Fernando
Pessoa, nascido a 13 de Junho de 1888, viveu uma infância e adolescência
marcadas por uma sucessão de factos que o viriam a influenciar
profundamente, o que transparece, inevitavelmente, nos seus escritos.
Apenas com 6 anos de idade, confronta-se com a morte do pai e um ano
depois, com a morte do irmão. Estas mortes significam uma profunda
transformação na vida do poeta, nomeadamente no seio da família. Em
breve, Fernando Pessoa iria conhecer um novo núcleo familiar e social,
decorrente do casamento da mãe, D. Maria Magdalena Pinheiro Nogueira
Pessoa, com o comandante João Miguel Rosa, entretanto nomeado cônsul
interino em Durban, casamento que se realiza por procuração em 1895.
Depois do casamento, mãe e filho partem para Durban, África do Sul, onde
Fernando Pessoa viverá até à data do seu regresso definitivo a Portugal,
no ano de 1905. Rapidamente perde o privilégio da atenção exclusiva da
mãe já que passa a ufparti-la com o padrasto e com os sucessivos filhos
que nascem deste segundo casamento de D. Maria Magdalena Pinheiro
Nogueira Pessoa. Encontra refúgio no seu isolamento, na sua imaginação e
atracção pela ficção (que se manifestara já desde os seus 6 anos, ainda
em Lisboa,com a criação do primeiro heterónimo - Chevalier de Pas) que o
levam a criar, em 1903, os heterónimos Charles Robert Anon e H.M.F.
Lecher, nas suas leituras de Shakespeare, Milton, Byron, Poe, Keats,
Shelley, Tennyson, entre outros, e nos seus escritos.
Vive, pois, grande parte da infância e adolescência (cerca de 10 anos),
nesse país, onde recebe uma educação inglesa. Os seus primeiros estudos
e os seus primeiros textos são feitos em inglês. Fernando Pessoa nunca
abandonará a língua inglesa. É através dela que trabalhará, mais tarde,
já em Lisboa, como «correspondente comercial». Apesar de vir a adoptar
para os seus escritos a língua portuguesa, continuará sempre a escrever
em inglês, seja nos seus textos críticos e notas íntimas, seja nos seus
trabalhos de tradução de poetas ingleses, seja nos seus textos poéticos
( à excepção da Mensagem, os únicos livros que publica são os das
colectâneas dos seus poemas ingleses: Antinous e 35 Sonnets,e English
Poems I - II e III entre 1918 e 1921).
Em Durban, percorre, com sucesso, os diversos graus de ensino até se
candidatar, em 1903, à Universidade do Cabo. Em 1904 recebe o Prémio
Rainha Vitória, concedido ao seu ensaio de inglês, prova de exame de
admissão à Universidade do Cabo, realizado no ano anterior. Tendo a
possibilidade de ingressar naquela universidade, Fernando Pessoa, como
que respondendo a um chamamento da pátria, regressa, no entanto,
sozinho, com 17 anos de idade, a Portugal, que nunca esquecera,
associando-o sempre quer à imagem do pai quer à lembrança de uma
infância feliz. Traz consigo o propósito de se matricular no curso
superior de Letras de Lisboa.Vive nesta cidade, uma vida modesta, em
casa de familiares e em quartos alugados. Apesar de efectuar a matrícula
no curso referido, no ano de 1906, depressa se desilude com o ensino aí
ministrado, não tendo sequer concluído o primeiro ano do curso.
Os seus conhecimentos de inglês constituirão fonte de sobrevivência para
o poeta. Em 1908 inicia a profissão, no universo do comércio, como
«correspondente estrangeiro». Dedica-se de modo profissional, ao longo
da sua vida, aos trabalhos de correspondência comercial, sobretudo
naquela que foi a sua língua mãe durante a adolescência. Esta
actividade, permiti-lhe obter a independência económica suficiente para
se dedicar à sua intensa actividade literária e intelectual.
A sua estreia literária realiza-se na revista A Águia, com a publicação
de uma série de ensaios acerca da Nova Poesia Portuguesa. A colaboração
com esta revista dura, contudo, pouco tempo. Em 1914, o poeta afasta-se
da revista, já movido pela experimentação de novas formas literárias.
Mas esta é já uma fase em que Fernando Pessoa passa a desenvolver a sua
actividade num plano mais individualista. Os tempos do Orpheu estavam já
distantes e o grupo desfeito: Mário de Sá-Carneiro morrera em 1817, no
ano seguinte morreriam Almada Negreiros e Santa-Rita Pintor. Outros
membros do Orpheu estavam também afastados: Côrtes-Rodrigues vai para os
Açores e António Ferro experimenta novos terrenos literários,
dedicando-se ao jornalismo, à cultura e à política. Fernando Pessoa
sentirá sempre saudades dos tempos do Orpheu, tal como dos tempos
felizes da sua infância, anteriores à partida para a África do Sul.
