Bem, as tangerinas não eram exactamente banqueiras.
Eram bancárias. Como se sabe, há uma diferença. E grande.
Mas lá que sofriam, sofriam. Para começar o sr.
Melão, chefe de secção, estava sempre a pressioná-las. Que isto
não se faz assim, que aquilo estava mal...
É certo que não lhe ligavam pevide e constava
até que ele ia ser substituído por um tal dr. Banana, cuja reputação
era excelente: dizia-se que era um paz d'alma, que aparecia tarde,
de jornal já lido, fazia meia dúzia de telefonemas particulares,
bebia a sua litrada de café e saía cedo. Só se irritava seriamente
com limões, que lhe amargavam a existência (isto devido ao facto
da sua explicadora particular de inglês, miss Lemon, lhe ter dado
uma valente tampa e...) e, ao que parece, também com pêras: isto
porque, em pequeno, as apanhava aos pares. Dizia-se, não se sabia
pela certa. Rumorejava-se.
Entretanto, na sua secção chefiada pelo sr. Melão,
as tangerinas sofriam e rezavam pela sua substituição e davam-se
bem com as clementinas, tanjas e ainda com as recém-chegadas toranjas.
Por vezes reuniam-se ao almoço com malta de outras
secções, o que resultava sempre numa boa salada.
E a vida ia decorrendo sem grandes sobressaltos
até ao dia em que foi anunciada a esperada substituição do sr.
Melão em conjunto com uma -cínica- festa de despedida (nota: até
nem era cínica: como era a despedida, todos estavam muito alegres,
até o próprio: na verdade estava farto de tangerinas).
E depois foi a surpresa geral: em vez do esperado
dr. Banana, eis que lhes aparecia o sr. dr. Bróculos. Usava óculos
e era um trintão bonacheirão, não implicava e estava sempre tudo
bem, tinha mulher e duas amantes (como é que o ordenado lhe dava
para tanto??) , chegava tarde e bem-disposto.
E as tangerinas, clementinas, tanjas e toranjas
aproveitavam os tempos livres para arranjar as unhas, telefonar
às amigas, ligar para o colégio dos miúdos e comprar lingerie.
Mas não há bela sem senão. Ao fim de alguns meses,
os citrinos chegaram à conclusão de que o dr. Bróculos sofria
de um transtorno muito particular: era citromaníaco. Não podia
ver uma tangerininha sem lhe dar um beliscão amigável, as clementinas
queixavam-se mesmo de uns apertões pouco inocentes, as tanjas
tinham nódoas negras e nem os limões escapavam.
Reunião cítrica e decisão: havia que informar
os superiores de tais desmandos, aquilo só tinha um nome: assédio
sexual. O dr. Bróculos mais os seus óculos tinha de ser substituído,
ou iam todos para a apanha da azeitona e o banco que fosse às
urtigas (e já agora o dr. Bróculos que fosse às malvas, para acalmar).
É que até as agridoces toranjas estavam sem sumo
de tanto apalpanço!!!
A história correu todas as secções, os próprios
legumes se indignaram ao ver as pobres tangerininhas, clementininhas,
tanjas e toranjinhas - e até os limnõezinhos - assim tão maltratados.
Tomates e pepinos, solidários, propuseram inclusive
uma manifestação com cartazes do tipo "Fora o Bróculos" e "Deixem
de apalpar os nossos citrinos", mas foi unanimemente considerada
de mau gosto.
A coisa deu tal brado que a Direcção se viu forçada
a recolocar o dr. Bróculos, desta vez na secção dos tubérculos.
Habituadas a serem reduzidas a puré, tantas vezes
fritas, era natural que as batatas nem dessem por uns tantos beliscões.
E quanto à secção dos citrinos, esta deu duplamente
vivas ao saber que teria como chefe a Sra. D. Laranja.
Todos estavam felizes e se comprometiam a trabalhar
afincadamente. Com um citrino a dirigir, entrava tudo finalmente
nos eixos.
E a D. Laranja era uma simpatia, com a sua pele
lisa e brilhante, o seu sorrisinho doce.
Que, descobriram-no tarde de mais, escondia um
grande azedume...
Os primeiros a serem despedidos foram os limões,
considerados mandriões, mas na verdade a D. Laranja era uma feminista
activa que os não digeria: eram uns machistas!
Quando as clementinas e toranjas protestaram,
foi a vez de fazerem as malas e irem à vida.
Restavam as tangerinas e as tanjas que não abriram
a boca, tinham filhinhos para sustentar e a renda da árvore para
pagar.
E a D. Laranja, no seu gabinete, sorria e pensava
na substituição dos quadros da empresa por frutas da sua confiança:
Ah, quando as laranjas mecânicas entrassem a matar!...
Anuschka Luísa
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