Poder Divino

Deus é simbolicamente representado por um círculo com um ponto no centro. Dizem os místicos que o círculo é a figura perfeita; sendo assim, só ele poderia simbolizar o Supremo. Foge de nosso entendimento querer explicar isso, por sermos limitados, finitos e, portanto, impermanentes.
Em Sua suprema sabedoria foi por Seu pensamento, a partir de um ponto, que surgiu o universo total e se expandiu em forma circular, abrangendo o todo sem um ponto de partida. O que sabemos sobre a criação são meras hipóteses. É como se alguém lançasse uma pedra no centro de um lago sereno e ficasse vendo, a partir de onde caiu a pedra, a formação de ondas circulares concêntricas que vão se expandindo de forma harmônica e regular de dentro para fora. Em relação à criação do universo, as ondas não têm limites por vir de um poder superior. Para nós, elas irão até onde nossa visão consegue enxergá-las sendo nosso campo visual o limite, o que não impede de sabermos que elas podem continuar, porque pelo pensamento podemos dar-lhes uma continuidade. Por analogia podemos pensar que o universo é uma formação que partiu de um ponto de energia absoluta; era o Supremo, o único em si mesmo que, por Seu sopro divino deu origem ao todo. A expansão é contínua, mas por nossas limitações só podemos perceber até  onde nos mostram os sentidos sensoriais. Além disso, ficamos por conta da imaginação criativa que nada mais é do que o cair do véu de nossa ignorância, que nos permite vislumbrar algo além de nossa capacidade de enxergar as coisas.
Arquimedes disse: “Dai-me um ponto fixo e dominarei todo o universo”, mostrando que nada é permanente e que tudo está em movimento.
Em nossas limitações somos capazes de fazer um círculo com medidas exatas em um papel ou em qualquer superfície, mas para isso precisamos de algo que nos ajude a desenhar a imagem desejada.
Para mostrar a diferença entre o que é divino e ilimitado, do que é limitado, só podemos fazer um círculo com perfeição se usarmos um compasso. Ao fazer o desenho de um círculo, fixamos uma das pontas do compasso e com a outra, onde há algo que marque a superfície usada giramos o compasso e desenhamos o círculo. As dimensões do círculo dependem de nossa vontade em fazê-lo menor ou maior, usando o mesmo ponto fixado. A ação do compasso só é válida nessa ocasião enquanto sua ponta estiver fixa, o que permite girá-lo diminuindo ou aumentando o círculo ao abrir ou fechar a  outra haste do compasso. No final da ação, teremos uma figura que não sabemos onde está o começo ou o fim do desenho. Ela não tem movimento próprio e, retirado o compasso, será sempre a mesma figura. O ponto fixo limitou as possibilidades de modificações a não ser, enquanto mantivermos a ponta do compasso no local do início. Se existe um ponto fixo, um ponto de partida na situação divina e que se expande sem limites, no nosso caso acontece o contrário.
Qual é o significado que isso tem para nós? O compasso e a tinta ou grafite é a substância que permite a gravação da ação. Para se desenvolver essa ação é necessária uma força que impulsione o compasso; e para usá-lo, a fim de se fazer um círculo tem de existir alguém que determine o que se quer fazer. Essas são as três situações que nos ensina a Huna para se produzir uma ação; a substância, a energia e uma consciência que dirige o processo.
O círculo produzido tem como conteúdo, inicialmente, a memória genética programada que é formada para cada espécie dos reinos da natureza. Elas são necessárias para que tudo se desenvolva de acordo com o sonho básico de vida. No  ser humano, uma vez formado o corpo na vida fetal, começa com o nascimento um novo ciclo que é o desenvolvimento e crescimento do sonho básico de vida. Conforme a atuação do uhane, novas memórias se formam e enriquecem o sonho básico. Para isso, dependemos de novas ferramentas de trabalho como a régua, o esquadro, o transferidor, o nível de prumo, etc., e uma imensidão de outros utensílios criados pelo ser humano em seu desenvolvimento. Cada um deles tem funções que possibilitam a formação de desenhos e outras construções, usando-os de maneiras diferentes. Podemos combinar o uso deles, para formação de novas figuras, por serem maleáveis no sentido de não terem um ponto fixo para seu uso e, se algumas vezes fixarmos em algum lugar, poderemos deslocá-los sem prejuízo do que queremos produzir, ao contrário do compasso que, uma vez deslocado só vai ser usado para desenhar novos círculos. Outras figuras geométricas se constroem por partes determinadas e de acordo com nossos desejos de modificá-las.
Por analogia podemos dizer que o círculo feito com o compasso são as memórias de fixação existentes nas memórias genéticas programadas ou nas aprendidas, o que cria os problemas dificultando o trabalho de nos livrarmos dos desafios dos sete princípios do xamanismo havaiano; são os complexos provocados pela rigidez, situação em que não enxergamos maneiras diferentes de resolver as situações desarmônicas que vivenciamos.
Podemos dizer que para nós reencarnados, no círculo, o ponto central representa o uhane; o conteúdo do círculo são as memórias totais do sonho básico em desenvolvimento ou desenvolvido e a linha que limita o círculo o aumakua que não está dentro do círculo, mas o limita em relação ao todo (interior e exterior). O aumakua está numa situação de pertencer ao círculo, ao mesmo tempo sabe o que está no exterior do todo. Assim sendo, não é a expansão do aumakua que nos leva ao homem trino, mas sua retração que aproxima os três espíritos até que atinja a dimensão do ponto, quando não há mais tempo e espaço e o homem se torna trino em si mesmo.
No mecanismo da prece-ação, o conteúdo do círculo leva ao uhane um desejo sob forma de memória, o uhane trabalha essa memória com a intenção de ter um resultado; devolve ao unihipili esse desejo sob a forma de imagem cristalizada que a conduz ao aumakua que, com a mana condensada na sobrecarga conduz a imagem, transformando em realidade o desejado no agora/aqui, podendo inclusive usar de energias captadas de poe-aumakua, que estão no exterior do círculo.
 Essa é uma das partes da prece-ação (ho’o mana), em que tudo depende do aumakua que sabe o que está fazendo para um bom resultado do que recebeu de nossa intenção e atitude no desenrolar da prece.
O uhane de cada membro de um grupo de prece-ação deve estar bem focalizado em seu pedido para que no desenrolar da mesma, o unihipili de cada um possa conseguir um círculo que abranja todas as intenções; assim, o grupo transforma em um só círculo, com as memórias cristalizadas numa só imagem. Isso facilita o trabalho do aumakua de cada um, formando um poe-aumakua com poderes de cumprir sua missão, dando um resultado de acordo com o sonho básico de vida do receptor.  
Cada um de nós deve ser um compasso que trace um círculo perfeito de acordo com o desejo comum de ajuda; assim, o que há de divino em nós pode atuar com liberdade de transformar nossa prece-ação em uma realidade no agora/aqui do receptor, conforme a sabedoria dos aumakuas que atuam nessa ação. Isso na prece-ação.
No dia a dia, cada ike  de nossas vivências é um círculo que vai se entrelaçando com outros tirando-nos da ignorância e clareando nossa visão para o crescimento do sonho básico de vida. 

Sebastião de Melo