GRANDES MESTRES
DA POESIA
CARLOS DRUMMOND
DE ANDRADE
POESIA NO CÉU
Luiz Carlos Amorim
E agora, Drummond?
E agora, poeta?
Nós ficamos sem você.
Será mesmo, Carlos, será?
Se a poesia é você,
se você é a poesia
e a poesia não morre,
você está por aí, no ar,
no céu, no sol, nas estrelas,
num sorriso cristalino,
nas asas de um passarinho,
nas asas da liberdade.
Só foi voar mais alto, poeta,
tão alto quanto seus versos;
foi visitar Coralina,
tão viva nos seus poemas.
Feliz encontro, poeta,
da poesia com a poesia.
Matar saudades de Cora,
fazer poesia de meia.
Com certeza escreverão
poemas tantos, os dois
e os soprarão para nós,
na vinda das primaveras...
PARA LEMBRAR DRUMMOND
Naquele agosto frio e triste de 87, deixou-nos um dos mais renomados
poetas brasileiros: Carlos Drummond de Andrade. Como em 2002 acontece o centenário
do poeta, desde já (2000) se preparam e se iniciam as comemorações
de tão importante data. Em abril, foi lançado, em Porto Alegre,
o livro "Conversa de Livraria", com textos inéditos de Carlos.
Em março iniciaram-se as filmagens do documentário "Poeta
de Sete Faces", que a princípio chamou-se "Fazendeiro do Ar";
começou, também, a pré-produção de outro
filme, "O Vestido", baseado no conto "O Caso do Vestido",
que será lançado em 2002. E já está em fase de pré-produção
a peça "O Sineiro", obra inédita e inacabada de Drummond,
que será montada, também, no ano do centenário do poeta.
POETA DAS SETE FACES
Com o documentário de 52 minutos "Poeta de Sete Faces",
o diretor Paulo Thiago dá início às comemorações
dos cem anos de nascimento do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).
Dividido em três partes - "Vai, Carlos, Ser Gauche na Vida"
- 1902-1934; "A Vida Apenas, Sem Mistificação" - 1935-1950
e "Como Ficou Chato Ser Moderno, Agora Serei Eterno" - 1950-1987,
o filme mistura linguagens.
Para recriar a "magia poética", Thiago usou vários recursos.
O ator Carlos Gregório, por exemplo, fez uma interpretação
"metafórica" do poeta. O ator Paulo José, assistindo
a um filme de Carlitos dentro de um cinema, declama "Canto do Homem do
Povo a Charles Chaplin".
Milton Nascimento compõe uma música para o "Poema de Sete
Faces". O poema "A Morte do Leiteiro" ganha uma "pequena
encenação", para deixar mais evidente o seu conteúdo
social.
Além disso, há um elenco formado por Zezé Mota, Othon Bastos,
Tônia Carrero, Paulo Autran, entre outros, que participam de um recital,
e depoimentos de poetas, como Ferreira Goulart e Adélia Prado.
Thiago pretende ter o documentário pronto em outubro, para a comemoração
dos 98 anos do poeta, que nasceu em 3l de outubro de 1902. Filmado em 16 mm,
"Poeta de Sete Faces" deve ser exibido no canal Multishow. O diretor
também filmará, para estrear em 2002, o longa "O vestido",
baseado no poema "Caso do Vestido", de Drummond.
Obra Completa de Drummond
será reeditada
A
partir deste mês de janeiro de 2001, a Editora Record inicia a reedição
de 36 livros do poeta, cujo centenário de vida será comemorado
em 2002
O poeta Carlos Drummond de Andrade disse em uma de suas últimas entrevistas
que não tinha a menor pretensão de ser eterno e previu seu esquecimento
dentro de pouco tempo. "Tenho a impressão de que daqui a 20 anos
eu já estarei no Cemitério São João Batista. Ninguém
vai falar de mim, graças a Deus", confessou ao jornalista Geneton
Morais, então no "Jornal do Brasil", 17 dias antes de sua morte,
acontecida em agosto de 1987, quando estava com 85 anos.