O isolamento e a solidão do poeta parecem ter marcado a maior parte da
sua vida, ao longo da qual, todavia, foi criando, no sentido literal do
termo, novos amigos. O primeiro, aos seis anos, a que chamou Chevalier
de Pas; os mais conhecidos, entre 1912 e 1914, a que chamou Ricardo
Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos. A heteronímia é uma das facetas
mais curiosas deste poeta e, para muitos, o resultado da
desmultiplicação de um pensamento e de uma poética complexa e genial.
A produção literária destes três heterónimos foi intensa e acompanhou o
poeta até bem próximo da data da sua morte. Para além destes
heterónimos, Fernando Pessoa escreveu textos em nome de inúmeros
semi-heterónimos e usando ainda diversos pseudónimos. Respondendo, desta
forma, à ânsia de pluralismo, comum, aliás, aos artistas modernistas, o
poeta encontra, através do desdobramento do seu EU, uma forma de
percepcionar e expressar a multiplicidade do universo em diferentes
perspectivas cada qual mediante as diferentes individualidades por ele
criadas.
Para além da poesia heterónima e ortónima, Fernando Pessoa, nomeadamente
entre 1925 e 1934, vai percorrendo, com uma entrega significativa, os
campos do mistério e do ocultismo, bem como o da sua missão patriótica.
Nem um nem outro são, no entanto, novos para o poeta, já que desde cedo
experimentara e manifestara um interesse pelas regiões do ocultismo e do
esoterismo e sentira que tinha uma missão elevada a desempenhar.
A atracção pelo mistério, encaminha-o para campos ocultistas e
iniciáticos, na busca de uma verdade e de um conhecimento espiritual, na
busca da compreensão de si próprio e de um universo que transcende em
muito o campo do imediatamente visível.
Estes campos são percorridos através da assimilação de princípios e
orientações templárias e rosa-crucianas, por exemplo, e manifestam-se em
muitos dos seus textos, como em Eros e Psique que se inicia com a
epígrafe, chave orientadora da leitura do poema:"... e assim vedes, meu
Irmão, que as verdades, que vos foram dadas no Grau de Neófito, e
aquelas que vos foram dadas no Grau de Adepto menor, são, ainda que
opostas, a mesma verdade." - do ritual do Grau Mestre do Átrio na Ordem
Templária de Portugal, mas também em textos como Passos na Cruz, No
túmulo de Christian Rosencreutz e ainda na Mensagem.
Trata-se de textos carregados de profundo simbolismo e mistério,
próprios da linguagem iniciática que Fernando Pessoa parece ter
experimentado, de imagens cujas chaves de descodificação deveriam
passar, segundo o poeta, por uma simpatia em relação a esses símbolos e
imagens, pela intuição, inteligência, a compreensão, mas ainda por um
relação, pouco definida, com alguém superior ou transcendental que
lançará a luz para a completa assimilação dos seus escritos.
Dotado de uma profunda sensibilidade, desde cedo experimenta
experiências supra-naturais e procurara nos meandros do ocultismo a
outra face do desconhecido. Vários dos seus textos transparecem, com a
clareza que o assunto permite, um conhecimento e uma aproximação aos
mistérios mais antigos, a uma mitogenia diversa e arcaica, a uma
espiritualidade que nem sempre coincide com a religião cristã,
aproximando-se claramente do paganismo.
A realidade oculta terá sido para o poeta uma forte presença ao longo de
toda a sua vida. As vias do espiritual e do divino foram,
simultaneamente, percorridas e acrescentadas à complexidade psíquica e
poética de Fernando Pessoa.
O seu empenhamento patriótico esteve sempre manifesto na sua obra e nos
seus projectos de intervir, via literatura, sobre a humanidade e sobre
Portugal. Este patriotismo, manifestado em termos de Sebastianismo
messiânico, e que se faz sentir logo na sua estreia literária através
dos artigos da revista A Águia, publicados a partir de 1912, é ele mesmo
indissociável do espiritualismo. O poeta via-se a si próprio como um
missionário, um mensageiro, um intermediário entre a humanidade e um ser
que a ultrapassa e transcende. Em diversos textos o poeta deixa
transparecer a sua consciência de uma relação com o divino.
Este sentido patriótico movido pelo sentimento de uma missão culmina, em
termos de produção literária, com a publicação, em 1934, da sua obra
Mensagem. Aí temos, partindo da epopeia da diáspora de Portugal que
deverá ser retomada e concluída, presentes a vontade de regeneração de
um país estagnado, a referência a mitologias diversas, e o cruzamento do
mito Sebastianista com as lendas arturianas; também aí se revela a
espiritualidade do poeta e a sua busca incansável de Deus, ou do Graal,
ou de uma qualquer verdade a juntar à sua identidade dispersa e
complexa.
A idéia de missão, ao serviço de misteriosos mestres, foi de tal modo
marcante em Fernando Pessoa que ela parece ter decidido a sua vida
pessoal, nomeadamente a amorosa.
|