O Estado do São Francisco
 
Rio São Francisco

O sol lança à terra, em esplendor,

seus raios inclementes.

O suor, salgado, quente...

desliza pelo corpo do lavrador.

Arde, queima, mas ele não o sente,

na faina de lavrar a terra

arenosa, abrasada, ardente,

sua fé está no Criador.

 

O Norte-mineiro grita, implora:

--Por Deus, ajudem a gente!

...parlamentares, governadores...

...o presidente...

...nada fazem! Viram-lhe as costas

e vão embora.

 

Esquecido, desamparado,

entregue à própria sorte;

dorso moreno queimado de sol,

lança à terra a semente.

Desanimado ele se sente.

Olha o céu, limpo, sem nuvens...

Mas não chora. É um homem. É um forte.

 

Da garganta ressequida emerge uma prece;

um apelo, um grito abafado.

Sente que é pesado o seu fado

Mas também sabe que a aranha vive do que tece:

 

--Meu Deus, tenha piedade...

mande-nos chuva, vê nosso tormento!

Mas Deus parece não ouvir

-talvez pense ser um atrevimento

aquele apelo por sua caridade.

 

Já tarde volta prá casa...

cansado, tem fome...

Não tem o que comer!

...ele desanima...

A consciência martela:

--É sua sina!

Mas ele bate no peito e grita:

--Sou filho de Deus...sou um homem!

 

De política ele nada entende.

Mas quer o direito, não o dever, de votar,

pensando que assim ajuda sua região,

o norte de Minas, seu rincão.

Mas está enganando-se, pois

só o sul tem a ganhar!

 

A noite passa; o sol desponta

quem sabe, para um dia bonito...

No rádio ele ouviu falar

- de início não levou em conta -

no estado do São Francisco,

da terra árida o novo obelisco,

a projetar-se para o mar!

 

Pensou, compreendeu e se alegrou;

olhou pro céu e até sorriu:

--Chegou ao fim o sofrimento!

Mas a eterna burocracia,

daqueles aos quais pensou ter um dia

dado seu voto por merecimento,

transformou o novo projeto

dos norte-mineiros, os analfabetos,

em um infundado arroubo...

Um louco intento!

 

Hoje, novamente para o céu volta a olhar.

Vê o sol, imperioso...

Não teme mais o astro impiedoso

que o faz suar.

Aprendera a ter coragem,

e não é mais um medroso,

pois sabe que seu destino é lutar.

 

Olha para os filhos, a esposa, para si próprio...

...com amargura...

Lembra-se de um grande homem,

- de uma estória que ouviu contar -

então finca a enxada no chão,

revolvendo a terra dura

e enchendo-se de ânimo determina:

--Independência ou Morte!

Se lutar pelo progresso é minha sorte,

só descansarei na sepultura!

Causo versificado de e por Nezinho Costa, em 24 de novembro de 1987, quando o mesmo residia na comunidade de Nova Cachoeirinha, então município de Manga/MG.

Na época Nezinho Costa estava engajado no movimento dos "Sem Terra" do Norte de Minas, sendo secretário da Associação dos Posseiros da Jaíba.

A comunidade de Nova Cachoeirinha, hoje, pertence ao município de Jaíba, emancipado em 1992.

No município de Jaíba é onde situa-se o maior complexo de agricultura irrigada do hemisfério sul, o qual serve-se das águas do rio São Francisco para irrigar o sertão árido norte-mineiro, denominando-se "Projeto Jaíba" e popularmente conhecido como JAIBÃO.

 

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