A profecia, no entanto, felizmente não se realizou: a partir do próximo
mês, a Editora Record inicia a reedição da obra completa
de Drummond seguindo exatamente suas instruções. Serão
36 livros. Um fino biscoito que prepara uma intensa série de atividades
que vai culminar com o centenário do poeta, em 31 de outubro de 2002
"Os admiradores do Carlos jamais o abandonaram, por isso vamos presenteá-los
com diversas homenagens", afirma o artista gráfico Pedro Augusto
GraJna Drummond, neto mais novo do poeta (a quem trata pelo primeiro nome) e
principal responsável pela administração de sua obra. "Os
livros receberão finalmente o tratamento que ele esperava muito."
O volume mais aguardado da primeira fornada é justamente o primeiro publicado
por Drummond, "Alguma Poesia", em 1930. Então com 28 anos,
o poeta enfrentou as dificuldades habituais de um iniciante: sob o selo imaginário
Edições Pindorama, criado por Eduardo Frieiro, romancista, tipógrafo
e seu amigo pessoal, foram impressos 500 exemplares, pagos do seu próprio
bolso sob a chancela da Imprensa Oficial (em que trabalhava como redator), mediante
descontos em sua folha de vencimentos.
Folhas em branco
Essa foi a única edição isolada de "Alguma
Poesia", escrito sob o impacto do movimento modernista de 1922 e dedicado
a Mário de Andrade. Nos anos seguintes, os 49 poemas dividiam espaço
com outros títulos, em "Sentimento do Mundo" e, depois, na
"Antologia Poética". "Seu desejo de ver o livro publicado
da forma original era tão grande que ele passava horas recortando e montando
seus poemas em folhas em branco, na ordem que gostaria que fossem publicados",
explica Pedro. "Tudo isso ele colocou em uma pastinha e entregou na Record."
A disposição de reeditar a obra conforme sua vontade, aliás,
pesou favoravelmente na troca da Editora José Olympio pela nova casa.
A nova edição de "Alguma Poesia" terá fotos inéditas
do poeta na época em que o livro foi escrito. Este será o padrão
de todos os demais volumes, unificando-os: na capa, uma fotografia de como Drummond
era naquele momento, seguindo o projeto gráfico de Regina Ferraz. "É
comum as pessoas lembrarem sempre da imagem dele já velhinho, vai ser
uma curiosidade."
Críticas e elogios - Quando lançou "Alguma Poesia",
Drummond já era um talento revelado. Dois anos antes, em 1928, ele publicou
o poema "No Meio do Caminho" na Revista de Antropofagia, provocando
elogios entusiasmados e críticas indignadas. Hoje, encontram-se 17 traduções
de seus versos. Os 49 poemas do primeiro livro foram escritos entre 1925 e 1930,
seguindo a preocupação com o ritmo, melodia e emoção
dos versos.
Ali está o famoso "Poema das Sete Faces" ("Quando nasci,
um anjo torto/desses que vivem na sombra/disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida").
E também o bem humorado "Quadrilha" ("João amava
Tereza que amava Raimundo"), parafraseado anos depois por Chico Buarque.
(Agência Estado)
A POESIA DE DRUMMOND
A
poesia de Drummond expressa uma ironia tipicamente moderna. Sem perder o tom
de confidência pessoal, inclui-se num cotidiano, no dia-a-dia. "Mundo
mundo vasto mundo, / mais vasto é meu coração". Drummond
apresenta características dos modernos, como a utilização
de versos livres, temáticas retiradas do cotidiano, certas liberdades
sintáticas e vocabulares, um ritmo psicológico do poema. O "gauche"
(o deslocado, o tímido, o desajeitado) se reconhece como tal, antecipando-se
a que outros o fizessem, reservando para si, poeta, o espelho da consciência.
