AUTORES CATARINENSES

CONTEMPORÂNEOS

 

ENÉAS ATHANÁZIO

 

O ESCRITOR ENÉAS ATHANÁZIO,

CRONISTA DOS CAMPOS GERAIS

 

Ao estrear, em 1973, com os contos de “O Peão Negro”, Enéas Athanázio trouxe, desde logo, uma nova voz à literatura brasileira, dentro de características que o distinguiram com nitidez no panorama existente. Sendo narrativas regionais, inseriam-se na tradição cultural dos Campos Gerais catarinenses. A fidelidade do autor a esta postura inicial seria depois reafirmada com “O Azul da Montanha”, “Meu chão”, “Tempo Frio”, e tantos outros.“Meu Chão” complementa a trilogia sobre a terra catarinenses, e de uma forma que vem coroar a sua criação literária com a coerência, aliás, de quem domina os seus elementos. Note-se que a segurança de Enéas Athanázio, ao manipular seu material, manifesta-se claramente no equilíbrio que coloca em sua linguagem, onde dosa, de modo conveniente, uma prosa clássica com a inclusão adequada de expressões de uso regoinal. A par disso, sabe o autor, em suas estórias, apreender e compreender o movimento humano em seu difícil relacionamento dentro de uma comunidade determinada. Não fazendo uma literatura meramente subjetiva, de caráter estático, capta o indivíduo em meio a uma paisagem entre acolhedora e inóspita, quando então, conto a conto, vai colocando as estruturas condutoras da vida de toda uma região. As tensões e as sinuosidades da psicologia humana são mostrada em pinceladas que mudam de coloração conforme a luza projetada sobre a situação. A um primeiro olhar, a realidade destas estórias seria simples, mas uma leitura mais atenta revela a intransigência da visão do mundo do autor. Veja-se, neste aspecto, as gradações sutis conseguidas no conto “Ô de Casa”, entre o homem, a paisagem e a violência do epílogo, que explode apenas para abrigar o eterno drama da incapacidade humana de viver em harmonia. Focalizando uma sociedade rural em processo de modificação, o homem, aqui, é um ser visceralmente isolado em meio a seus semelhantes. Observe-se, quanto a isso, a narrativa “Doca Gastura”, pungente pela imagem da inanidade do ser humano perante o que o destrói. Disperso em largas extensões de terra, estes personagens vão, aos poucos, unindo-se em aglomerações onde as diferenças se acentuam de maneira drástica, porque os valores são diversos e inevitavelmente se chocam. O mundo é o resultado de vivências parciais que não se complementam. O conto “O Campanheiro”, apelando para o mito popular, é bem expressivo pela síntese que faz desta colocação do autor. O personagem, que vai pela estrada ao lado de uma espécie de fantasma, numa noite escura, não alcança compreender jamais quem seja realmente o outro. A vida, assim, é vista como algo incerto entre propósitos não de todo compreensíveis. Se é possível captar a base social, relatar as tradições, verificar que a vida in natura vai sendo diluída pela introdução progressiva de hábitos urbanos, como em contos como “Apito na Pirambeira” e “Cata-Jeca”, já a estranheza do mundo só pode ser insinuada pelo aspecto fantástico, como em “Bicharia Assustada”e “Negrinho Feio”. As narrativas de Enéas, misturando drama, humor, violência, têm como tônica dominante um lirismo incontido. Em breves e estarrecedoras tomadas, o homem, em geral, é visto com os olhos do amor e da solidariedade. É uma espécie de luta para entender e dar sentido ao contraditório dos fatos concretos.Em síntese, tendo Enéas Athanázio preferência pelos momentos decisivos, onde, num lampejo, toda uma existência se projeta de modo abrangente, se fosse preciso caracterizar sua obra, diríamos que sua faze mais expressiva é essa consciência segura de seus elementos unida à calma elaboração estética que sabe dar aos mesmos. (Luz e Silva)
Unindo a pesquisa, o estudo e a criação ficcional, Enéas Athanázio projetou-se como um dos mais conscientes, sérios e persistentes homens das letras catarinenses.
 

 

O HOMEM DIVIDIDO: UMA LEITURA DA OBRA
DO ESCRITOR ENÉAS ATHANÁZIO


Cleber Pacheco
Mestre em Literatura Brasileira

"Esse é tempo de partido
tempo de homens partidos."

Carlos Drummond de Andrade

Numa primeira leitura, a obra do escritor ENÉAS ATHANÁZIO parece apontar para uma tendência regionalista, tratando de usos, costumes e tipos do interior do Brasil, mais especificamente do estado de Santa Catarina. Trata-se de um mundo muito bem conhecido e retratado pelo autor. No entanto, num âmbito mais profundo, se realizarmos uma leitura atenta, encontraremos um intenso drama vivido por alguns dos seus personagens e que nos ajuda a entender melhor a sua ficção, bem como refletir a respeito do homem contemporâneo.
Não podemos ignorar a questão regional, muito menos o lado humano presente em seus textos, por isso mesmo, fazer um estudo de ambos é algo perfeitamente cabível e necessário, detectando peculiaridades, idéias e sentimentos próprios do universo ficcional athanaziano.

O Regionalismo

A chamada literatura regionalista não é algo simples, nem apresenta uma característica única, portanto precisa ser abordada em suas diversas vertentes.
O regionalismo romântico de José de Alencar e outros do mesmo período realizavam uma fuga para o passado, tendo como traço marcante a idealização e o pitoresco. O sertanismo é a forma como ele se apresenta então.
Com o surgimento do naturalismo, a questão regional toma um outro rumo, o tom idealista é substituído por uma interpretação da realidade. Resumidamente, pode ser identificado pelos seguintes traços:
a) - O meio físico molda o caráter dos personagens;
b) - O homem vive em função da natureza;
c) - A natureza absorve o papel do homem.
De acordo com SODRÉ (1988, p. 408) "(...) o regionalismo valorizou o elemento popular e, algumas vezes, quando fundiu a linguagem e o tema, alcançou um teor qualitativo importante. Revelou o Brasil aos brasileiros (...)".
Desenvolvendo esta linha e conduzindo-a a um ponto limite, está a obra de Monteiro Lobato, cuja influência podemos captar nos textos curtos de ENÉAS ATHANÁZIO. Em livros como "Erva-Mãe" e ainda em "Tempo Frio" e "O Cavalo Inveja e a Mula Manca", podemos perceber um caráter anedótico nas histórias, com personagens simples, agentes de pequenos acontecimentos, pequenos lances reveladores de sua personalidade e condições, bem como de seus sentimentos, valores e modos de pensar, suas falhas e até maldades. As cidadezinhas com seus tipos e lances cômicos aparecem em situações as mais diversas.
Caso exemplar disso é o conto "Receio Fundado", narrado com economia de recursos, em forma de diálogos. A esposa faz uma consulta para saber se pode trocar de marido. Aparentemente, ela é uma mulher cheia de iniciativa, ousada, querendo tornar sua vida melhor, pois o atual companheiro tem verdadeiro horror ao trabalho, limitando-se a beber e jogar. Mas ao término, acabamos por descobrir que ela havia sido perdida pelo primeiro marido no jogo de cartas e o seu desejo é voltar para ele, a "melhor" opção disponível. O toque tragicômico é que a esposa não percebe o absurdo da situação, expressa ironicamente no título do conto.
Isso está presente no livro "Tempo Frio", apresentando uma visão aguçada, um tanto divertida e até com um toque de simpatia pelas fraquezas humanas e de compreensão pelas pequenas "maldades" cometidas, numa ambigüidade bem explorada pelo autor entre a ingenuidade e a malícia. Excelentes são os contos "Ortografia" e "A Testemunha", entre outros.
Com linguagem precisa e clara, concisão e maestria, o autor desenvolve as histórias revelando por meio de gestos, falas, atitudes, o modo de ser das pessoas por ele retratadas.
Por outro lado, conseguimos detectar uma certa nostalgia e até melancolia nesses mesmos livros. Em alguns contos e novelas posteriores, isso se acentua cada vez mais, tornando complexa e rica a leitura. Se o meio influencia as pessoas, com o passar do tempo, vai ocorrendo uma verdadeira cisão entre o homem e o ambiente, por diversos motivos, tornando-o um ser dividido e angustiado.

