MESTRES DA POESIA
AUGUSTO DOS ANJOS
Pequena biografia do Autor:
1884- 20 de abril: Nasce no engenho do Paud'Arco,perto da Vila
do Espírito Santo, Estado da Paraíba, Augusto Carvalho
Rodrigues dos Anjos.Foram seus pais o advogado Alexandre Rodrigues dos Anjos
e D.Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos, a Sinhá- Mocinha, os
quais tiveram vários outros filhos.Depoimento do poeta refere que o pai
morreu de paralisia geral e que a mãe era exessivamente nervosa- fórmula
eufêmica para designar-lhe mal psicopático maior.
1900- Inicia os estudos de humanidades no Liceu Paraibano, onde enceta seu convívio com o amigo de vida em fora, Órris Soares.Publica o primeiro trabalho, o soneto "Saudade",no almanaque do Estado da Paraíba.
1901- Aparecem suas primeiras composições poéticas como colaboração ao jornal "O Commercio",da cidade de Paraíba(futura João Pessoa),capital de seu estado natal.
1903-Ingressa na Faculdade de Direito do Recife.
1904-Publica no jornal "O Commercio", o célebre soneto "Vandalismo".
1905- Morre seu pai, a 13 de janeiro.Seis dias depois, publica os três sonetos:"A meu pai doente", "A meu pai morto"e "Ao sétimo dia de seu falecimento".
1906- Publica no jornal "O Commercio", seu mais famoso soneto "Versos Íntimos".
1907- Bacharela-se em Direito, na Faculdade do Recife.
1908-Leciona Literatura no Liceu Paraibano, como professor interino.
1909-13 de maio: Pronuncia uma conferência sobre o instituto
da escravidão, no teatro Santa Rosa, ante o Governador do Estado.É
uma das poucas peças suas em prosa.No mesmo ano inicia sua colaboração
no Diário Oficial do Estado, "A União".
1910-4 de julho: Casa com D.Ester Fialho,sua conterrânea, de quem haverá,vivos e sobreviventes, dois filhos.Neste ano muda-se para o Rio de Janeiro,onde permanece por dois anos.
1911-Nasce morto seu primeiro filho,a 2 de fevereiro.É nomeado professor interino de Geografia da Escola Normal e,igualmente,do internato do Colégio Pedro II.
1912-É lançado o volume EU, de suas poesias, em edição particular, de cujas custas participa além do poeta, seu irmão Odilon,num valor de 550.000 réis,em tiragem de 1000 exemplares. O livro é recebido com grande impacto e estranheza por parte da crítica, que oscila entre o entusiasmo e a repulsa.Nasce sua filha Glória.
1913- Nasce seu filho Guilherme.
1914-1 de julho:Nomeado diretor do grupo escolar Ribeiro Junqueira, de Leopoldina, Estado de Minas Gerais. Aos 31 de outubro do mesmo ano,é acometido de forte gripe, que se alonga por doze dias, ao cabo dos quais, no dia 12 de novembro,morre.
1920-Aparecem na Paraíba EU e Outras Poesia, ou seja, o volume de poesias publicado em vida pelo próprio poeta, acrescido de versos póstumos por Órris Soares, que prepara e prefacia a edição.
1928-Ainda por interferência de Órris Soares, a Livraria Castilho, do Rio, edita a 3ª edição,com extraordinário sucesso de crítica e público. Sem data, posteriormente, a Companhia Editora Nacional, de São Paulo, edita o que chama a 4ª edição.
Vandalismo
Pedro Cardoso (DF)
"Meu coração tem catedrais imensas",
cada qual mais bela. Na principal mora uma das "divindades" que mais
respeito no "mundo vasto
mundo" da poesia. É lá que encontro os meus sonhos e minhas
fantasias com mais realismo. Esta minha admiração por igrejas
e sonetos é antiga, com certeza o primeiro que li, ainda na juventude
foi - Versos Íntimos.
Para a minha felicidade, este ano, foram buscar nos "templos de priscas e longínquas datas" o nome daquele que seria a personalidade do século do Estado da Paraíba. Vários nomes de destaque nos diversos ramos da política, da ciência, da economia e da literatura foram lembrados.
