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Paulo Avelino
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A idéia base do arianismo era que Deus é “um e único”,
monós, que significa só, único, isolado, privado de.
Daí monarcos, que reina sozinho, soberano, que originou em português
a palavra monarca. “Sem começo e completamente um”, diziam os arianos.
Deus é uma Monás, a unidade. Que se tornou Díade com
a geração do filho, e uma Tríade com a produção
do Espírito. Logo, a Trindade não é eterna. No começo
Deus estava só. Por volta do ano 320 Ario escreveu ao Patriarca Alexandre:
“Nossa fé de nossos antepassados, e que também aprendemos de
vós, abençoado Papa, é esta: Nós reconhecemos
um Deus, o único não-gerado, o único eterno, o único
sem começo, o único verdadeiro, o único que tem imortalidade,
o único sábio, o único bom, o único soberano;
Juiz, Governador e Providência de tudo, inalterável e imutável,
inalterável e imutável, justo e bom, Deus da Lei e dos Profetas
e do Novo Testamento; que gerou um Filho Unigênito antes de todos os
tempos, pelo qual Ele fez tanto as épocas como o universo.”
(O Patriarca de Alexandria era chamado Papa. Ainda hoje o é na Igreja
Copta Ortodoxa).
E somente Deus tem essência divina, ou seja, só Deus é
Deus. Essência em grego é ousía, uma palavra que se tornaria
crucial na história do cristianismo. Deus não podia ser composto,
divisível ou mutável. Acreditar que ele gerara um Filho com
essência divina era dizer o contrário, o que seria inaceitável.
A essência de Deus transcendia tanto as coisas mutáveis do mundo
que não podia haver um ponto de contato direto entre Deus e as criaturas,
pois as criaturas eram tão frágeis que não suportariam
ter um contato direto com a mão do Criador.
Ou seja, Deus nem sempre fora Deus-Pai. Ou por outra, o Filho teve um começo.
“Havia um então em que ele não existia”, diziam os arianos,
evitando dizer “havia um tempo em que ele não existia”, pois o Filho
fora criado antes de todos os tempos. (Mais tarde essa distinção
foi atacada pelos seus oponentes como mero sofisma). Mas embora não
Criador mas criatura, o Filho, ou Verbo, ou Logos, era diferente das outras
criaturas. Ele fora o único criado a partir do nada, e portanto era
o Unigênito. Todas as outras criaturas tinham sido criadas por Deus
através do Filho. Ele era o Mediador, necessário pelas razões
já ditas. (Os oponentes diziam que esse raciocínio requereria
uma cadeia infinita de mediadores, cada um amaciando o choque da criação
para o outro.)
Uma tradição judaica e gnóstica mas que influenciara
alguns teólogos cristãos não-gnósticos dava aos
anjos um papel de intermediários na criação entre Deus
e o homem. Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e segundo
nossa semelhança (Gênesis, 1, 26) era a passagem bíblica
que a embasava. Mais tarde Agostinho viu nesse plural um sinal da Trindade.
Para outros Deus naquele momento falava com anjos. O papel mediador dos anjos
podia ser facilmente ampliado para incluir o Filho, como seu principal. Assim
o arianismo pode ser visto como uma última reação de
velhas traduções judaicas e do apocalipticismo cristão
primitivo contra uma idéia de Jesus Cristo calcada na filosofia grega,
que afinal venceu e é a que professamos hoje.
Em termos de soteriologia: O Filho é mutável e portanto não
tem a mesma essência de Deus, que é imutável. O Filho
é bom não porque seja Deus, mas porque decide ser bom e permanecer
assim por sua própria vontade. Por seu cuidado e auto-disciplina,
seu progresso moral, ele triunfou sobre sua natureza mutável
e se tornou Filho de Deus. Tornou-se o pioneiro da salvação,
possibilitando a todos os que o seguirem a se salvarem também.
Em termos de liturgia: apesar de tudo os arianos adoravam Cristo e oravam
para ele. Também batizavam em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo. Alguns usavam essa forma modificada do Glória: “Glória
ao Pai pelo Filho no Espírito Santo.” Sua prática do batismo
foi muito atacada. São Gregório de Nazianzo diria que se alguém
adorava uma criatura ou era batizado em nome de uma criatura, isso não
traria a divinização prometida no batismo. Outros como Atanásio,
Marcelo de Ancira e depois Boécio criticavam o arianismo como politeísta.
Pois se eles adoravam como divino alguém que se recusavam a chamar
divino isso levaria a uma pluralidade de seres divinos.
Eram essas as idéias que Ario colocou em canção, em
versos ritmados, fáceis de decorar. No seu principal poema havia versos
como “Entenda que a mônada era, mas a Díade não era,
antes de vir a existir/.../Então era a Tríade, mas não
em glórias iguais. Não se entremisturam suas substâncias/”.