O Homem Dividido

Para abordarmos o problema da cisão existencial, é importante primeiro fazermos uma breve avaliação a respeito do herói na literatura. Para isso, teremos como referência o livro "O Herói" (1985) do excelente crítico Flávio Kothe. Nele, o autor analisa que para Aristóteles, os gêneros literários considerados maiores contêm personagens aristocráticos, não oriundos do povo, das classes baixas. Já na poética moderna, o herói adota três posturas bem distintas:
a) - Pela própria iniciativa, busca realizar a ascensão social (e cita personagens como "Robinson Crusoé", de Daniel Defoe, e "Julian Sorel", de "O Vermelho e o Negro", de Sthendal);
b) - Descrença da luta pela ascensão social (como Leopold Bloom, de "Ulisses", de Joyce, e "Madame Bovary", de Flaubert);
c) - Crença na reversão da estrutura social (Etienne, personagem de "Germinal", de Zola).
Fazendo uma contraposição ainda maior, Kothe comenta o percurso do herói antigo e do moderno, revelando que, no primeiro caso, ele ocorre em um momento individual ou grupal entre o alto e o baixo da sociedade. No segundo, há um questionamento da própria estrutura social dividida em classe alta e classe baixa.
Feitas essas considerações, passemos, pois, a analisar as questões pertinentes à obra de ENÉAS ATHANÁZIO.
No livro "Erva-Mãe", encontramos um texto muito significativo: a divisão humana no conto "Sua Majestade." Nele, um autêntico coronel, portanto alguém da classe alta, faz uma espécie de balanço de suas posses. Ele é dono de vastas extensões de terras, de gado e tudo que ali existe, inclusive de pessoas:
"O coronel dorme tranqüilo. Tudo aquilo é seu, tem a escritura das terras e a submissão das almas. Na largueza daqueles limites impera sua vontade soberana" (ATHANÁZIO, 1986, p. 47).
Apesar disso, há uma ameaça latente à sua espreita: as lavouras que se espalham lentamente, ameaçando destruir o seu "reinado." A iminência disso acontecer existe. A certeza da posse, porém, busca distanciamento dessa realidade. A partir daí e somando-se ao nítido contraste da primeira parte do conto, notadamente idílico, compreenderemos, de modo implícito, a falta de percepção e inconsciência do coronel em relação à própria questão da posse.
As descrições da natureza, plantas e animais mostram um mundo à parte, que desconhece totalmente a noção de propriedade. A natureza, embora ameaçada pelo homem, vive a sua existência sem tomar nenhum conhecimento dos valores humanos. É possível ser mesmo dono das cores, do céu, do ar, dos animais e até das assombrações?
A segurança do coronel a respeito do seu poder não é questionada por ele, mas está presente, não exatamente apesar dele e, sim, de modo indissociável a ele, se considerarmos a indiferença do mundo natural com relação ao mundo civilizado aliada à ameaça da modernização econômica que a lavoura representa ao ir minando sorrateiramente o antigo sistema de pecuária extensiva e latifúndios. A dissociação ocorre entre o real e a percepção do real: o coronel recusa-se a ver com clareza o que lhe acontece e a questionar a posse, inclusive de seres humanos. Para ele, isso é algo indiscutível e estabelecido. Seu mundo assim foi organizado e permanecerá até o fim, ao menos no que diz respeito à subjetividade e compreensão da vida. Ou seja, a realidade é uma, a percepção dela é outra. A inconsciência permeia esta relação. Há uma recusa em aceitar outro tipo de interpretação do real: é uma atitude defensiva.
Em outras palavras, o coronel, enquanto herói, já realizou a sua ascensão social, reitera-se e se adequa perfeitamente ao modelo já estabelecido. Está totalmente integrado ao meio social. Já no aspecto regional, mesmo sensível à natureza, admirando-a, o que prevalece é o sentimento de posse, uma atitude de dominação e controle, afastando-o dela. Aí ocorre outra dissociação ou cisão: ele não vive a natureza tal qual ela é ou graças a ela e sim como alguém separado dela por ser o seu proprietário e fazer uso como bem entender. Não ocorre, assim, uma autêntica integração homem/natureza. Ao invés disso, há a preponderância do modelo social e cultural de status e poder sobre o mundo natural. Este, no entanto, nunca se sujeita totalmente ao homem e permanece existindo em sua esfera particular e própria.
Essa inconsciência da separatividade entre dois mundos está presente num outro conto intitulado "O Batizado", do livro "O Cavalo Inveja e a Mula Manca", em que um índio deseja a todo custo batizar o seu filho e integrar-se a uma outra cultura totalmente diversa da sua. Em nenhum momento, a personagem chamada Tipoti questiona o que perdeu da sua identidade indígena ou o quanto perdeu. Quer ser aceito pelo homem branco. E isto lhe basta.
Todavia, o sentimento melancólico já está presente no livro "Erva-Mãe" nos contos "Ubirajara não Veio à Aula", "Melancolia de Todas as Idades" e outros, expressando o sentimento de divisão:
"Querer, de forma vaga, imprecisa, estar lá quando estou aqui e cá quando me encontro lá; querer a companhia de Maria quando converso com Paulo e deste se me encontro com ela; o azul do mar se ando nos campos e o verde destes quando piso as areias brancas da orla (...)" (ATHANÁZIO, 1986, p. 16).
Isso traz um sentimento de desconforto e inquietação, tornados ainda mais intensos na novela de 1989, "A Cruz no Campo". Nesta, a trajetória de Janary Messias é traçada cuidadosamente e leva a um final, não diríamos trágico, mas melancólico.
O início da narrativa faz um contraponto com o seu final. O dia nasce, o sol brilha, há perspectivas positivas e expectativas para as férias que iniciam. Uma viagem acontece. Nela, Janary, advogado bem sucedido profissionalmente, homem de renome, vestido com roupas esportivas, como para viver uma aventura, chega a uma cidade onde se encontra com a nova juíza, mulher casada, e tem um encontro amoroso com ela, que declara ser o advogado um "mito". Admiração, status. Tudo parece bem. A seguir, há o encontro com um amigo e a visita a um bordel. Prazeres. Depois há a defesa inesperada em um júri. Outro contraponto. O réu cometeu um crime por causa de adultério. Janary o defende e consegue a absolvição, sendo que ele próprio acaba de cometer adultério com a juíza, mulher casada. Parece haver aí uma contradição, ou total falta de consciência. Isso mostra ainda o vazio existencial e a falta de sentido da vida que a personagem leva: aparentar, ser aceito socialmente, ter êxito. Aí está a satisfação de Janary. E a sua insatisfação também.
Na fazenda do Taboão, o final da história remete ao fracasso e a uma promessa que não se cumpre.
Quanto mais se aproxima da natureza, maior é o sentimento nostálgico e de desconforto sentido por Janary e claramente percebido por Análio, homem ligado ao meio natural, intuitivo e perspicaz. Nas conversas e no passeio, o advogado percebe o quanto está distanciado no tempo e no espaço de um mundo heróico, representado por tio Pedro, conhecido através dos relatos do amigo fazendeiro.
A percepção de que não pertence àquele ambiente e nem ao outro, dito civilizado, tortura Janary:
"Não pertencia mais a um e nunca pertenceria ao outro" (ATHANÁZIO, 1989, p. 30).
Isso pode ser esclarecido ainda pelo seguinte trecho:
"Aquilo que procurava e que não sabia bem o que era decididamente não estava ali. A mesma inquietação o invadia. Foi tomado por uma tristeza insuportável, dessas que molham os olhos" (Idem, p. 29).
Aí temos a revelação da inadaptação do personagem aos dois mundos, ficando dividido, e sendo dilacerado, simbolicamente representada na cruz marcada na estrada pelos pneus do carro atirado num perau. A insuportável cisão leva à morte, numa tentativa de acabar com o sofrimento.
Todavia, uma outra maneira de sentir-se dividido ocorre em novela posterior por via da relação amorosa.

Amor Dividido

Incapaz de questionar a estrutura social ou adaptar-se totalmente a ela, incapaz de retornar ao seio da natureza, não só a morte resta aos personagens de ENÉAS ATHANÁZIO. O amor pode ser um caminho. Isso não quer dizer sempre uma saída ou impossibilidade de encontrá-la. Tudo depende. Como isso acontece, iremos verificar de ora em diante.
A novela "São Roque da Ventania", de 1993, trata da questão amorosa, mais especificamente, um triângulo amoroso. Só aí já temos uma divisão, que se estende por outros níveis.
Desde a definição ("Novela regional e típica, rurbana e fantástica") até o final, tudo vai apontando para uma cisão com três soluções bem distintas.
A novela é rural por se passar no interior, mas tendo influências da urbanidade. É regional por ter a natureza como elemento decisivo no destino de Cipriano e fantástica, porque este acaba por transformar-se num animal.
Cipriano vive de modo simples, afeito às atividades de um pequeno sítio. É uma pessoa simples. Não se adapta muito bem à rudimentar vila de São Roque. As lidas são duras e rústicas. Ele é um bom filho. Apaixona-se por Trudi, filha de um empresário, ou seja, um representante do mundo moderno.
Trudi é bela, cheia de alegria e espontaneidade. Também é eficiente nos negócios e ajuda o pai. Por sua vez, apaixona-se por Théo (é a única a lidar bem com dois mundos).
Este vem da cidade grande. É o homem sem origem ou ao menos sem raízes. Sai do orfanato, é malandro, gosta de mulheres, não é lá muito honesto e sincero, é uma espécie de "Don Juan", ou um falso "deus" (Theos), um falso messias. Aparenta uma coisa e é outra. Transita entre a realidade e a fantasia. Desloca-se da cidade para o interior. No fundo, não ama ninguém.
Com os desencontros amorosos, os caminhos vão se definindo. Por não ser correspondido, Cipriano vai se tornando rude, irritado e grosseiro. Seu amor por Trudi nunca se realiza e ele adota características animalescas. Por não saber lidar com os seus sentimentos, por sua inadequação ao amor, torna-se um ser pior, desumaniza-se. É um inadaptado, cindido pela rejeição, por não saber viver as situações, com a sociedade, com as pessoas e os próprios sentimentos. No seu caso, o amor brutaliza. Está ligado ao erotismo, ao desejo, à necessidade de posse.
No caso de Théo, tudo permanece como sempre foi. Por ser incapaz de amar verdadeiramente, a ele interessa apenas a conquista, a lascívia. Nenhuma mudança ocorre. Ele se limita a trocar de mulher e explorá-la conforme lhe convém.
Trudi é a única que realmente ama. Ela torna-se alguém melhor, mesmo sendo rejeitada por Théo. Aumenta o seu altruísmo, dedica-se aos outros com pureza de intenções e enfim encontra alguém capaz de corresponder aos seus sentimentos.
Assim sendo, o amor pode tanto dividir quanto somar e somente quando é autêntico, sem nenhum laivo de egoísmo, pode trazer o fim das dissensões, das dualidades. Neste caso, ele apresenta uma possibilidade de redenção ao dissolver conflitos e aproximar mundos aparentemente distintos.

Considerações Finais

Tratando a respeito do homem dividido, com dificuldade de se adaptar ou romper com os padrões, o escritor ENÉAS ATHANÁZIO cria, em sua ficção, uma literatura com lances dramáticos, em busca de diversas soluções para resolver impasses.
Seu regionalismo não se limita ao pitoresco, nem ao típico ou ao saudosismo. Isso tudo é substituído pela melancolia, pelo conflito e a busca nem sempre frutífera de encontrar caminhos para o homem já distante da natureza e resistente a aceitar de modo passivo as imposições da estrutura social vigente.
Se existem lances cômicos, beirando à anedota, também há uma visão aguçada dos conflitos sociais e individuais, demonstrando que nem sempre a subjetividade humana consegue encontrar uma maneira de expressar os seus anseios mais íntimos num meio onde as aparências e o jogo social sufocam o indivíduo, impossibilitando-o de encontrar-se e de obter a harmonia e a completude tão desejadas.
A possibilidade de vencer as próprias limitações, a máscara social e o mundo dividido interna e externamente (na questão do afastamento do autêntico oriundo da cisão homem/natureza e da questão social, na separação entre classe alta e baixa), é, segundo o autor, o altruísmo, ou ao menos está em nossa capacidade de percebermos a alteridade.

Referências Bibliográficas

ATHANÁZIO, Enéas. Erva-Mãe, S. Paulo, Editora do Escrito, 1986.
Tempo Frio, S. Paulo, Editora do Escritor, 1988.
A Cruz no Campo, S. Paulo, Editora do Escritor, 1989.
São Roque da Ventania, Blumenau, Editora Minarete, 1993.
O Cavalo Inveja e a Mula Manca, Blumenau, Editora Minarete, 2001.
KOTHE, Flávio. O Herói, Série Princípios, S. Paulo, Editora Ática, 1985.
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Literatura Brasileira, 8a. ed., Rio de Janeiro, Editora Bertrand Brasil S/A, 1988.

 

ENÉAS ATHANÁZIO - CIDADÃO DO PIAUÍ

Apreciando projeto de autoria do Deputado Homero Castelo Branco, aprovado por unanimidade, a Assembléia Legislativa do Estado do Piauí acaba de conferir ao escritor catarinense Enéas Athanázio o título de Cidadão Piauiense Honorário. Segundo a justificativa, a honraria foi concedida em reconhecimento à divulgação que vem sendo feita pelo agraciado, há longos anos, do Estado do Piauí, sua terra, sua gente, sua cultura e, acima de tudo, de sua literatura, através de livros, revistas e jornais de vários pontos do País. O autor do projeto contou com a experiente assessoria literária do escritor Herculano Moraes e com o apoio dos escritores M.Paulo Nunes e Francisco Miguel de Moura, entre outros. A solenidade para entrega do diploma deverá acontecer após as eleições, em Teresina. Comovido com tão espontânea homenagem, Enéas Athanázio agradeceu pelo reconhecimento demonstrado pelos piauienses, através de seus representantes, declarando que espera ser digno da cidadania recebida e que pretende manter uma ponte permanente entre os dois Estados - o natal e o adotivo.