Diante do "gauche" que se despe, dissipa-se a retórica e a
boa consciência (de longa tradição em nossa história),
e o leitor pode, com ele, acompanha-lo no desnudamento realista do mundo. Do
autojulgamento amplia-se para o "vasto mundo"; aí também
encontra a desordem que vige em seu "eu todo retorcido", a ordem social,
seu tempo conturbado, entre as violências e frustrações
humanas. Os poemas de "Alguma Poesia" já foram caracterizados
por Otto Maria Carpeaux como "notações sensíveis e
descontínuas"; e onde sempre está a ironia discreta.
O nacionalismo, uma das bandeiras do Modernismo, está igualmente descentrado
no interior do "gauche": "a gente viajando na pátria sente
saudades da pátria". Drummond não esconde um desconcerto
de si face à realidade, fazendo desta piada, como em "Casamento
do Céu e do Inferno", ou deixando vazar um pessimismo, como em "Poema
da Purificação".
Na década de 40, o mundo lhe surge não como série de absurdos,
mas como história trágica; o tempo não é mais alusão
genérica, é o tempo presente, é agora: "O tempo é
a minha matéria, o tempo presente". São os livros "Sentimento
do Mundo" e "A Rosa do Povo". Drummond escreve: "Não,
meu coração não é maior que o mundo".
O ser "gauche" não se apaga, contudo como um gesto; sabe que
em seu projeto de construir um novo tempo põem-se desde já os
limites da ação. E sem que haja o seqüestro íntimo.
Os poemas tornam-se mais longos, cuidadosos, de uma consciência que mão
quer descuidar de sua matéria. "Um mundo mais poético / onde
o amor reagrupa / as formas naturais".
Em 50 o poeta não crê mais nessa utopia. O pós-guerra com
a guerra fria lhe parecem preparar, cernir o terreno para novas tragédias.
Mundo hostil, onde o sem solução é a própria rotina
de sua consciência, e acompanha-la passa a ser um jogo paradoxalmente
tortuoso e lúcido: "Que forma é nossa / e que conteúdo?"
Mas existe o homem, a que falta referência a um tempo preciso, que se
esvazia.
Nas últimas duas décadas, Drummond tende a recuperar uma certa
biografia afetiva, em tom de memórias ou cacos desta. Na crônica
vai refletindo situações presentes, e traços do sonhador
ou do metafísico desenganado não há mais. Resta um realismo
irônico e simpático.
ORIGENS
Drummond não raro se reconhece na geografia de sua cidade natal:
"Alguns anos vivi em Itabira,
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso; de ferro".
Ita-bira quer dizer "árvore de pedra", madeira de fibras ferrosas,
impenetráveis... Do ofício de cronista talvez é que venha
o recurso de conotar seus modos de ser com experiência cotidiana, concreta.
Aliás, mais de uma vez, Drummond tem sido chamado de "o poeta cronista"/
Sabe-se que contribuiu para jornais diários desde o "Diário
de Minas", passando pelo "Correio da Manhã", entre outros,
enfim o "Jornal do Brasil", até 1984, quando abandona a crônica
de vez. Num poema, "Canções de Alinhavo", os versos
"Stephane Mallarmé esgotou a taça do incognoscível,
/ Nada sobrou para nós senão o cotidiano / que alvita, deprime"
são sintomáticos, como se o poeta optasse por uma intimidade maior
com o leitor, por uma abertura do espectro de leitores, em troca da postura
do poeta-crítico, típico da modernidade. Aquele que toma o poema,
a poesia como objeto de reflexão.
Daí, talvez, a popularidade de Drummond e de que não goza, por
exemplo, um João Cabral. Drummond domina a linguagem coloquial, a partir
do exercício da crônica. Liga-se a uma percepção
do mundo, da realidade que se aproxima do leitor potencial dos jornais em que
escrevia. Abandonam-se temas sagrados da poesia; pega-se uma imagem trivial,
as pernas do bonde, por exemplo e constrói um dos mais belos poemas,
o "Poema de Sete Faces". Lembra o toque do rei Midas, transformando
o sem valor em ouro.
