São Paulo, segunda-feira, 15 de junho de 2009
Salvador
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Na tela, um tema só
Em qualquer manual
razoável de jornalismo, aprende-se que acidente aéreo é notícia importante em
qualquer veículo de informação do mundo, independentemente do suporte (impresso,
televisivo, on line, radiofônico). As razões são muitas: porque é sempre
sinônimo de tragédia, porque é da ordem do inesperado e do extraordinário,
porque comumente causa mortes coletivas, porque não são corriqueiros e porque
quedas de avião sempre trazem em si um potencial avassalador de identificação
com as vítimas, mesmo entre as pessoas que não usam transporte aéreo. A
identificação é de outra ordem, no sentido de questionar-se sobre o que teriam
pensado as vítimas, o que teriam sentido, que lembranças ou pensamentos teriam
sido os últimos nos segundos entre a iminência da queda, da perda da consciência
ou da morte.
Entende-se tudo isso. Entretanto, o que não dá para não considerar
insuportavelmente irritante, medíocre e quase uma estratégia necrófila de
capturar audiência através de estratégias tacanha de repetição,
espetacularização e serialização da informação e o do episódio é a forma como as
emissoras de TV, em sua maioria, tratam o tema. Desde segunda-feira de manhã que
determinados programas adotaram como pauta única e monocórdia, praticamente o
dia inteiro, o desaparecimento/queda/explosão/desintegração do Air Bus da Air
France no vôo 447 (Rio de Janeiro-Paris), com 228 pessoas a bordo.
ACHISMOS
– O primeiro elemento repulsivo é o clima de comoção criado por alguns
apresentadores, com destaque, nesse caso, para a sempre melosa e desinformada
Ana Maria Praga e sua prótese papagaiada de espuma e José Luiz Datena, o
apresentador que é um príncipe de elegância e cordialidade com sua equipe,
repórteres e colegas de bancada na Band. A ‘cobertura’ inventada e serializada é
intermitente quando falta um elemento primordial para uma extensão ad infinitum
do assunto: informações concretas. Como até quinta-feira pouco ou nada se sabia
do acidente em de suas causas, o que se via foram autoridades, aposentados,
profissionais da área de aviação e o que nunca falta, picaretas de plantão,
deitando falação no vídeo. Horas e horas de desinformações inconsistentes, meras
especulações, adivinhações, suposições e achismos que ficariam melhor em mesa de
bar.
Esse tipo de estratégia é de dar voltas no estômago e zumbido nos ouvidos do
telespectador de informação, mesmo porque, em se tratando de televisão, falta o
mais óbvio dos elementos que constituem a notícia na TV: a imagem. Diante da
falta do que se mostrar, repete-se horas a fio uma cena oca, de um avião do
mesmo modelo filmado no ar, imagens e imagens do oceano atlântico e o abusivo
recurso de lançar mão de mapas, imagens de satélites e animações para dar algum
sentido às especulações de Deus e do diabo. Não falta nada: filma-se missa, com
o som todo aberto para a música fúnebre, câmeras praticamente adentram olhos de
parentes e entrevista-se até mesmo o amigo do primo do cunhado da ex-mulher de
um passageiro que estava no vôo.
PRÉ-SAL
- E haja falação, pois brasileiro médio nãão pode ver uma câmera que é
imediatamente acometido de um surto de retórica. São amigos falando do quanto
fulana era um ser cheio de luz, do quanto o cunhado era maravilhoso e do quanto
Deus é milagroso e, se houver sobreviventes, aquela prima da entrevistada estará
entre eles, pois é uma ‘guerreira’ (ô palavrinha infame e clichê usada para as
mulheres). A impressão que se tem é que todo o mundo parou para assistir o
anúncio dos próximos indícios boiando no mar entre Fernando de Noronha e a
África. Criativo que só ele, o presidente Lula saiu com mais algumas de suas
tiradas. Primeiro disse que o Brasil vai, sim, buscar a caixa preta do avião
onde quer que ela esteja no fundo do mar, afinal um país que acha petróleo na
zona do pré-sal, porque não acharia uma peça de avião em uma profundidade
oceânica menor? Não parou aí, e para justificar a tristeza com as 228 pessoas
desaparecidas, argumentou que quando uma pessoa tem uma doença grave, a gente
até reza para a morte vir, para a pessoa parar de sofrer, mas assim... O fato é
que para um presidente em que dois dos componentes mais importantes de sua
gestão, o vice-presidente José de Alencar e a ministra da Casa Civil, Dilma
Roussef, lutando atualmente contra um câncer, soa no mínimo meio esquisita uma
frase dessas. Afinal câncer é ou não é uma doença grave?
No meio de tudo, pouco se falou sobre a quantas anda a loucura do ditador norte-coreano,
aliás a cara do cantor Chico César esbranquiçado, e sua insistência patológica
em brincar de bombas químicas. E quem tem tudo para se dar mal com a audiência
em função da febre da cobertura da desaparição do Air Bus francês, justo na sua
noite de estréia, é o reality arremedo de BBB da Record, que
atende pelo nome de A Fazenda. A coisa é tão ruim, mas tão ruim, composta
por um elenco de celebridades que o foram sem nunca terem sido, que consegue ser
pior que seu mote de inspiração. O mico do ano é o jornalista Brito Júnior no
lugar de Pedro Bial da vice-campeã de audiência.
maluzes@gmail.com
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Malu Fontes
é
jornalista, doutora em Comunicação e Cultura, professora da
Facom-UFBA
e colunista do Jornal A Tarde, de Salvador, na Bahia.
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