Esta página tem como objetivo não só informar ao público brasileiro quanto à Igreja Católica Greco-Melquita, mas também quanto a todas as igrejas católicas orientais. Essas igrejas em grande parte nasceram a partir de cismas e heresias. Gradativamente esta página pretende apresentar elementos históricos quanto a alguns deles.

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A teologia do Arianismo


Paulo Avelino

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A controvérsia começou a respeito da interpretação do livro dos Provérbios, capítulo 8, versículos 22 a 31.  Constam nesse trecho: O Senhor criou-me como primícia de sua ação, antes de suas obras mais remotas... Nasci quando não existiam os mananciais, quando não havia fontes de abundantes águas... Ele ainda não fizera a terra e os campos, nem os primeiros torrões do orbe. Quando colocava os céus, ali estava eu... ...eu estava ao seu lado como mestre-de-obras... entusiasmando-me pelos filhos dos homens. O bispo Alexandre convocou Ario e outros sacerdotes para explicarem sua opinião sobre um trecho da escritura que era provavelmente esse, segundo fontes da época.

A idéia base do arianismo era que Deus é “um e único”, monós, que significa só, único, isolado, privado de. Daí monarcos, que reina sozinho, soberano, que originou em português a palavra monarca. “Sem começo e completamente um”, diziam os arianos. Deus é uma Monás, a unidade. Que se tornou Díade com a geração do filho, e uma Tríade com a produção do Espírito. Logo, a Trindade não é eterna. No começo Deus estava só. Por volta do ano 320 Ario escreveu ao Patriarca Alexandre:  “Nossa fé de nossos antepassados, e que também aprendemos de vós, abençoado Papa, é esta: Nós reconhecemos um Deus, o único não-gerado, o único eterno, o único sem começo, o único verdadeiro, o único que tem imortalidade, o único sábio, o único bom, o único soberano; Juiz, Governador e Providência de tudo, inalterável e imutável, inalterável e imutável, justo e bom, Deus da Lei e dos Profetas e do Novo Testamento; que gerou um Filho Unigênito antes de todos os tempos, pelo qual Ele fez tanto as épocas como o universo.”  (O Patriarca de Alexandria era chamado Papa. Ainda hoje o é na Igreja Copta Ortodoxa).

E somente Deus tem essência divina, ou seja, só Deus é Deus. Essência em grego é ousía, uma palavra que se tornaria crucial na história do cristianismo. Deus não podia ser composto, divisível ou mutável. Acreditar que ele gerara um Filho com essência divina era dizer o contrário, o que seria inaceitável. A essência de Deus transcendia tanto as coisas mutáveis do mundo que não podia haver um ponto de contato direto entre Deus e as criaturas, pois as criaturas eram tão frágeis que não suportariam ter um contato direto com a mão do Criador.

Ou seja, Deus nem sempre fora Deus-Pai. Ou por outra, o Filho teve um começo. “Havia um então em que ele não existia”, diziam os arianos, evitando dizer “havia um tempo em que ele não existia”, pois o Filho fora criado antes de todos os tempos. (Mais tarde essa distinção foi atacada pelos seus oponentes como mero sofisma). Mas embora não Criador mas criatura, o Filho, ou Verbo, ou Logos, era diferente das outras criaturas. Ele fora o único criado a partir do nada, e portanto era o Unigênito. Todas as outras criaturas tinham sido criadas por Deus através do Filho. Ele era o Mediador, necessário pelas razões já ditas. (Os oponentes diziam que esse raciocínio requereria uma cadeia infinita de mediadores, cada um amaciando o choque da criação para o outro.)

Uma tradição judaica e gnóstica mas que influenciara alguns teólogos cristãos não-gnósticos dava aos anjos um papel de intermediários na criação entre Deus e o homem. Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e segundo nossa semelhança (Gênesis, 1, 26) era a passagem bíblica que a embasava. Mais tarde Agostinho viu nesse plural um sinal da Trindade. Para outros Deus naquele momento falava com anjos. O papel mediador dos anjos podia ser facilmente ampliado para incluir o Filho, como seu principal. Assim o arianismo pode ser visto como uma última reação de velhas traduções judaicas e do apocalipticismo cristão primitivo contra uma idéia de Jesus Cristo calcada na filosofia grega, que afinal venceu e é a que professamos hoje.

Em termos de soteriologia: O Filho é mutável e portanto não tem a mesma essência de Deus, que é imutável. O Filho é bom não porque seja Deus, mas porque decide ser bom e permanecer assim por sua própria vontade. Por seu cuidado e auto-disciplina, seu progresso moral,  ele triunfou sobre sua natureza mutável e se tornou Filho de Deus. Tornou-se o pioneiro da salvação, possibilitando a todos os que o seguirem a se salvarem também.

Em termos de liturgia: apesar de tudo os arianos adoravam Cristo e oravam para ele. Também batizavam em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.  Alguns usavam essa forma modificada do Glória: “Glória ao Pai pelo Filho no Espírito Santo.” Sua prática do batismo foi muito atacada. São Gregório de Nazianzo diria que se alguém adorava uma criatura ou era batizado em nome de uma criatura, isso não traria a divinização prometida no batismo. Outros como Atanásio, Marcelo de Ancira e depois Boécio criticavam o arianismo como politeísta. Pois se eles adoravam como divino alguém que se recusavam a chamar divino isso levaria a uma pluralidade de seres divinos.

Eram essas as idéias que Ario colocou em canção, em versos ritmados, fáceis de decorar. No seu principal poema havia versos como “Entenda que a mônada era, mas a Díade não era, antes de vir a existir/.../Então era a Tríade, mas não em glórias iguais. Não se entremisturam suas substâncias/”.

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