 


Um conto de Enéas Athanázio:


REFORMA AGRÁRIA

Numa roda animada, na calçada da praça, o advogado pregava com entusiasmo a necessidade de fazer a reforma agrária no país.
Apelando para estatísticas e opiniões de entendidos, afirmava a urgência dessa reforma para evitar graves problemas sociais, distribuindo a terra desocupada àqueles que queriam plantar e não tinham meios.
Os ouvintes se dividiam, uns concordando, outros objetando. Mas o doutor, com mil argumentos e gestos, esmagava as discordâncias até que ficou falando sozinho, dono do assunto.
A prosa foi mudando de rumo e a roda aos poucos foi se desfazendo. O relógio da igreja deu as horas. Acendendo um cigarro, o doutor rumou para o escritório.
Um caboclinho que estava por ali, ouvindo em silêncio a pregação reformista, aproximou-se dele, tímido e desajeitado. Pegou-lhe a manga do casaco.
- Descurpe, doutor – foi dizendo ele – eu percisava duma informação... Meio irritado por ser abordado na rua, assim sem cerimônia, ia o advogado esculhambar o atrevido e dizer que só atendia no escritório, mas a figura mal vestida, parada humilde a sua frente e olhando para ele, afastou a irritação. Parou.
- Pois não. Pode perguntar.
- Escuite, seu doutor, - indagou o outro com a maior simplicidade – a gente pode vender a terrinha que ganha na reforma?
       

                                                            
O PERTO E O LONGE

Por Luiz Carlos Amorim


 
Depois de ler o livro “O Perto e o Longe”, do Dr. Enéas Athanázio, a primeira coisa que me ocorreu foi o quanto encaixou com perfeição o título escolhido.Eu me senti tão perto de personalidades marcantes da literatura brasileira, como Rangel, Lobato, Barreto, Montelo, Mário de Andrade e outros, alguns já tão longe no tempo, mas presentes através da sua obra.
Conheço o Dr. Enéas e sei que ele é uma daquelas pessoas que fala e diz, que olha e vê. E ele sempre surpreende a gente com um trabalho ainda melhor que o anterior. Sou fã incondicional do conto, gênero que ele domina tão bem, mas confesso que lia os ensaios sem dar a essa modalidade literária, talvez, o devido valor.
“O Perto e o Longe” me prendeu do começo ao fim, pela elegância, pela fluidez e pela maestria na narração. Talvez a minha falta de interesse pelo não contemporâneo, até aqui, tenha feito com que me deliciasse ainda mais com os ensaios contidos na livro.Aprendi muito, tomei conhecimento de fatos literários importantes, como por exemplo, o inusitado de um autor estrangeiro ter escrito uma obra espetacular sobre Canudos: “A Guerra do Fim do Mundo”, de Vargas Llosa.Tive notícias sobre o teatro de Lima Barreto, gênero que nem sabia que o escritor tinha praticado. Conheci Silvio Meira, tradutor maior, que verteu para o português “Fausto”, de Goethe – eu li a tradução, publicada pela Abril Cultural, na coleção Teatro Vivo e não atentei para o seu tradutor.Através de “O Perto e o Longe”, soube de Ascendino Leite, que soube, segundo Enéas, escrever como ninguém o gênero diário, pouco praticado entre nossos escritores.Entendi a reação explosiva e insólita de Lobato, em relação à exposição de Anita Malfatti, em 1917, que praticamente destruiu a carreira do artista. Torci para que as respostas de Rangel às cartas de Lobato viessem a ser publicadas, embora isso seja quase impossível, pois Rangel manteve a decisão de não leva-las a público, antes de morrer.
E sobre muito mais eu tomei conhecimento, com este livro estupendo, publicado pelo nosso mais serio e perseverante pesquisador das coisas literárias, o Dr. Enéas Athanázio.
E mais, ainda: tive inúmeras indicações de boa leitura, para me aprofundar mais no que fui iniciado.
“O Perto e o Longe – Viagens Literárias” – e um livro que todos os apreciadores da boa literatura e os iniciantes ou não no ofício de escrever deveriam ler. 

 

 

DUAS VEZES ENÉAS

Recebemos o livro "Duas Vezes Enéas", com ensaios do professor Guilherme Queiroz de Macedo, de Belo Horizonte, Minas Gerais, sobre o escritor catarinense Enéas Athanázio. São dois ensaios escritos sobre a trajetória literária do ficcionista e ensaísta catarinense. O primeiro ensaio traça um painel geral da carreira literária de Enéas Athanázio, relacionando-a com as outras atividades que vem desenmvolvendo no campo dos estudos jurídicos, do magistério e editoriais, junto aos quais vem se consolidando a sua criação ficcional e ensaística.

O segundo ensaio trata especificamente das obras nas quais realizou estudos pioneiros e fundamentais sobre três grandes ficcionistas brasileiros: Monteiro Lobato, Godofredo Rangel e Lima Barreto.

 


SÃO ROQUE DA VENTANIA

Por Luiz Carlos Amorim


Este o título de outro livro do ensaísta e contista Enéas Athanázio, a sua estréia no gênero novela – e quando dizemos novela, falamos do gênero literário, nada a ver com aquilo que a televisão mostra.Trata-se de uma novela regional, rural, típica, urbana e fantástica, como o próprio subtítulo do livro indica. Mas trata-se, sobretudo, do registro da vida no interior de Santa Catarina, feito por um escritor/observador especialista em retratar com fidelidade as coisas do campo e da gente simples e humilde, mas autêntica, do interior do estado.
E como não poderia deixar de ser, vindo de alguém tão competente na arte de escrever, o quadro se completa com a fidelidade lingüística, com as personagens falando como realmente falam as pessoas que vivem no campo e nas pequenas cidades.
“São Roque da Ventania” é uma história de gente da terra contrastando com a gente da cidade, é a história de como o coração é mais coração na pureza dos pés no chão. E o toque do fantástico, de como o amor pode transformar as pessoas, dá o toque de mestre na obra.O Dr. Enéas é um exímio contador de histórias, talvez o melhor contista de SC e sua incursão pela novela, esse gênero literário vizinho do conto, foi muito feliz. Dá gosto ler.


 
ENTREVISTA DO ESCRITOR ENÉAS ATHANÁZIO
AO SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA EM 89


A ILHA – Dr. Enéas Athanazio: com dezenas de obras publicadas e circulando, o senhor é um escritor conhecido?E. Athanázio – No Brasil, quem assina artigos nos suplementos literários não fica, em geral, conhecido. E os livros não suprem essa falha porque não existe o hábito da leitura. Não penso nem de longe concorrer com os deputados, mesmo que algum deles seja “pianista”, nem com esses políticos que nunca dizem o que pensam e sim o que convém, pois eles têm espaço certo na imprensa. Mas considerando que sou um escritor provinciano (isto é, vivo fora do eixo Rio-São Paulo), não posso me queixar. As pessoas ligadas nessas coisas de letras em geral me conhecem e aumenta sempre o número de cartas que recebo. De qualquer forma, o que importa é que a obra seja conhecida e não o autor. Embora muito escritor se julgue cantor popular ou artista de TV, que deva ser ovacionado sempre que sai à rua, isso é um equívoco.A ILHA – O que repercute mais na sua obra: o conto ou o ensaio?E. Athanázio – Sem dúvida, o conto. O ensaio, no Brasil, tem reduzido contingente de leitores. Em Santa Catarina, então, não é bom nem falar. Às vezes eu até imagino que sou o único leitor do gênero nestas bandas, pelo menos não vejo ninguém escrever ou comentar ensaios, embora muito gente a ele se dedique no País. Os meus ensaios repercutem lá fora, em outros Estados, como aconteceu com a biografia de Godofredo Rangel, o livro sobre o Lima Barreto e os trabalhos a respeito de Monteiro Lobato. Este último mereceu referência no livro “De Jeca a Macunaíma”, de Vasda B. Landers, professora da Colúmbia University, escrito nos Estados Unidos. E o meu livro “A Pátina do Tempo” foi citado por mestre Wilson Martins na sua coluna do Jornal da Tarde. Luz e Silva fez uma extensa análise dessa minha produção ensaística que a Fundação Casa Dr. Blumenau publicou numa plaqueta.A ILHA – Como o escritor Enéas Athanázio vê a Literatura Catarinense de hoje? (hoje – março de 89)E. Athanázio – Não vejo com bons olhos. Os livros surgem, mas nada de novo acontece. Muitos se repetem e outros tendem a inovar, sem sucesso. Também não existe crítica; quase tudo, com uma ou outra exceção, se resumindo em notinhas. Não há críticos, há notistas, mesmo que a crítica também seja um gênero exigente, que dá trabalho e exige esforço. O livro catarinense não encontra espaço, ocupado pelos best-sellers, que viveram muito bem sem esses espaços e que, no entanto, entram com uma força avassaladora. Nereu Correa e Salim Miguel acabaram com suas colunas. Só Lauro Junkes e eu persistimos, como dois abencerragens a acreditar numa coisa em que ninguém mais parece acreditar: a literatura. Mas, como a esperança é a última que morre, ainda conservo um fiapo de fé no futuro e no aparecimento de novos e autênticos valores no panorama das letras catarinenses.(Nota: estamos publicando esta entrevista, dada a dez anos atrás, por constatarmos o quanto ela continua atual, como se fosse feita hoje.

Entrevistamos o escritor de novo em 2000 e aqui está a atualização para comparação:

 

ENTREVISTA COM ENÉAS ATHANÁZIO – DEZ/1999

 

A Ilha – Com 42 títulos publicados, ensaios e contos em jornais e revistas por todo o Brasil, o senhor é um escritor conhecido?

