Ophélia
Queirós foi por momentos uma fuga ao isolamento de Fernando Pessoa, bem
como a revelação de si próprio como um ser capaz de amar.
Mas foi sobretudo mais uma revelação da sua complexidade psíquica.
O único namoro conhecido de Fernando Pessoa decorreu em duas fases: a
primeira, de 1 de Maio a 29 de Novembro de 1920, a segunda de 11 de
Setembro de 1929 a 11 de janeiro de 1930.
A primeira fase, a das cartas de amor ridículas, como diria Álvaro de
Campos, termina com uma carta em que Fernando Pessoa diz a Ophélia que o
seu destino pertence a outra lei.
O poeta estava já profundamente implicado nos trilhos do ocultismo e dos
percursos iniciáticos.
Durante esta primeira fase do namoro, as cartas de Fernando Pessoa a
Ophélia revelam uma paixão sincera, manifestada por uma linguagem terna,
desprovida de intelectualismos.
A idéia de casamento parece ter ocorrido a Fernando Pessoa, idéia
implícita em algumas das cartas que preenchem os espaços deste namoro em
segredo. No entanto, este namoro é desde cedo marcado pela incerteza,
descrédito e desconfiança de Fernando Pessoa
para com o amor sincero de Ophélia, para com a relação, para consigo
mesmo e termina, então, com uma carta datada de Novembro de 1920, e com
a revelação da obediência a Mestres e a pertença a uma outra lei.
Nove anos depois, Ophélia e Fernando Pessoa reencontram-se e o namoro
recomeça. O reencontro é motivado pela oferta de Pessoa de uma
fotografia sua a beber vinho no Abel Ferreira da Fonseca a Carlos
Queirós, sobrinho de Ophélia. Esta, ao ver a fotografia, mostra vontade
de possuir uma igual e o poeta envia-lhe uma com a seguinte dedicatória:
Fernando Pessoa em flagrante "delitro".
Ophélia escreve a agradecer e os encontros e o namoro recomeçam. Esta
segunda fase é, todavia, muito diferente da primeira. Também Fernando
Pessoa se revela muito diferente. A confusão de sentimentos, a
perturbação psíquica manifesta-se com freqüência através de cartas
que revelam uma linguagem agressiva, um discurso com rasgos de
alucinação e de dispersão.
Segundo Ophélia, esta já nem responde às últimas cartas. O contacto
entre os dois mantém-se, no entanto, esporádico e cordial, até à morte
do poeta. Fernando Pessoa trocou a perspectiva de um amor e de uma
família por um outro chamamento, seja ele o da missão a desempenhar e o
compromisso com tais mestres misteriosos, seja o do compromisso com a
sua própria identidade e com a humanidade. Abandonado a si mesmo, à sua
vida intelectual e mística, ao seu isolamento, que,
aliás, marcou toda a sua existência, é sozinho que Fernando Pessoa, já
profundamente desgastado pela angústia que o mina, pela constante busca
de si próprio, morre no dia 30 de Novembro de 1935, com 47 anos de
idade.
Uma morte que chega cedo - mais cedo chegara a muitos daqueles com quem
convivera -, mas uma morte para a qual o poeta parece ter caminhado
conscientemente e sobre a qual reflectiu em muitos dos seus textos.
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