Poeta com olhos de cronista, e vice-versa. Não se esgota na percepção,
contudo, a entrada do cronista pelo poeta; é a estrutura das frases,
dos versos que vão se elastecendo e tornando-se prosaicas como de crônica,
como se Drummond deliberadamente tivesse decidido pela cumplicidade de circunstância
que aquela estabelece com o leitor.
"Daqui a vinte anos : poderei
tanto esperar o preço da poesia?
É preciso tirar da boca urgente
O canto rápido, ziguezagueante, rouco,
Feito da impureza do minuto
E de voz em febre, que golpeiam
Esta viola destinada
No chão, no chão."
Os versos acima sugerem o texto feito em cima da hora, o trabalho, apressado
do jornalista.
Drummond admite:
"Furto a Vinícius
sua mais límpida elegia.
Bebo em Murilo.
Que Neruda me dê sua gravata
Chamejante.
Me perco em Apollinaire.
Adeus, Maiakovski."
Entre outras influências, citaríamos Manuel Bandeira, amigo pessoal do poeta, ou Mário de Andrade, a quem Drummond enviava seus primeiros versos, ainda inéditos. João Cabral declarou ter sido Drummond o ponto desencadeador de sua poesia, sobretudo o da primeira fase. João Gilberto, músico, diz-se leitor assíduo do mineiro de Itabira. Os jornais dizem: o trono está vago, após a morte do "poeta maior". Mas a presença de Drummond está indispensável em cada autor hoje. (C.S.)
BIOGRAFIA DE DRUMMOND
Drummond nasceu em Itabira, pequena cidade do estado de Minas Gerais em 31 de outubro de 1902. Seus pais se chamavam Carlos de Paula Andrade e Julieta Augusta Drummond de Andrade.
O pequeno garoto então ao descobrir o encanto pelas palavras começa realmente a usá-las. No seu primeio colégio, Grupo Escolar Coronel José Batista, seus textos começam a receber os elogios de professores.
Quando jovem, vai trabalhar como caixeiro na casa comercial Randolfo Martins da Costa e seu patrão oferecendo um corte de casimira foi tido como presente valioso para o rapaz que o usara nas reuniões que participava do Grêmio Dramático e Literário Artur Azevedo. E neste local recebe o convite para realizar conferências. Vejam só: um garoto de 13 anos ministrando palestras sobre literatura!
Aos 14 anos vai para um internato em Belo Horizonte. No colégio Arnaldo, da Congregação do Verbo Divino, não termina o segundo período escolar por motivos de doença que o obriga a voltar para Itabira. Para não perder o ano escolar começa a ter aulas particulares e aparecem muitas descobertas.
No ano seguinte, em 1918, já melhor de saúde,
Drummond é matriculado num colégio interno - o Anchieta, da Companhia
de Jesus, na cidade de Nova Friburgo, onde seu talento com a palavra fica cada
vez mais evidente. Seu irmão Altivo, percebendo que o jovem precisa de
incentivo, publica o poema em prosa "Onda" num jornal de Itabira,
Maio.
A vida no internato não é nada fácil para o jovem de 17
anos, que nesta idade se desentende com seu professor de português. A
consequência desse incidente é a sua expulsão do colégio
no ano de 1919, onde era conhecido de "general" por sua maestria.
No ano de 1920, a família Drummond transfere-se para Belo Hoizonte e
o jovem de 18 anos não precisa mais enfrentar aquela ordem que confisca
tempo, que confisca vida. A ida para a capital mineira abre novas portas para
o adolescente. Seus primeiros trabalhos começam a ser publicados no Diário
de Minas, na seção "Sociais", e ele se aproxima de escritores
e políticos mineiros na Livraria Alves e no Café Estrela.
Dois anos depois, recebe um prêmio de 50 mil-réis pelo conto "Joaquim
do Telhado" e publica seus trabalhos na capital federal, no Rio de Janeiro.