Realizaram-se várias pesquisas até que "um nume de amor, em serenatas" fosse finalmente declarado o grande vencedor. Até eu, que não trabalhei no Engenho Pau d'Arco, mas que sou mineiro (infelizmente não sou de Leopoldina), pude externar os meus sentimentos votando naquele que, para mim, ainda "canta a aleluia virginal das crenças" como o mais amado e o mais odiado de todos os poetas brasileiros.
Hoje, "na ogiva fúlgida e nas colunatas" que adornam os sonetos de todos os poetas "vertem lustrais irradiações intensas" de alegria, ao ver que aquele que foi considerado grosseiro e de mau gosto em sua época, agora, é, sem dúvida o mais brilhante filho de um Estado repleto de grandes e importantes personalidades.
"Cintilações de lâmpadas suspensas e as ametistas e os florões e as pratas" deveriam ser oferecidas a todos aqueles que estão preocupados, como ele, com as relações humanas de um modo geral. Eu, "como os velhos Templários medievais", devo continuar escrevendo os meus sonhos em prosa e verso para que, um dia, possa dizer: "entrei um dia nessas catedrais e nesses templos claros e risonhos..." Para permitir apenas a morte e o apodrecimento do meu corpo, mas não dos meus pensamentos sobre as complexas relações humanas, "e erguendo os gládios e brandindo as hastas" haverei de seguir o exemplo daquele que foi professor de literatura e que, no auge da sua juventude, denunciou as mazelas deste país sem ação e sem preocupação com o bem de maior valor que temos que é o ser humano; aquele que viveu realçando o aspecto vil e sórdido das condições desumanas da convivência social daquela época.
E ainda, "no desespero dos iconoclastas quebrarei a imagem dos meus próprios sonhos" se você não me ajudar a construir um mundo de sonhos e idéias mais condizentes com o novo milênio.
Viva, viva a poesia!
- Feliz daquele que pode dizer: eu li, Augusto dos Anjos.
Alguns poemas de Augusto dos Anjos:
A árvore da serra
- As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!
- Meu pai, por que sua ira não se
acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pos almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...
- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa:
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!»
E quando a árvore, olhando a pátria serra,
Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!
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A lágrima
- Faça-me o obséquio de trazer reunidos
Cloreto de sódio, água e albumina...
Ah! Basta isto, porque isto é que origina
A lágrima de todos os vencidos!
-"A farmacologia e a medicina
Com a relatividade dos sentidos
Desconhecem os mil desconhecidos
Segredos dessa secreção divina"
- O farmacêutico me obtemperou. -
Vem-me então à lembrança o pai Yoyô
Na ânsia física da última eficácia...
E logo a lágrima em meus olhos cai.
Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai
Do que todas as drogas da farmácia!
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O morcego
Meia noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vêde:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
"Vou mandar levantar outra parede..."
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o tecto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
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Psicologia de um vencido
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.
Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.
Já o verme - este operário das ruínas -
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,
Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!
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Vandalismo
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos ...
E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
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Versos Íntimos
Vês?! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
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Monólogo de uma sombra
"Sou uma Sombra! Venho de outras eras,
Do cosmopolitismos das moneras...
Polipo de recônditas reintrâncias,
Larva do caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!
A simbiose das coisas me equilibra
Em minha ignota mônada, ampla,vibra
A alma dos movimentos rotatórios...
E é de mim que decorrem simultâneas,
A saúde das forças subterrâneas
E a morbidez dos seres ilusórios!
*E por aí vai, numa caminhada de 31 estâncias, 186 versos, ecrente no tema, terso na linguagem, incomparável na forma musicada.
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DEBAIXO DO TAMARINDO
No tempo do meu Pai, sob estes galhos,
Como uma vela fúnebre de cêra,
Chorei biliões de vezes com a canseira
De inexorabilíssimos trabalhos!
Hoje, esta árvore de amplos agasalhos,
Guarda, como uma caixa derradeira,
O passado da Flora Brasileira
E a paleontologia dos Carvalhos!
Quando pararem todos os relógios
Da minha vida e a voz dos necrológios
Gritar nos noticiários que eu morri,
Voltando à patria da homogeneidade,
Abraçada com a própria Eternidade
A minha sombra há de ficar aqui!
A esmola de Dulce
E todo o dia eu vou como um perdido
De dor, por entre a dolorosa estrada,
Pedir a Dulce, a minha bem amada,
A esmola dum carinho apetecido.
