CRÔNICA DA SEMANA
(esta cronica está no Suplemento Literário A ILHA extra especial sobre Mário Quintana)
AS ESTRELAS DE QUINTANA
Urda Alice Klueger
(Texto dedicado à Elfy Eggert, e à Magda do Canto Zurba)
"Se as coisas são impossíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las!
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!
(Mário Quintana)
Complicado dizer mais do que Quintana disse, pois em quatro linhas ele já
disse como que tudo! Em todo o caso...
Penso na Estrela que está lá longe, lá distante, inatingível
no céu do meu caminho, mas é por causa dela que o meu caminho
é todo banhado em suave luz que faz com que eu queira sempre continuar
caminhando por ele, seja dia ou seja noite.
Penso na amiga a cujo velório fui ontem, jovem, linda e simpática,
brutalmente assassinada quando sonhava em ser mãe, conforme tinha me
dito uma semana antes. Ao invés de gerar uma criança que seria
filha do seu corpo, preparava-se para ter uma filha do coração.
Até nome já tinha para aquela criança que viria: Bárbara.
Ela sabia que se podia sonhar com o que se quisesse, acreditava em Quintana.
Penso no povo palestino, neste momento praticamente como que morrendo à
míngua, pois até a eletricidade e a água lhes foi cortada
na Faixa de Gaza - e a televisão mostrou o bombardeio da sua estação
de energia elétrica como se fosse um grande espetáculo pirotécnico
- ah! Essa nossa imprensa que faz o jogo da Desgraça e do Poder do
Capital! Quando haverá Justiça neste mundo onde vivo? Mas quase
à míngua, o povo palestino não pára de estudar,
por maiores que sejam os bombardeios sobre suas cabeças, não
importando a quantidade de crianças e adultos que são estraçalhadas
por mísseis enquanto estudam. É estudando sob o silvo dos disparos
que eles conseguem manter acesas as estrelas de um Futuro - que seria deles
se não fosse a mágica presença das estrelas? As coisas
parecem impossíveis, mas isto não quer dizer que não
devamos querê-las, e então os palestinos estudam. Em algum momento
haverá algum milagre, ainda não se sabe quando nem como. Porque
há estrelas, e porque há um milagre em perspectiva, estudam.
Leio aqui, em Paulo Freire "... No momento em que a percepção
crítica se instaura, na ação mesma, se desenvolve um
clima de esperança e confiança que leva os homens a se empenharem
na superação das 'situações limites' ." Um
teórico e um poeta dizendo a mesma coisa. Que seria do caminho, Paulo
Freire, se não fosse a mágica presença das estrelas?
Ah! Quintana, como poderia o povo palestino resistir e querer coisas que parecem
impossíveis, se não tivessem entendido a tua mensagem, que decerto
os poetas deles também sabiam? E Elfy, minha pobre Elfy, para quem
as estrelas pararam de brilhar de forma tão terrível? Mas decerto
és agora uma estrela também, não é, minha pobre
amiga? E agora que tu própria irradias luz, irás cuidar muito
bem daquela filha que o teu coração gestava, e que vai estar
aqui por este mundo, com outra mãe... Mas serás mãe dela
do mesmo jeito, e com tua luz nova poderás iluminar o caminho dela
e lhe mostrar que não há coisas impossíveis... Se ela
duvidar da própria fé, vais lhe mostrar a fé dos palestinos,
e lhe contar dos segredos de Quintana!
E então penso no meu próprio caminho iluminado por estrela distante,
inatingível. Que sentido teria minha própria vida se não
houvesse tal Estrela?
Ah! Quintana, queria escrever uma coisa bem bonita para ti, nestes teus 100
anos, e lembrando do teu poema que fala de todas as possibilidades - mas aconteceu
a tragédia da Elfy, e na Palestina as coisas estão como estão,
e minha Estrela tenta cortar-me os pés para que já não
possa continuar no caminho iluminado... Perdão Quintana, choro. Acho
que vou para casa pendurar a bandeira da Palestina na varanda, e acender um
milhão de velas coloridas para Elfy, para que, agora também
estrela, ela possa ver que aqui estou a me lembrar tanto dela... Então
talvez possa esquecer um pouco os meus pés cortados..