Apesar destas realizações na área literária, Drummond,
no ano seguinte, 1923, decide matricular-se na Escola de Odontologia e Farmácia
de Belo Horizonte. O poeta, porém, jamais irá esquecer a profissão
de farmacêutico.
Ainda estudante, em 1925, Carlos se casa com Dolores Dutra de Morais e, retorna
a Itabira com a esposa e leciona geografia e português no Ginásio
Sul-Americano. No ano seguinte, recebe convite para trabalhar no jornal Diário
de Minas como redator e decide retornar a Belo Horizonte.
Em 1928, seu poema "No meio do caminho" é publicado em São
Paulo, na Revista Antropofagia e se transforma num escândalo literário.
O ano de 1928 torna-se marcante para o poeta. Nasce sua filha Maria Julieta
e o poeta vai trabalhar na Secretaria de Educação de Minas Gerais.
Dessa data em diante, Drummond ocupa vários cargos ligados às
áreas de Educação e de Cultura dos governos de Minas e
federal, trabalha nos principais jornais de Minas e do Rio de Janeiro e vai
publicando suas poesias. Em 1942, a Editora José Olympio edita Poesias
e, durante 41 anos, até sua ida para a Editora Record em 1982, suas obras
são publicadas com o selo da editora JO. A fama chega, e Drummond se
torna um dos mais conhecidos autores brasileiros - seus textos são traduzidos
e lidos em diferentes países, tanto que no metrô da cidade de Paris
esteve exposto sua poesia "A vida é grande".
No dia 5 de agosto de 1987 morre sua filha Julieta; 12 dias depois, a 17 de
agosto, falece o poeta.
Drummond deixa crônicas, obras, contos, poesias e um exemplo de vida a
ser seguido por todos nós, onde em palavras ficam os sentimentos pregados
que o vento não leva e a vida sempre nos traz "...a cada instante
de amor".
E agora, José ?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José ?
e agora, você ?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José ?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José ?
E agora, José ?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora ?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora ?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José !
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José !
José, para onde ?
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
Quando eu nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração
Porém meus olhos
não perguntam nada
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucas, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
Se eu me chamasse Raimundo
seria apenas rima, não seria solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabe sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque te amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
Eu preparo uma canção
em que minha mãe se reconheça,
todas as mães se reconheçam,
e que fale como dois olhos.
Caminho por uma rua
que passa em muitos países.
Se não me vêem, eu vejo
e saúdo velhos amigos.
Eu distribuo um segredo
como quem ama ou sorri.
No jeito mais natural
dois carinhos se procuram.
Minha vida, nossas vidas
formam um só diamante.
Aprendi novas palavras
e tornei outras mais belas.
Eu preparo uma canção
que faça acordar os homens
e adormecer as crianças.
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia.
Joaquim se suicidou e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na históoria.
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Natal.
O sino longe toca fino.
Não tem neves, não tem gelos.
Natal.
Já nasceu o deus menino.
As beatas foram ver,
encontraram o coitadinho
(Natal)
maos o boi mais o burrinho
e lá em cima
a estrelinha alumiando
Natal.
As beatas ajoelharam
e adoraram o deus nuzinho
mas as filhas das beatas
e os namorados das filhas,
mas as filhas das beatas
foram dançar black-bottom
nos clubes sem presépio.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
Há calma e frescura na superfície intata.
Hei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder
de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
Como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sobre a face neutra e te pergunta,
sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara: ermas de melodia e conceito elas se refugiaram da noite as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono, rolam num rio difícil e se
transformam em desprezo.
