Coragem
 
           Vivemos numa época em que a covardia prevalece sobre todas as coisas. São tantas as formas de covardia, que permitimos que o medo domine tudo. O medo da destruição total implantado pelas guerras frias do poderio atômico transformou as pessoas em seres inseguros e ansiosos, transmitindo para a coletividade sua raiva de não ter perspectivas para o futuro.
        O ser humano entregou-se tanto a isso que acabou individualizando seus temores e pânicos numa globalização que lhe tira cada vez mais a segurança de ser feliz e livre. Com tanta carga negativa, teve que se acovardar. Retirou-se do social, que passou a ser seu grande e perigoso inimigo, e refugiou-se em casa à mercê da mídia que o apavora com a constante e propagada valorização da violência.
            Creio que esse é o quadro de nossas condições atuais de vida.
E agora? Tudo está perdido? Não! O que há de real dentro do ser humano, continua ligado às verdades. Apesar de desvalorizadas por uma tecnologia cega elas têm um enorme crescimento científico e não desapareceram.
          Vislumbra-se um novo despertar que só surgiu quando tudo parecia perdido. Tudo começou com a verdade política da derrubada dos muros de Berlim e que hoje se espalha pelo mundo. Esse foi o primeiro ato de transformação real da nova humanidade. Mesmo que lenta e covardemente ela desponta e começa a tomar conhecimento de suas potencialidades que, apesar de esquecidas, continuam em seu interior. Não há coragem sem que nos conscientizemos da covardia em que vivemos. É a regra dos opostos, da polaridade.
        Coragem não é agir com o conhecimento de causa que está estruturado nos padrões que nos levaram ao quase caos. Não é agir com intensidade desenvolvendo o intelecto e crescendo com explicações para a covardia que perdura. Não é pregar amor, compreensão, paciência, disciplina e aceitar a corrupção como sabedoria e esperteza. Não é pregar a fé em um salvador, enriquecer às custas dos famintos de liberdade - alimento espiritual e físico – e espalhar crenças de sacrifício em nome de um Deus alimentado também pelo medo. Enfim, não é continuar fazendo as mesmas coisas de sempre com os mesmos valores e padrões, obedecendo leis que só existem para aprisionar o pensamento e a verdadeira fé que está dentro de dada um.
        Coragem é tirar dessa covardia forças que nos conduzirão a novas e salutares crenças. E assim despertar nosso eu interior dando-lhe a oportunidade de se manifestar em sua plenitude, numa percepção diferente da atual, onde a individualização é uma necessidade para que nos conscientizemos da possibilidade da formação de uma nova coletividade em que não haja tanta dúvida e descrença e onde os valores reformulados nos guiem, para que sintamos que somos realmente verdadeiros transeuntes nessa vida. Só assim poderemos nos desapegar da antítese de nossa covardia e com uma nova tese de coragem, sintetizar a vida como uma bênção divina que sempre esteve a nossa disposição.
 
Sebastião de Melo
 
 
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