E ela fita-me, o olhar enlanguescido,
E eu balbucio trêmula balada:
- Senhora, dai-me ua esmola - e estertorada
A minha voz soluça num gemido.
Morre-me a voz, e eu gemo o último harpejo,
Estendo à Dulce a mão, a fé perdida,
E dos lábios de Dulce cai um beijo.
Depois, como este beijo me consola!
Bendita seja a Dulce! A minha vida
Estava unicamente nessa esmola.
Órris Soares: Elogio de Augusto dos Anjos
Era magro meu desventurado amigo, de magreza esquálida-
faces reentrantes, olhos fundos, orelhas violáceas e testa descalvada.
A boca
fazia a catadura crescer de sofrimento , por contraste do olhar doente de tristura
e nos lábios uma crispação de demônio torturado.
Nos momentos de investigações suas vistas transmudavam-se rapidamente,crescendo,interrogando,teimando.
E quando as narinas se lhe dilatavam?Parecia-me ver o violento acordar do anjo
bom,indignado da vitória do anjo mau, sempre de si contente na fecunda
terra de Jeová.Os cabelos pretos e lisos apertavam-lhe o sombrio da epiderme
trigueira. A clavícula arqueada. No omoplata, o corpo estreito quebrava-se
numa curva para diante. Os braços pendentes, movimentados pela dança
dos dedos semelhavam duas rabecas tocando a alegoria dos seus versos.O andar
tervigesante, nada aprumado, parecia reproduzir o esvoaçar das imagem
que lhe agitavam o cérebro. Essa fisionomia por onde erravam tons de
catástrofe, traía-lhe a psique.Realmente lhe era a alma uma água
profunda, onde, luminosas, se refletiam as violetas da mágoa.(...) Por
muito que de mim procure na memória, não alcanço data mais
velha que a do ano de 1900, para o começo de minhas relações
pessoais com Augusto dos Anjos. Feriu-me de chofre o seu tipo excêntrico
de pássaro molhado, todo encolhido nas asas com medo da chuva. Descia
do Pau d'Arco, sombrio Engenho de açúcar plantado à aba
do rio Una, vindo prestar exame no Liceu.O aspecto fisionômico então
alertado e o desembaraço nas respostas anunciavam a qualidade do estudante,
cuja fama de preparo correu por todos os recantos do estabelecimento, ganhando
foros de cidade.Cada ato prestado valia por afirmação de talento
e, de peito aberto, louvores se erguiam ao melancólico pai,único
professor que tivera no curso de humanidades. Não soube resistir ao desejo
de travar relações com o poeta. Fui impiedosamente atraído,
como para um sítio encantado onde a vista se alerta por encontrar movimento.
E de tal forma nos acamaradamos, que, dias depois, lhe devia o exame de latim,
desembaracando-me de complicada traduação, numa ode de Horácio.
De certa feita bati-lhe às portas, na rua Nova, onde costumava hospedar-se.
Peguei-o a passear, gesticulando e monologando, de canto a canto da sala. Laborava,
e tão enterrado nas cogitações, que só minutos após
deu acordo de minha presença.Foi-lhe sempre este o processo de criação.
Toda arquitetura e pintura dos versos as fazia mentalmente, só as transmitindo
ao papel quando estavam integrais, e não raro começava os sonetos
pelo último terceto. Sem nada pedir-lhe, recitou-me.Recorda-me, foram
uns versos sobre o carnaval, que o batuque nas ruas anunciava próximo.
Declamando, sua voz ganhava timbre especial, tornava-se metálica, tinindo
e retinindo as sílabas.Havia mesmo transfiguração na sua
pessoa. Ninguém diria melhor, quase sem gesto. A voz era tudo: possuía
paixão, ternura, complacência, enternecimento, poder descritivo,
movimento, cor, forma. Dando de mim, estava pasmado, colhido pelo assombro inesperado
de sua lira que ora se retraía, ora se arqueava, ora se distendia, como
um dorso de animal felino. Mais tarde, ouvindo no violoncelo um concerto de
Dvorak, recebi a impressão igual, de surpresa e domínio a do meu
primeiro encontro com os versos de Augusto.
A que escola se filiou? - a nenhuma.
O material para esta página foi enviado pela escritoria Tânia Melo, o que agradecemos.
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