1930 ALGUMA POESIA Belo Horizonte Edições Pindorama
1934 BREJO DAS ALMAS Belo Horizonte Os Amigos do Livro
1940 SENTIMENTO DO MUNDO Rio de Janeiro Pongetti
1942 POESIAS José Olympio Editora
1944 CONFISSÕES DE MINAS Americ-Edit
1945 O GERENTE - Novela Horizonte
A ROSA DO POVO José Olympio Editora
1948 POESIA ATÉ AGORA
1951 CLARO ENIGMA
CONTOS DE APRENDIZ
POEMAS Madrid Ediciones Rialp
A MESA Niteroi Hipocampo
1952 VIOLA DE BOLSO Rio de Janeiro Serv. de Doc. do MEC
PASSEIOS NA ILHA José Olympio Editora
1953 DOS POEMAS Buenos Aires Ediciones Botella al Mar
1954 FAZENDEIRO DO AR Rio de Janeiro José Olympio Editora
1955 SONETO DA BUQUINAGEM Philobiblion
1956 50 POEMAS ESCOLHIDOS PELO AUTOR Serv. de Doc. do MEC
1957 FALA AMENDOEIRA José Olympio Editora
CICLO Recife Gráfico Amador
1958 POETAS DEL SIGLO VEINTE Buenos Aires Ed. Poesía Buenos Aires
1959 POEMAS Rio de Janeiro José Olympio Editora
1962 LIÇÃO DE COISAS
ANTOLOGIA POÉTICA Editora do Autor
A BOLSA & A VIDA
QUADRANTE
1963 POESÍA Santiago de Chile Serie Poesía
1964 OBRA COMPLETA Rio de Janeiro Aguilar
VIOLA DE BOLSO II José Olympio Editora
1965 POESIE Frankfurt Surkamp Verlag
ANTOLOGIA POÉTICA Lisboa Portugália
IN THE MIDDLE OF THE ROAD Tucson University of Arizona Press
1966 NATTEN OCH ROSEN Stockolm Norstedt & Söners Förlag
CADEIRA DE BALANÇO Rio de Janeiro José Olympio Editora
1967 MUNDO VASTO MUNDO Buenos Aires Losada
VERSIPROSA Rio de Janeiro José Olympio Editora
MINAS GERAIS Editora do Autor
UMA PEDRA NO MEIO DO CAMINHO - Biografia de um poema
OBRA COMPLETA Aguilar
JOS
& OUTROS José Olympio Editora
FYZIKA STRACHU Praha Odeon
1968 NUDEZ Recife Escola de Artes
BOITEMPO & A FALTA QUE AMA Rio de Janeiro José Olympio Editora
1969 REUNIÃO
1970 POEMAS Habana Casa de las Américas
CAMINHOS DE JOÃO BRANDÃO Rio de Janeiro José Olympio Editora
1971 SELETA EM PROSA E VERSO
1972 O PODER ULTRAJOVEM
1973 OBRA COMPLETA Aguilar
RÉUNION Paris Aubier Montaigne
1973 LA BOLSA Y LA VIDA Buenos Aires Ediciones de la Flor)
AS IMPUREZAS DO BRANCO Rio de Janeiro José Olympio Editora
D. QUIXOTE - CERVANTES PORTINARI DRUMMOND Fund. R.O. de Castro Maya
1974 MENINO ANTIGO José Olympio Editora
DE NOTÍCIAS & NÃO NOTÍCIAS FAZ-SE A CRÔNICA
1975 AMOR AMORES Alumbramento
1976 POEMAS Caracas Dirección General de Cultura
POEMAS Lima Centro de Estudios Brasileños
SOUVENIR OF THE ANCIENT WORLD London Mark Strand
1977 UYBETBO BA CHETA Sófia Narodna Cultura
POEMS Palo Alto WPA/9
OS DIAS LINDOS Rio de Janeiro José Olympio Editora
OBRA COMPLETA Aguilar
DISCURSO DE PRIMAVERA E ALGUMAS SOMBRAS Record
A VISITA São Paulo Ao Gosto Augusta Edições
1978 70 HISTORINHAS Rio de Janeiro José Olympio Editora
O MARGINAL CLORINDO GATO Avenir Editora
EL PODER ULTRAJOVEN Buenos Aires Sudamericana
AMAR - AMARGO Calicanto
1979 POESIA E PROSA Rio de Janeiro Nova Aguilar
ESQUECER PARA LEMBRAR - Boitempo III José Olympio Editora
1980 THE MINUS SIGN Washington Black Swan Books
GEDICHTEN Amsterdam Uitgerverij de Arbeidenspers
EN ROS AT FOLKET Stockholm Norstedt & Söners Förlag
A PAIXÃO MEDIDA Rio de Janeiro Alumbramento
A PAIXÃO MEDIDA José Olympio Editora
1981 O PIPOQUEIRO DA ESQUINA Codecri
CONTOS PLAUSÍVEIS José Olympio Editora
DOS CUENTOS Y DOS POEMAS BINACIONALES Santiago de Chile Inst. Chileno-Brasileño
de Cultura
O AMOR NATURAL Rio de Janeiro Edição de 2 exemplares feita por
S.S.