Dr. ENÉAS – É difícil avaliar o quanto se é conhecido. Eu diria que tenho círculos de conhecimento e leitores esparsos, a julgar pelas cartas e outras manifestações que recebo. Seria pretensão dizer que sou um autor conhecido. Nosso Estado, infelizmente, não tem um só escritor que seja conhecido mesmo.A Ilha – O que representa mais a sua obra, o conto ou o ensaio?Dr. ENÉAS – Eu me considero um ficcionista voltado mais para o conto. O ensaio foi algo que aconteceu por acaso e cresceu em face das circunstâncias, inclusive o desejo de divulgar obras de outros. Mas existe quem considere o ensaio a parte mais importante. Deixemos, portanto, que o leitor decida.A Ilha – Como o senhor vê a literatura catarinense hoje?Dr. ENÉAS – Publica-se muito mas pouco existe de real expressão. Ainda esperamos que surja um autor que conquiste o país, como um Érico Veríssimo no Rio Grande ou um Jorge Amado na Bahia. Mas os anos passam e vou perdendo a esperança de que isso aconteça. No regionalismo campeiro, depois de Márcio Camargo Costa, não apareceu mais ninguém; continuamos os mesmos gatos pingados.A Ilha – O senhor acha que a informática pode ser uma aliada ou pode ser prejudicial à literatura ou ao livro como o conhecemos até hoje?Dr. ENÉAS – Na última Bienal Internacional do Livro, em São Paulo, esse assunto foi muito discutido e até acompanhei alguns debates A conclusão é aquilo que sempre pensei: ela será uma aliada da literatura e do livro, divulgando e informando, mas o livro continuará. Nunca se publicou tanto como agora, no mundo e no Brasil.A Ilha – No final de seu mandato como vice-presidente da União Brasileira de Escritores (UBE-SC), que diria da instituição?Dr. ENÉAS – Apesar das dificuldades, a UBE realizou bastante. Mesmo que certas coisas não nos agradem muito, ela é necessária como órgão representativo dos escritores catarinenses. Por isso, apelo a todos para que se filiem permitindo que todas as regiões do Estado estejam representadas na entidade.

 

MAIS DOIS LIVROS DO AUTOR

(LCA)

Enéas Athanázio é um nome conhecido e respeitado no estado de Santa Catarina e pelo Brasil, pela sua obra que chega amais de 40 titulos, hoje, e pelos ensaios, contos, crônicas a artigos que publica em jornais e revistas pelo Brasil afora. Não é à toa que se chega onde o Dr. Enéas chegou. Ele é, talvez, o mais importante contista do nosso Estado, sem falar que é um ensaísta dos mais sérios, investigativos e produtivos. Acabo de ler mais dois novos livros dele. Um é "A Gripe da Barreira - Causos do Ermo", mais um volume de contos, gênero em que o autor é mestre. O livro prossegue, segundo o próprio contista, na tentativa de formar um painel dos Campos Gerais, como nunca se fez antes, registrando através da ficção o que a região tem, ou tinha, de característico ou diferente. Como disse um crítico, é um "roman-fleuve" em que cada conto é novo capítulo do mesmo romance ambientado na região serrana de Santa Catarina, em geral desconhecida e esquecida. É muito interessante a habilidade com que o autor conduz a sua narrativa, de maneira que o leitor consegue se situar no meio do fato se desenrolando, olhando para cenários, para personagens, sentindo cheiros, ouvindo sons. Dá prazer ler os "causos" da região dos Campos Gerais, a terra do Dr. Enéas. Eu dei gargalhadas sozinho, ao ler "A Visita do Bispo". Não sei se o fato narrado aconteceu realmente, mas eu visualizei a situação e o autor fez com que eu a visse hilária, muito divertida mesmo, evidenciando quão importante é saber contar histórias. O outro é "O Regionalismo Passado a Limpo", um resumo do que o autor leu e pensou sobre o regionalismo, também muito mal conhecido, assunto sobre o qual tanto ele tem escrito e falado. Os livros podem ser solicitados diretamente ao autor: Dr. Enéas Athanázio, Caixa postal 418 - 88330-000 - Balneário Camboriú(SC)

 

CRÔNICAS DO MEIO NORTE

Foi lançado, em meados de 2000, mais um livro do profícuo escritor catarinense Enéas Athanázio. Trata-se de "FAZER O PIAUÍ - Crônicas do Meio-Norte", 112 páginas, publicado pelas Edições Minarete.
Leitor e viajante incansável, Enéas Athanázio mantém contatos com escritores de todo o país, sempre escrevendo sobre suas obras. Antes mesmo de sua primeira visita ao Piauí, já analisara livros de autores daquele Estado em artigos críticos estampados na imprensa. Essa atividade, desde então, nunca cessou, intensificando-se ainda mais após suas andanças piauienses, comentando obras de várias épocas e gêneros diversos. É essa produção que o autor reúne nesse novo livro, homenageando o Piauí, terra que aprendeu a admirar e tem tantos e tão fraternos amigos. Pedidos do novo livro do autor para o endereço Av.Brasil, 692/704 - 88330-000 Balneário Camboriu-SC.

 

CONTOS E NOVELA ATHANAZIANOS


Saíram, pela Editora Minarete, de Blumenau, dois novos livros do escritor Enéas Athanázio, talvez o maior representante das letras catarinenses por este Brasil afora. Trata-se de "O Cavalo Inveja e a Mula Manca", coletânea de contos, gênero no qual o autor é mestre. São histórias curtas, curiosas e gostosas, contadas com uma desenvoltura e uma simplicidade como se agente estivesse conversando e ouvindo Dr. Enéas contá-las pra gente.O estilo dinâmico, a temática centrada na vida de gente como a gente, de gente da terra da gente, confere à obra deste contista de mão cheia o sabor de autenticidade, de verossimilhança, até de cumplicidade do leitor. O outro livro, "A Liberdade Fica Longe", uma novela onde se percebe as mesmas qualidades do contista, mais a capacidade de manutenção da excelente narracão, o autor engendra uma pequena grande história que poderia ser verdadeira hoje, ontem ou amanhã. Com competência e graça em todos os sentidos, ele usa um vocabulário simples e rico ao mesmo tempo, integrando com maestria termos regionais interessantíssimos, que quase não ouvimos em centros urbanos. A leitura da obra de Enéas Athanázio é cada vez mais prazerosa e podemos recomendá-la com a maior segurança.

 

AS ANTECIPAÇÕES DE LOBATO

O ano literário de Enéas Athanázio começou bem cedo. Além de editar o jornal da União Brasileira de Escritores de Santa Catarina, ele publicou, nos primeiros dias de 2002, o seu novo livro "AS ANTECIPAÇÕES DE LOBATO E OUTROS ESCRITOS". Um dos maiores estudiosos de Lobato, ele nos traz, neste livro, mais ensaios sobre Lobato, Rangel, Cendrars, etc. Como sempre, um volume de conhecimento, fruto de estudo e pesquisa.

 

"JORNAL DO ENÉAS":
UM JORNAL SEM PRECONCEITO

Por Luiz Carlos Amorim

O “Jornal do Enéas” é, como o próprio editor – o escritor Enéas Athanázio – o identificou, um boletim cultural independente. Independente porque não está atrelado à “cultura oficial”, de nenhuma maneira, e também porque quem financia as suas edições, via de regra, é o seu criador e mantenedor. Quando quase todos os espaços literários e culturais minguavam e desapareciam, nascia o “Jornal do Enéas”, despretensioso mas eficiente, de excelente qualidade e de alcance invejável.
Nas suas oito páginas tamanho ofício, o jornal, que não tem periodicidade fixa, mas que já está na edição número 13, publica poemas, contos, crônicas, ensaios, resenhas, charges e desenhos de gente de todo o Brasil. E do exterior, também.
A publicação tem circulação dirigida, por mala direta, com tráfego livre por todo o país e por alguns endereços internacionais. Não tem preconceito de qualquer natureza. Para constar das páginas do “Jornal do Enéas”, basta que a produção do artista tenha qualidade.
O editor, Dr. Enéas, já publicou muitas resenhas, crônicas e ensaios em revistas, jornais, antologias e nos seus livros solo, sobre autores, obras e pessoas que conheceu em suas muitas viagens pelo Brasil afora. Já publicou, por mais de doze anos, em jornais do norte catarinense, uma página literária onde reunia textos seus e de outros escritores, do estado ou não. Faz um trabalho na mesma linha para a revista Blumenau em Cadernos, há décadas.
O “Jornal do Enéas” continua, portanto, essa tradição do escritor Enéas Athanázio, dos campos de Lages, de dar espaço à boa literatura.
Um dos melhores espaços do gênero, é bom que se frize. Para conhecer essa publicação, entre em contato com o Dr. Enéas Athanázio, pelo mail e.atha@terra.com.br ou pela caixa postal 418 - 88330-000 - Balneário Camboriú - SC.

 

CRÔNICAS ANDARILHAS

Saiu mais um livro de crônicas do escritor Enéas Athanázio, "CRÔNICAS ANDARILHAS", pelas edições Minarete. Trata-se, como o próprio título indica, de um livro de crônica. É um livro alentado, de 196 páginas, com um conteúdo gostoso e interessante e uma apresentação impecável. Como o próprio autor diz, em uma das orelhas do livro, ele reúne naquele volume "um punhado de crônicas inspiradas em andanças minhas e de outros autores, e até em viagens imaginárias. Dr. Enéas conhece o Brasil de ponta a ponta. Vale a pena viajar com ele essas "viagens literárias".Pedidos para o autor: Caixa postal 418, CEP 88330-000, Balneário Camboriú, SC.

Em Tempo: Saiu o número 11 do Jornal do Enéas, o Boletim Cultural Independente, recheado de poesia, crônicas, contos, ensaios e muita informação cultural e literária. Quem não conhece, vale a pena entrar em contato com o editor, no endereço acima.

 

 

ENÉAS ATHANÁZIO: ENTREVISTA SOBRE NOVO LIVRO

Enéas Athanázio, contista, cronista, ensaísta, escritor respeitado em todo o Brasil, é também advogado e promotor aposentado. Ele acaba de lançar mais uma obra sobre direito, o livro "Direito Internacional Público - Noções Elementares", sobre o qual ela fala:

A ILHA: O que o levou a escrever um livro sobre Direito Internacional Público?
Enéas Athanázio: Sempre gostei do Direito Internacional, disciplina que julgo fascinante. Fiz leituras periódicas dos livros que surgiram e contemplei com atenção o panorama mundial através da imprensa, procurando me manter atualizado. Numa visita ao Prof. Pinto Ferreira, então diretor de uma revista jurídica, fui convidado a escrever para a revista dois ensaios sobre Direito Internacional. Escrevi então o núcleo do que hoje constitui os capítulos I IV. Nesse meio tempo, o mestre adoeceu e deixou a direção da revista. Os ensaios ficaram abandonados na gaveta.
A ILHA: E depois, o que aconteceu?
Enéas Athanázio: Relendo aqueles originais, meses depois, percebi que poderiam se tornar matérias para um livro, desde que ampliados e atualizados. Foi o que fiz, escrevendo também os capítulos II e III. Este último me deu um trabalho imenso, pela quantidade de leituras a que me obrigou. Procurei dar ordem e sentido de conjunto e o resultado me pareceu bom o suficiente para justificar o livro. Ressalvo que não é um tratado e nem sequer um manual, mas apenas noções elementares. Não me estendi em minúcias técnicas e filigranas sempre abordadas nos livros existentes. Seria repisar com menor brilho o que já ensinaram os grandes mestres.
A ILHA: Você julga oportuno, neste momento vivido pelo mundo, publicar um livro sobre Direito Internacional, disciplina hoje tão desacreditada?
Enéas Athanázio: Mais oportuno que nunca. É nestes momentos caóticos que o Direito Internacional, a ONU e outras Organizações Internacionais precisam ser estudadas, conhecidas e prestigiadas. Não será a presença de governantes prepotentes, por poderosos que sejam, que nos levará a abdicar da busca da paz perpétua com que sonhava Kant. Esses homens passarão e o mundo continuará. O Direito Internacional, a ONU e as demais Organizações Internacionais são conquistas obtidas com muita luta e sofrimento na tentativa de colocar a ordem mundial sob a lei. Sua abolição ou enfraquecimento seria o retorno à barbárie, coisa que, acredito, ninguém possa desejar.

 

OITENTA E TANTAS LÉRIAS


por Luiz Carlos Amorim

O volume dois de "Fiapos de Vida" - Oitenta e Tantas Lérias é o mais recente livro de crônicas e contos do escritor catarinense Enéas Athanázio. Já disse antes e volto a afirmar, Dr. Enéas é, talvez, o mais importante contista, cronista e ensaísta catarinense, conhecido e respeitado por todo o Brasil. Isso sem contar que a sua obra já tem incursões por outros países.
Então recebo "Fiapos de Vida II" e começo a ler as oitenta e tantas "lérias" do escritor. E não me surpreendo, porque conheço toda a obra do Dr. Enéas, mas sinto ainda mais leveza, mais sabor, um estilo elegante e sóbrio, um domínio cada vez mais completo no saber contar, em dividir experiências e descobertas, em lapidar a palavra com singeleza e perfeição, sem rebuscamentos pedantes e pretenciosos.
São oitenta e tantos textos que, sem exagero, dão prazer ao leitor. Alguns curtos outros mais longos, eu diria que todos são crônicas, mas pode-se dizer que são crônicas e contos.
Mas todos com a mesma caraterística que sempre encontramos no autor: a fluidez, a objetividade e o conteúdo. E o bom humor, na crônica dos fiapos de vida, paralela à seriedade da pesquisa e do conhecimento das crônicas sobre cultura e literatura, que informam e ensinam.
Até poesia há em "Fiapos de Vida": o autor, ao escrever sobre alguns escritores e comentar-lhes a obra, transcreve peças importantes de um ou outro.
É um livro abrangente, pois fala dos campos catarinenses, fala de diversos lugares que o autor visitou, pelo
Brasil afora, em suas tantas viagens e fala de escritores de diversos pontos do país.
Há que se ter o prazer de ler as oitenta e tantas lérias de Enéas Athanázio.


ENÉAS ATHANÁZIO: UM SENHOR ESCRITOR

Por Filemon F. Martins

O Sr. José Enéas César Athanazio nasceu em Campos Novos, Santa Catarina, no dia 28 de março de 1935. Poeta, contista, cronista, biógrafo, crítico literário, pesquisador, promotor de justiça aposentado, autor de inúmeros livros, entre os quais "O Peão Negro", "3 Dimensões de Lobato", "O Azul da Montanha", "Godofredo Rangel - Biografia", "Meu Chão", "Tapete Verde", "Figuras e Lugares", "A Pátina do Tempo", "O Amigo Escrito", "São Roque da Ventania" (novela), "Silvio Meira - Breves anotações sobre sua obra" e tantos outros.
Li "São Roque da Ventania", "Vida Confinada", "Silvio Meira" e o excelente "O Amigo Escrito", além de alguns artigos esparsos do escritor catarinense. Observa-se, no entanto, que nos seus livros há pouca ou quase nenhuma informação sobre o autor, o que é uma pena, porque esta prática dificultará o trabalho do pesquisador do futuro. Se hoje já é bastante difícil levantar dados, pesquisar, quando estes não estão presentes no livros, imaginem no futuro. Em "São Roque da Ventania" o autor pinta com cores vivas a novela da própria vida, não uma novela televisiva, mas no sentido real, narrando de forma magistral o linguajar, os hábitos e costumes usados nas fazendas e no interior do estado de Santa Catarina. Aliás, desde sua estréia, em 1973, com o livro "O Peão Negro", que o escritor Enéas Athanázio, com seus contos regionais, vem se destacando com brilhantismo no panorama das letras de Santa Catarina e do Brasil. O escritor Benedicto Luz e Silva, certa ocasião, escreveu: "Note-se que a segurança de Enéas Athanázio, ao manipular seu material, manifesta-se claramente no equilíbrio que coloca em sua linguagem, onde dosa, de modo conveniente, uma prosa clássica com a inclusão adequada de expressões de uso regional."
O crítico literário Fernando Tokarski, do jornal "Transparência", da Universidade do Contestado, Canoinhas, afirma: "Em textos breves, o mais importante escritor regionalista catarinense repete com "Fiapos de Vida" o êxito de seus livros anteriores. Textos enxutos, caracterizados pela linguagem rural, compõe esta obra de fácil e agradável leitura. São mais de quarenta breves histórias retratando a vida campeira e os enlevos forenses."
Competente e talentoso, o Dr. Enéas Athanázio vai construindo, aos poucos, uma obra fabulosa e, sobretudo, fazendo justiça, como é o caso do livro "O Amigo Escrito", em que o autor descreve um pouco da vida e obra do grande escritor mineiro José Godofredo de Moura Rangel, autor de "Vida Ociosa" e "Falange Gloriosa", entre outros, recordando, inclusive, suas andanças em São Paulo. Quando jovem e estudante de Direito, foi nomeado e trabalhou como escrivão de uma sub-delegacia no Posto Policial do Brás, mais precisamente na Avenida Celso Garcia, tendo se transferido, posteriormente, para o novo Posto Policial do Belenzinho e residido na rua 21 de Abril, no nostálgico Bairro do Brás, onde "dormia, escrevia e lia incessantemente", conforme Enéas Athanázio, citando Edgard Cavalheiro em "Monteiro Lobato - Vida e Obra".
O livro é interessantíssimo e traz preciosas informações sobre o escritor mineiro, aborda a correspondência com Monteiro Lobato, o trabalho assoberbado do Juiz em conflito com o talento literário. Faz uma rápida análise das obras de Godofredo Rangel, resgatando a memória do escritor.
O dicionarista Mário Ribeiro Martins, no livro Dicionário Bibliográfico do Tocantins, faz referência ao livro "Fazer o Piauí - Crônicas do meu Norte", onde Enéas Athanázio, no capítulo "Veredas do Tocantis" faz uma análise criteriosa do livro de contos "Veredão", do escritor tocantinense Moura lima.
Atualizado, politizado e culto, o escritor catarinense foi um crítico ferrenho do governo de Fernando Henrique Cardoso. Hoje, não sei, mas pelo rumo que tomou o governo do Partido dos Trabalhadores, creio, Enéas Athanázio continua sendo crítico "sem papas na língua".
Seus trabalhos literários estão publicados em vários jornais, revistas e antologias do Brasil e exterior, como por exemplo: "Antologia Del-Secchi", de Roberto de Castro Del´Secchi, "Nossa Mensagem", do saudoso Aparício Fernandes, 1977 - página 117, "Literatura - Revista do Escritor Brasileiro", nº 10, páginas 32 a 34 - junho de 1996.
Presente no Dicionário Bibliográfico do Tocantis, página 842, do sociólogo Mário Ribeiro Martins, procurador de justiça aposentado. É verbete da Enciclopédia de Literatura Brasileira, de Afrânio Coutinho, edição do MEC, 1990, com revisão de Graça Coutinho e Rita Mousinho, edição revista e atualizada em 2001.

 

DE SANTA CATARINA PARA O BRASL

José Afrânio Moreira Duarte

Embora sem mudar-se nunca do seu bem amado Estado de Santa Catarina, onde foi Promotor em várias comarcas, até aposentar-se já no final de carreira, em Florianópolis, Enéas Athanázio conseguiu projetar seu nome como intelectual de respeito através do Brasil que já conhece quase todo, visto que uma de suas diversões prediletas é viajar.Atualmente reside em Balneário Camboriú.
Dedica-se primordialmente ao conto e ao ensaio literário, colaborando ativamente na imprensa catarinense mas também na de muitas outras unidades da Federação.
Estreou em livro em 1973 com a ótima coletânea de contos intitulada "O Peão Negro", a que se seguiram numerosos outros, tanto de ficção quanto de ensaio, sendo que hoje sua obra literária já ultrapassa trinta títulos individuais, mas ele participou também de numerosas antologias.
Como contista, Enéas Athanázio é um excelente cultivador do regionalismo, focalizando múltiplos aspectos do interior catarinense que ele tão bem conhece. Para fazer um enfoque completo da vasta obra de Enéas Athanázio seria preciso escrever um livro inteiro. Como o meu objetivo é apenas escrever um artigo de jornal, vou tomar para exemplo apenas dois de seus livros mais recentes, "O Cavalo Inveja e a Mula Manca" e "A Liberdade Fica Longe."
Como de hábito nos trabalhos ficcionais de Enéas Athanázio, os contos inseridos em "O Cavalo Inveja e a Mula Manca" parecem tirados da vida real, aparentando fatos verídicos transformados em literatura. Se as histórias não são verídicas, são muito verossímeis.
Enéas Athanázio escreve sempre num português impecável. Seu estilo, despretensioso e simples, é encantador, original e cativante, como comprovam os seguintes excertos:
"Perdida num desvão entre o rio e a serra, a Vila do Calmoso vegetava em silêncio, esquecida do mundo. Só se agitava um tanto nas chuvaradas, quando o rio saía da caixa e a água barrenta bufava furiosa, na ânsia de alcançar o Rio do Peixe e daí o Uruguai."
Referindo-se a um hotel interiorano, edificado numa cidade onde ventava muito e forte, motivo porque nele foram colocados quatro cabos de aço, aparentemente para segurá-lo, impedindo que desmoronasse, Enéas Athanázio assim se expressa:
"Embalado pelo vento que cantava nos oitões, dormi no velho hotel, com pena de sua escravidão. Creio que os rangidos noturnos de suas vigas e paredes expressavam um sonho de liberdade e com ele fui desde logo solidário."
A boa ficção de Enéas Athanázio é sempre, ou quase sempre, regionalista, no que se refere aos enfoques exteriores, mas as histórias, na maioria das vezes, têm um cunho de universalidade, o que faz o leitor lembrar-se de Leon Tolstoi quando ele disse: "Escreve sobre tua aldeia e escreverás sobre o mundo."
Quando lê "A Liberdade Fica Longe", livro pequeno em seu formato mas grande no conteúdo, o leitor fica indeciso, sem saber se é obra de ficção ou depoimento memorialístico. O certo é que se trata de um texto bom e de agradável leitura.
É indispensável registrar que como ensaísta, erudito e profundo, Enéas Athanázio escreveu vários livros sobre o genial Monteiro Lobato e também sobre o talentoso e pouco conhecido escritor mineiro Godofredo Rangel com quem Monteiro Lobato se correspondeu durante mais de quarenta anos, tendo sido as cartas do mestre paulista endereçadas ao amigo mineiro reunidas no livro intitulado "A Barca de Gleyre". Enéas Athanázio escreveu ainda um interessante livro focalizando, sob muitos aspectos, mormente o literário, o simpático Estado do Piauí.
No final de "A Liberdade Fica Longe", Enéas Athanázio diz:
"Pelas noites a dentro, escrevia e escrevia, tentando realizar o melhor. Naquelas horas silenciosas, no quartinho acanhado, compreendi que só através da literatura, produzindo uma grande obra, eu alcançaria a liberdade que a vida não me dera. Sabia agora, de experiência própria, que a liberdade ficava longe, mas eu chegaria lá!"
Plenamente vitorioso na vida jurídica e na vida literária também, Enéas Athanázio de há muito chegou lá, num patamar bem alto.
Uma vez eu disse, em correspondência endereçada ao Enéas: "Como de hábito, quer quando comentar, quer quando cria, você escreve sempre com brilhantismo, inteligência, talento e classe." Agora, cada vez mais convicto, repito a assertiva.