THE MINUS SIGN Manchester Parcanet
1982 GEDICHTE Frankfurt Surkamp Verlag
A LIÇÃO DO AMIGO Rio de Janeiro José Olympio Editora
CARMINA DRUMMONDIANA Salamandra
1983 NOVA REUNIÃO José Olympio Editora
COLÓQUIO DAS ESTÁTUAS G. de Holanda
O ELEFANTE Record
1984 CORPO
BOCA DE LUAR
QUATRO VOZES
MATA ATLÂNTICA A&M
1985 60 ANOS DE POESIA Lisboa O Jornal
O OBSERVADOR NO ESCRITÓRIO Rio de Janeiro Record
AMAR SE APRENDE AMANDO
HISTÓRIA DE DOIS AMORES
FRÄN OXENS TID Stockholm Tryckt i Ungern
CONVERSATION EXTRAORDINAIRE AVEC UNE DAME DE MA CONNAISSANCE Paris Métailié
1986 BOITEMPO I & II Rio de Janeiro Record
A BOLSA & A VIDA
BANDEIRA A VIDA INTEIRA Alumbramento
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE and his generation Santa Barbara University of California
TRAVELLING IN THE FAMILY New York Random House
ANTOLOGÍA POÉTICA Madrid Instituto de Cooperación Iberoamericana
1987 O AVESSO DAS COISAS Rio de Janeiro Record
MOÇA DEITADA NA GRAMA
OS DIAS LINDOS
DE NOTÍCIAS & NÃO NOTÍCIAS FAZ-SE A CRÔNICA
UN CHIARO ENIGMA Bari Lusitania Libri
SENTIMENTO DEL MONDO Torino Giulio Einaudi
CRÔNICAS 1930-1934 Belo Horizonte Sec. de Cultura
O PRAZER DAS IMAGENS Fotos de Hugo Rodrigo Octávio e poemas inÈditos
de CDA São Paulo Ed. Hamburg
1988 POESIA ERRANTE Rio de Janeiro Record
1989 DRUMMOND FRENTE E VERSO Alumbramento
ALBUM PARA MARIA JULIETA
AUTO-RETRATO E OUTRAS CRÔNICAS Record
1990 POÉSIE Paris Gallimard
ARTE EM EXPOSIÇÃO Rio de Janeiro Salamandra
AS IMPUREZAS DO BRANCO Record
LITERATURA COMENTADA São Paulo Nova Cultural
1991 CLARO ENIGMA Rio de Janeiro Record
1992 O AMOR NATURAL
CONTOS PLAUSÍVEIS
POESIA E PROSA Nova Aguilar
TANKAR OM ORDET MENNESKE Oslo Solum Forlag
DE LIEFDE NATUURLIJK Amsterdam Arbeiderspers
1993 O AMOR NATURAL Lisboa Europa-América
A PAIXÃO MEDIDA Rio de Janeiro Record
70 HISTORINHAS
1994 DISCURSO DE PRIMAVERA E ALGUMAS SOMBRAS
1995 DRUMMOND - ALGUMA POESIA (http://www.ibase.org.br/~ondaalta/carlos.htm)
WWW
1996 FAREWELL Record
1997 COLEÇAO Verso na Prosa Prosa no verso Record
COLEÇAO Mineiramente Drummond Record