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José Afrânio Moreira Duarte é escritor, membro da Academia Mineira de Letras.

 

MUNDO ÍNDIO

Saio da leitura de seu "Mundo Índio" convencido de que você é um dos mais importantes homens de letras do Brasil. Nesse volume de apenas 94 páginas temos uma síntese de sua múltipla personalidade literária, como ensaísta, contista e crítico dos mais argutos que o País já teve em sua história.
Suas andanças culturais por esses Brasis a dentro lembram a paixão de Mário de Andrade por nossa Terra e seu Povo. Sua fidelidade às nossas raízes recorda Monteiro Lobato. Seu amor às fontes de nossa cultura nos leva à literatura de José de Alencar e ao encantamento de Guimarães Rosa - cada um em seu tempo e lugar próprios.
Recordo-me bem que, em Porto Alegre, em outubro de 1951, Afonso Schmidt me falava da necessidade de vir a Goiás conhecer de perto o cenário onde se desenrolava um dos seus romances, a fim de não fugir à autenticidade do texto com referência è geografia humana e telúrica da obra. Escritor de verdade faz assim.
Você encerra esse seu delicioso livro com a chave-de-ouro dessas "Alegações Finais", em que, "Em Defesa de Nheçu", mostra todo um belo arrazoado jurídico a favor dos verdadeiros donos das terras do Brasil - nossos irmãos silvícolas, despojados de tudo pelos invasores brancos.
E com que força histórica você reconstrói a figura legendária desse Martinho Bugreiro, vítima e implacável vingador e destruidor do Povo Indígena nas plagas catarinenses.
Em "O Ermitão" e "Xokleng" mais uma vez você é a voz da Justiça no patrocínio do Direito dos espoliados autóctones brasilíndios, tão massacrados pelos ditos civilizados, esses sim, bárbaros atrozes.
Não me canso de exaltar suas qualidades de escritor, um dos mais importantes de nossas letras na atualidade. Mil parabéns, Enéas Athanázio!
Anápolis/GO, 22 de junho de 2003

PAULO NUNES BATISTA (*)
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(*) Poeta erudito e popular, cordelista, ficcionista e crítico literário. Advogado e membro da Academia Goiana de Letras. Nascido na Paraíba,é radicado em Anápolis.

 

PAIXÃO POR LOBATO

Henrique Chiste Neto

No mês de abril sempre "comemoramos" Lobato: imagino que ainda seja realizada a Semana Monteiro Lobato aí na terrinha. Foi numa semana dessas, lá pelo meado da década de 70, que fui agraciado com a medalha de reconhecimento "Valores Taubateanos", uma criação do então incansável Oswaldo Barboza Guisard; mas isso não interessa, a comenda é para meu deleite, enfoquemos Lobato.
Talvez nenhum outro escritor patrício tenha conseguido popularidade tão grande como nosso ilustre conterrâneo.
O criador de Narizinho, nascido a 18 de abril de 1882, nunca teve um verdadeiro e legítimo reconhecimento, principalmente de sua terra natal, em contrapartida de sua enorme obra, de seu grande legado, que deixou através de sua existência.
Fôssemos de cultura avançada e tiraríamos enorme proveito na exploração, até, do nome Monteiro Lobato. Mas deixa pra lá, isto é para Salzburg com seu Mozart, Stratford com seu Shakespeare e outros mais privilegiados; fiquemos no nosso nível.
Pois é, em Santa Catarina, o escritor Enéas Athanázio é um pesquisador incansável do regionalismo catarinense e um apaixonado por Monteiro Lobato.
Com 67 anos de idade, o escritor e pesquisador lança mais uma obra. "As Antecipações de Lobato e Outros Escritos" (Editora Minarete) é uma coletânea de doze ensaios e o quarto livro do catarinense sobre o criador de Emília e Visconde de Sabugosa. A diferença entre os trabalhos de Athanázio e outros tantos que se dedicam ao estudo da vida e obra de Monteiro Lobato, é justamente o foco. Enquanto a maioria se concentra na análise dos textos infanto-juvenis, o escritor concentra esforços na obra para adultos, desvendando trabalhos um tanto esquecidos pelos leitores e até pelas editoras, que têm pouco interesse em reeditá-las, lamenta o autor.
O livro resgata a existência de um texto chamado "Conto Industrial", que narra a invenção do popular "Biotônico Fontoura" e registra uma visita que Athanázio fez à Chácara do Visconde aí em Taubaté. (Ai que vergooonha do Athanázio!!!)
Embora seja um dos maiores estudiosos de nosso conterrâneo, e o único a ter em casa uma coleção completa da "Revista do Brasil" (Será que temos isto aí?), da qual Lobato foi proprietário por 24 anos, Athanázio garante que a proximidade não o influenciou nas letras, mas, sim, no modo de viver. "Ele foi um homem que conseguiu aliar a vida do escritor com a do homem de ação, o que é algo muito difícil", justifica. E continua: "E quanto mais eu lia suas obras, mais afinidade sentia pelo modo dele agir, pela coragem nos posicionamentos, na tentativa de pensar sempre com a própria cabeça, não participando de grupos ou panelas. E acabei ficando assim, vamos dizer, um bom conhecedor de seu trabalho."
Na obra de Lobato para adultos, o catarinense destaca o espírito democrático e o amor à liberdade. "Muito mais do que a obra, o grande legado é o exemplo de vida", afirma Athanázio.
Se isso tudo é bom para nós, aproveitemos como exemplo, e porque não se sai desse marasmo de "cidade morta" e, de um salto, com ajuda de pirlimpimpim, pousemos neste novo século com idéias mais atuais e empreendedoras, aproveitando o produto Lobato, para, de uma só vez, reconhecer e usufruir do legado deixado. (Fonte; Jornal "A Notícia").

(Transcrito do Jornal Matéria-Prima, Taubaté/SP,
05 a 11/04/02, número 161, pág. 19)

 

"Sou leitor dês que o mundo é mundo":

A constituição do leitor e do escritor
e as interfaces com os personagens de ficção
nas obras de Enéas Athanázio


Prof. Guilherme Queiroz de Macedo
Licenciado em História - FAFICH/UFMG
Graduando Licenciatura Pedagogia - FAE/UFMG


Compreendi que só através da literatura, produzindo uma grande obra, eu alcançaria a liberdade que a vida não me dera. Sabia, agora, de experiência própria, que a liberdade ficava longe, mas eu chegaria lá! (do personagem de ficção Natan Zilef In: ATHANAZIO, Enéas. A liberdade fica longe: novela. Balneário Camboriu: 2001, p. 23. In: ATHANAZIO, Enéas. A liberdade fica longe: novelas, contos e crônicas. Balneário Camboriu: 2007, p. 19).

1 - A formação do leitor e do escritor vista através dos olhares do autor e de seus personagens

A evocação do período vivido no Colégio Interno de Porto União - SC, entre 1945 e 1951, está sempre presente nas obras de Enéas Athanazio, tornando-as bastante interessantes na análise das questões educacionais, do ponto de vista vivido pelos alunos internos, o que chama a atenção dos historiadores, sobretudo da Educação, tanto em Santa Catarina quanto de todo o Brasil, sobretudo dos campos de pesquisas envolvendo a formação de leitores e escritores.
A relação autor-personagem fica em evidência, se levarmos em conta a intertextualidade existente em toda a obra de ficção athanaziana, o que nos auxilia a delinear os contornos do retrato da educação catarinense e brasileira da primeira para a segunda metade do século XX, através dos olhares do autor e do personagem, como afirma o próprio Athanázio: Porto União, cidade escura e úmida, onde morei, mas, na verdade, pouco conheci porque estive recluso num internato à moda antiga; Calmon, espécie de morada de férias, na qual passava meses de cada ano (2005 a, p. 165-166).
As entrevistas concedidas pelo autor colocam em evidência a intertextualidade com os seus personagens de ficção - Janary Messias, Natan Zilef e Théo Jolivet - e podem ser percebidas, nas referências que fazem a seus professores, a sua formação como leitor e, posteriormente, como escritor.
Lopes e Galvão chamam-nos atenção para a ligação entre os campos de pesquisa da História da Educação com a Nova História Cultural, sobretudo do livro - quais eram os objetos mais lidos e por quem e da leitura - os como e os porquês da leitura, na expressão do historiador Robert Darnton. São três os momentos constitutivos do circuito que possibilitam o ato de ler: a produção, a circulação e as apropriações dos materiais de leitura (2005 b, p. 56).
A produção dos materiais de leitura compreende o lugar ocupado pelo escrito nas diferentes sociedades e a circulação dos objetos de leitura procuram investigar as diferentes maneiras como os materiais escritos eram disponibilizados aos potenciais leitores nas diferentes sociedades e épocas (2005 b, p. 56-57).
Entretanto, o pólo mais fugidio e imponderável da leitura, os leitores também têm sido objeto de investigação (...) [os leitores] são estudados para captar sua individual e singular maneira de ler (2005 b, p. 58). A trajetória e formação de Enéas Athanázio como leitor e, posteriormente, como escritor, se insere no que Lopes e Galvão chamam de reconstituição da história da formação de leitores individuais, que pode ser realizada através do estudo de suas bibliotecas particulares, do levantamento das leituras que faziam e das marcas das anotações que deixavam nos livros. Esses estudos possibilitam um melhor conhecimento da trajetória pessoal e profissional desses leitores (2005 b, p. 58-59).

2 - Contextualização do autor e da obra: Quem é Enéas Athanázio?

Escritor, contista, cronista e ensaísta catarinense, o próprio autor resume em seu mais recente livro a sua trajetória literária: tendo estreado nas letras em 1973, com a coletânea de contos O Peão Negro, o Autor tem hoje 38 livros e 13 opúsculos publicados, totalizando 51 obras em volumes individuais. Participou, até agora em cerca de 120 antologias e coletâneas de contos, crônicas e ensaios, entre os quais algumas no Exterior (Estados Unidos, Portugal e França). Seus contos, crônicas, resenhas e artigos são publicados com regularidade em jornais, revistas e suplementos de vários pontos do País. É colunista do "Jornal Página 3", de Balneário Camboriu, e da revista "Blumenau em Cadernos" há muitos anos". (2007).
Silveira de Souza e Flávio José Cardozo entrevistaram o autor em 1991 e na apresentação contextualizam o autor e a sua obra literária: a literatura de ficção regionalista voltada para o linguajar e os costumes dos Campos Gerais de Santa Catarina, (...) encontra hoje em Enéas Athanázio um dos mais conhecidos, assíduos e aclamados cultores. Criador de tipos, arguto observador da vida interiorana, à qual por vezes mescla leves pitadas de realismo fantástico, Enéas resgata o dialeto regional catarinense, dimensionando-o em contos e 'causos' de expressivo efeito literário. Autor de obra relativamente numerosa, ao lado do ficcionista, convivem também o articulista, o pesquisador, o jurista e o ensaísta de literatura. As pesquisas e ensaios que realizou sobre a vida e a obra de Monteiro Lobato, Godofredo Rangel e Lima Barreto constituem-se em apreciáveis fontes de consulta para o conhecimento daqueles escritores (1991, p. 2).
O autor, em entrevistas concedidas em 1991 e em 2001, respectivamente, relata-nos como entrou para o Colégio Interno de Porto União, onde permaneceu de 1945 a 1951, dos 10 aos 16 anos: O meu padrasto era funcionário da Companhia Lumber, aquela mesma do caso do Contestado . A Lumber tinha (...) seções (...) em Calmon, um lugarejo a uns 60 Km ao sul de Porto União. Meu padastro trabalhava em Calmon. Como era muito difícil para ele atender os compromissos do emprego morando em Porto União, ele e a minha mãe decidiram ir para Calmon, muito embora houvesse trem diário. Eles foram para Calmon e eu não tive alternativa, fui para o internato. Fiquei lá seis anos, saí adolescente. Esse internato, é claro, me marcou muito. Mesmo porque era o mais conhecido da região e para ele vinham rapazes de toda parte. (…) Entrei lá com 10 anos e saí com 16. Fiz uma parte do primário e todo o ginásio (1991, p. 4-5).
O autor também recorda os bons professores que teve, como foi a sua trajetória de estudante no colégio interno e de quais matérias mais gostava: Eu diria que uma impressão positiva foi o que deixou o professor Estevão Juk, o famoso Jucão, professor de português. Era um homem muito comedido, extremamente comedido - e extremamente justo. A gente tinha muita confiança no julgamento dele, a gente sabia que era duro, mas incapaz de uma injustiça deliberada. Um elogio dele era uma coisa que causava muita satisfação. Mandava fazer uma redação, a gente ficava lá uma semana fazendo, depois lia em aula. Quando ele gostava, dizia: 'Muito bem, senhor!' Aquilo era um galardão para a semana inteira. (...) Mediano. (...) Eu tinha mais facilidade para línguas. Já para matemática, ciências (1991, p. 5).
O autor revela-nos que escrevia diários nos tempos de Colégio Interno em Porto União: Já nos idos colegiais eu gostava de receber um seco 'muito bem' do professor de português pelas minhas redações. Escrevia algumas coisas e fui vítima da mania dos diários, que nunca foram longe. Nos tempos de Faculdade a escrita se amiudou. (2001 b). Os diários de Janary Messias teriam sido escritos durante o período em que o próprio Enéas Athanázio puxou seis anos de internato (1945/1951)?

3 - A formação do leitor e do escritor vista através do olhar dos personagens

Dentre as obras levantadas na bibliografia do autor, composta de 51 títulos, que poderiam confirmar a hipótese da intertextualidade entre o autor e seus personagens de ficção, destacamos a novela de um estudante, publicada em sua obra mais recente A Liberdade fica longe (2007, p. 59-70), sob o título de Mudança de Vida, que relata o período de internato de outro personagem de ficção e também aluno interno - Théo Jolivet - caracterizado por Athanázio como aluno mediano. Na entrevista, o autor considerou a si mesmo também como aluno mediano. Novamente, o autor utiliza-se de outro personagem de ficção, para delinear o retrato da educação vivida por ele próprio no mesmo Internato de Porto União.
Enéas Athanazio, a partir de seus personagens - Théo Jolivet, Natan Zilef e Janary Messias - constrói as narrativas do período em que viveu no Internato, colocando-se contra os métodos pedagógicos repressores e autoritários do Colégio a partir do ponto de vista e do olhar dos personagens, alunos internos como o próprio autor no período 1945/1951.
Depois de caracterizar o personagem Théo Jolivet como um aluno mediano, o autor relata-nos a mudança e transformação pela qual passou o seu personagem, quando resolver tornar-se um estudante de verdade, em contraponto com os seus colegas Telmo, Nivaldo, Djalma, Adão que continuaram mantendo a mesma postura de sempre. A disposição em mudar de vida do personagem manifestou-se no momento imediatamente posterior à conversa com os colegas nas escadarias da construção - obras do futuro ginásio de esportes coberto do Colégio Interno, cujos trabalhos nunca terminaram, na troca de lugares com um colega de sala de aula, das carteiras do fundo para as da frente, demonstrando que em todas as épocas históricas, as escolas possuíam territórios e espaços ocupados pelos alunos que delineavam o seu perfil como bons ou maus estudantes.
O severo professor Melk, de português, percebendo a mudança, convocou o aluno Théo Jolivet para responder a uma argüição sobre preposições, tendo ele que se justificar para poder melhor se preparar para discorrer sobre o assunto na próxima aula. O momento da argüição perante o rígido professor Melk e os colegas internos, revelam-nos o impacto psicológico no aluno, quando inquirido publicamente na sala de aula, diante do professor - geralmente sentado em uma bancada superior - e frente a frente com os colegas de classe, próximo ao quadro-negro. A expectativa em receber uma nota máxima criava sempre um clima de suspense, quando a argüição era concluída.
A lembrança de que haveria argüição da temida matemática, matéria que tinha mais dificuldade, fez com que Théo Jolivet lembrasse de que deveria deixar a comemoração do bom resultado obtido em Português de lado e se preparar bastante, uma vez que certamente seria chamado pelo inflexível professor Bro Joannes. Mais uma vez Théo Jolivet e os colegas internos se viam diante de uma argüição, momento tradicional no ritual dos colégios da metade do século XX, para separar e discriminar os alunos que sabem daqueles que não sabem, criando novamente a expectativa do aluno em receber uma nota máxima do professor de matemática Bro Joannes. Alguns colegas de Théo Jolivet passaram a tratá-lo de forma diferente, outros seguiram o seu exemplo, enquanto outros internos passaram a lhe dispensar maior atenção, conseqüência da mudança de vida a que se propôs o personagem-estudante.
A rara presença de professoras, lecionando em um Internato de frades franciscanos alemães no interior de Santa Catarina na metade do século XX também foi mencionada pelo personagem, cujo mapa foi considerado o melhor trabalho da turma: Se o seu mapa não mudou o mundo, era certo que ajudara na sua mudança interior.
Depois de alguns dias de férias, durante os quais descansou, Théo retornou ao Internato com a alma limpa e lavada, disposto a se dedicar ao estudo, preparando-se para os exames orais de latim, nos quais até mesmo as orações mais tradicionais da Igreja Católica deveriam ser decoradas pelos alunos.
O personagem novamente se depara com o rigoroso professor de portugues Melk, considerado por todos os alunos como um dos mais duros, que pediu a todos uma redação sobre a vida dos colonos catarinenses da segunda metade do século XX e a leitura da mesma em voz alta, junto ao quadro negro, diante dele e na frente dos colegas. Théo reescreveu um texto anterior, dando-lhe uma nova versão e colorido diferentes e, no momento da leitura, diante da recusa do severo professor em aceitar o texto, argumentou que - como os grandes escritores - deu novas versões e ampliou a mesma história. Obtendo a permissão do professor, Theo se esforçou para firmar a voz e leu com alma o que havia escrito. (2007, p. 68).
Théo começou a perceber em si mesmo os efeitos da mudança de vida a que se propôs como estudante do Internato, aumentando o seu entusiasmo e dedicação aos estudos: Só então se deu conta de que estudar também é bom passatempo. Desta vez, porém, as provas não lhe provocaram o pânico dos anos anteriores. Estudou um pouco mais e o resultado foi bom. Com as notas altas obtidas no semestre alcançou excelente média (2007, p. 69). Nos exames orais de História, tendo que discorrer sobre um episódio histórico nacional, Théo se saiu bem, escolhendo como tema o movimento de Canudos, uma vez que andava lendo Euclides da Cunha, autor de Os Sertões (2007, p. 69).

4 - Os marcos de constituição do autor-personagem como leitor e escritor

A novela de um estudante Mudança de Vida pode ser tomada como ponto de partida e como marco de constituição do autor e do personagem como leitor e, posteriormente, como escritor, ressaltando a pertinência do ponto de vista do aluno adotado pelo autor e por seus personagens - enquanto alunos de um Colégio Interno - nas obras de ficção analisadas.
Em outras obras de sua autoria, o autor também delineia os marcos que o constituíram a sua formação como leitor e como escritor, o também que pode ser comprovado nas entrevistas que concedeu, nos remetendo a contos e crônicas, que também fazem referências, presentes na trajetória literária do autor, desde os tempos de Internato em Porto União - Santa Catarina (1945 - 1951), que aprofundam nos estudos secundários na Escola Comercial em Curitiba - Paraná (1952 - 1954), na Faculdade de Direito de Florianópolis - Santa Catarina (1955 - 1959) e no retorno a Campos Novos - Santa Catarina (1960 - 1968), culminando com a sua estréia literária com a obra O Peão Negro (1973).
Em outras obras do autor estão presentes, no processo de sua constituição como leitor e como escritor, contos e crônicas que comprovam a relação autor-personagem, envolvendo outros personagens presentes em suas obras literárias como Natan Zilef (2001 a) (2004, p. 24-25) (2007, p. 117-18), nas crônicas e contos Ubirajara não veio à aula (1986, p. 9-10), A Estradinha (1994, p. 5-7), Simpático (1976, p. 49-53), A Carteira de Couro (1995, p. 13-20) e Momentos Fugazes (2004, p. 24-25) (2007, p. 117-18) e na novela literária A Liberdade fica longe (2001 a) (2007, p. 7-19).
Na crônica Momentos Fugazes o autor refere-se ao personagem e amigo Natan Zilef, o saudoso beduíno, andarilho por herança de sangue e leitor compulsivo, que morava num remoto e silencioso povoado à margem da ferrovia. Através do personagem, o autor delineia os marcos que o constituíram como leitor: vítima do carnegão literário, já nessa época Natan se entregava ao 'vício impune' da leitura. Esgotados os poucos livros disponíveis na Vila, alguns reiúnos como animais sem dono, correndo de mão em mão e as velhas revistas sebosas e esfiapadas, a única forma de renovar tão conhecido estoque residia no jornaleiro do trem misto que vinha do norte, todas as manhãs, sempre sortido de revistas, inclusive em quadrinhos, jornais variados e até uns poucos livros (2007, p. 117-18).
Os livros e a leitura faziam parte do mundo de seu personagem Natan Zilef, com tanta força como na pungente e tocante passagem: restava, então, esperar o misto da manhã, transportando pessoas, cargas, o sonho e a fantasia impressos naquelas páginas repletas de cores e letras, reveladoras de mundos jamais suspeitados pelos moradores da bucólica Vila. Mas era preciso ser ágil e rápido, que a parada se resumia a uns momentos fugazes, e o agente não tardava a dar o 'pode' para a partida. Com o trem ainda em movimento, o Beduíno saltava para o estribo e dali embarafustava na corrida pelo vagão (...), em cujo final se instalava o jornaleiro. Ali se exibiam, estirados em cordões, as revistas de capas vistosas e os jornais que continham assuntos gerais e recentes que o menino devoraria depois, estirado na cama. Com os olhos neles e os ouvidos no implacável sino do 'pode', escolhia com rapidez o que desejava, pagava e tratava de saltar, muitas vezes com a composição já andando (2007, p. 118, Grifos nossos).
A mania de leitura do personagem o deixava entristecido quando não conseguia adquirir os livros, jornais e revistas: vivia momentos de angústia quando o jornaleiro não estava no seu posto, afastando-se para vender em outros vagões, ou não tinha troco para devolver. Algumas vezes teve que saltar de mãos vazias, tão frustrado que quase chegava às lágrimas. Em geral, porém, acariciava na plataforma suas amadas revistas e os jornais novinhos, enquanto o misto desaparecida martelando nos velhos trilhos. (2007, p 118).
O autor faz uma breve referência, nas entrelinhas, a Natan Zilef na obra Vida Confinada quando mencionou a um colega de Internato que preferia passar as férias no Colégio a voltar para casa: um destes lhe confessou que se sentia melhor ali que suportando os entreveros dos pais e as rezingas da mãe com a empregada (1997, p. 54). A implicância do padrasto com o vicio de leitura do personagem fez com que ele resolvesse ganhar o mundo, o que reforça a nossa hipótese da existência de interfaces entre o autor e seus personagens de ficção: voltava feliz para casa, driblando o padrasto e sua implicância com a 'mania de leitura' do menino, fato que seria uma das causas da fuga de Natan para o mundo, em busca de ares mais livres, como narrei em minha novela 'A Liberdade fica longe'. Mas essa é outra história! (2007, p 118). O autor tambem refere-se à origem social de Natan, quando o mesmo diz que sempre fui aluno remediado (2007, p. 8).

5 - As interfaces dos olhares do autor e dos personagens nas obras de ficção athanaziana.

Nesta perspectiva, podemos afirmar que existe uma coerência interna nas obras analisadas, em função dos olhares do autor e do personagem, uma vez que ambos colocam-se como alunos internos do Colégio de Porto União, o que pode ser comprovado pelos mesmos lugares aonde passavam as férias pequenas e grandes - Calmon - SC e Campos Novos - SC e pelas atividades que faziam - andar de cavalo, ler, trocar livros e revistas com os amigos, esperar o trem misto vindo do Norte diário na estação para comprar livros e revistas, passeios de canoa pelo rio Iguaçu localizado entre as áreas rurais dos municípios de Porto União - SC e União da Vitória - PR, na divisa entre os Estados de Santa Catarina e do Paraná.
Considero que, a partir de seus personagens de ficção Janary Messias, Théo Jolivet e Natan Zilef, o autor constrói as narrativas do período em que puxou seis anos de Internato, colocando-se contra os métodos pedagógicos opressores, repressores e autoritários do Colégio, a partir do ponto de vista e do olhar dos personagens, todos eles alunos internos do Colégio de Porto União, como o próprio Enéas Athanázio.
Janary Messias aparece no conto Ubirajara não veio a aula, quando o autor, por meio dele, relata a repentina partida de um colega de Internato que adoeceu, foi levado de trem e nunca mais retornou. Ubirajara sentava-se na frente de Janary e a sua ausência na carteira o colocava mais perto da Professora - mais uma vez o autor refere-se à rara presença de Professoras lecionando no Colégio Interno de Porto União, nas décadas de 40 e 50 do século XX - e, daí por diante, não escapou mais de suas argüições orais: quando olhei para frente, depois de arrumados os livros embaixo da carteira, notei que faltava alguma coisa. Havia um buraco na fila de cabeças que ficava diante de mim. Pelo vão avistei a professora sentada atrás da mesa. Nunca me pareceu tão feia, tão velha e tão perigosamente próxima. Ela percorreu a sala enorme com os terríveis óculos escuros brilhando nas lentes esverdeadas. Como demorou a inspeção! Terminou, finalmente. Senti o olhar pesado se fixando em mim, áspero, hostil. A voz fanhosa veio através do vão: - Janary, vá ao quadro! Meio tremendo, percebi que a ausência do colega facilitou a escolha: fiquei exposto (1986, p. 9).
A expectativa pelo retorno do colega de internato nunca se confirma e o personagem passa a ser argüido todos os dias: os dias passam lentos, úmidos e chuvosos. Não temos notícias. Ubirajara não vem a aula. Falta alguém na minha frente. O vão continua me aproximando da megera. Cada dia mais feia e mais velha. Ubirajara não vem a aula. Os dias passam. E passam. Falta uma cabeça na fila da frente. O vão continua aberto. - Janary vá ao quadro! (1986: p. 10).
No conto A Carteira de Couro, Athanázio relatou-nos o encontro que teve muitos anos depois com um dos colegas de internato que trabalhavam para poder custear os estudos - o Djalma: quando ele puxou conversa aquela voz me pareceu familiar. Comecei então a observa-lo e logo percebi que era um antigo colega de internato a quem não via há muitos anos (...) fiz referência ao nosso Ginásio, como se fosse por acaso, e sua memória reagiu, desencavando-me dos confins do tempo (...) conversamos, rimos, rebuscamos os anos de internato (...) As imagens do Ginásio voltavam nítidas graças ao misterioso processo da lembrança (1995, p. 13-14). Djalma e outro colega - Adão - aparecem também na novela de um estudante Mudança de Vida (2007, p. 60-61).
O autor mencionou as más condições de conservação física do prédio do Internato de Porto União, fato este já relatado por seu personagem de ficção Janary Messias, apesar de ser conhecido como o melhor Colégio do Norte: gozando da fama de ser o melhor da região, nosso velho 'Ginásio São Roque' alardeava que os alunos que gastavam os fundilhos nos seus bancos, entravam fácil nas faculdades da Capital. Eram duas meias verdades, porque a 'região' não tinham outros para servirem de comparação e os ex-alunos, que chegavam nos cursos superiores, constituíam uma minoria inexpressiva. Mas de qualquer forma, serviam para alimentar o bairrismo da cidade. A realidade era bem mais modesta. O antigo casarão amarelo, construído em três níveis para aproveitar a encosta do coxilhão, com uma larga área coberta pelo lado interior, beirava a pobreza. As paredes pediam pintura, o soalho de pinho escuro nunca conheceu tapetes, as salas de aula não tinham cortinas. Pior ainda: padecia de crônica falta de água, deixando as privadas com um cheiro de rebentar nariz, e estimulando a sujeira dos internos por natureza ariscos aos banhos num frio medonho que quase varava o ano. (1995, p. 14-15).
Athanazio fez referência às origens dos alunos e a inexistência de exames de seleção para o melhor Educandário do Norte, o que foi relatado também por Janary Messias: seleção de alunos parece que não se cogitava. Entrava de tudo, desde bundinhas das cidades até alguns meio bárbaros, laçados nos cafundós dos sítios para sofrerem a primeira doma - a quebra de queixo. Carrancudos, encrenqueiros, sempre em grupos aparentados, tinham até faces escondidas e com eles nossa turma não queria seca (ceca). Havia também os ricos, cujos pais faziam gordos 'depósitos' para os extras dos filhos, os remediados e os pobres (1995, p. 15).
Conversando com o colega com o qual encontrara ao acaso em uma viagem de ônibus, Djalma relembra, de forma emocionada, a dura vida de Internato pela qual passou em sua juventude, como nos conta o autor: Entre estes estava o coitado do Djalma, obrigado a trabalhar para pagar o internato (...) ele surgiu nítido na minha lembrança varrendo os pátios, encerando o soalho ou puxando latas de água jogadas às privadas imundas, apelidadas de 'cangurus'. Meu amigo, porém, não mostrava o menor acanhamento em falar no assunto. Começou a recordar a pobreza em que viveu naqueles anos (1995, p. 15-16).
A vida cotidiana do Colégio Interno não era conhecida, por conveniência, da maioria dos pais dos alunos: começava o ano letivo, ele [Djalma] e a mãe embarcavam no trem misto que ligava a vila onde moravam à cidade do Colégio. Depois de horas de viagem, rumavam da estação para o casarão amarelo no topo do morro, e lá ela o entregava ao padre-prefeito na portaria. Jamais passou dali, nem imaginava como seria o interior lúgubre do prédio. (...) A porta de imbuia maciça se fechava devagar e implacável. Ele (...) subia a escada de degraus judiados rumo ao dormitório. (...) Descia em seguida para rever os colegas e receber instruções sobre seu serviço (...) Em poucos dias tudo caía na rotina. As aulas monótonas, as mãos calejadas de puxar água. (...) acordado pelas palmas do padre prefeito (...) Foi assim por muito tempo, aquele tempo lerdo da juventude (1995, p. 16-19).
No conto Simpático, o autor fez referência a um amigo - que acreditamos ser o mesmo Téo de A Estradinha - com quem trocava livros e revistas morador de um povoado, próximo à Vila, situada próxima às margens da ferrovia: anos mais tarde, já mocinho e passado o interesse pelas andanças, eu costumava visitar um antigo morador em viloca distante alguns quilômetros. Trocávamos livros e revistas e para lá seguia, sempre a pé (1976, p. 52).
Na crônica A Estradinha, o autor novamente refere-se ao amigo Téo - um dos tantos que o tempo levou - seria o mesmo Théo Jolivet da novela de um estudante Mudança de Vida? - com quem trocava jornais e revistas, na Vila à beira da ferrovia, indo até sua casa em um velho cavalo, chamado de Rosilho ou Simpático: naquela campina plana, (...) começava a estradinha que ligava minha vila ao lugarejo onde morava meu amigo Téo, um dos tantos que o tempo levou (...) Era ainda por ali, na fase da leitura apaixonada, que eu rumava para a casa de Téo, com quem trocava livros e revistas (...) Quase sempre a pé, com o maço de leituras embaixo do braço (1994: p. 5-6).
A intertextualidade entre autor-personagem evidencia-se na entrevista e na obra Vida Confinada, levando-nos a concluir que os personagens de ficção do autor Janary Messias, Theo Jolivet e Natan Zilef teriam sido inspirados em vários colegas com os quais o autor conviveu no Internato de Porto União, bem como teriam características do próprio Enéas Athanázio. Neste sentido os diários de Janary Messias, personagem ficcional do autor, seriam na verdade os diários escritos na mesma época em que puxou seis anos de internato em Porto União - SC (1945-1951), mania da qual ele próprio confessa, em uma das entrevistas, ter sido vítima.
Uma outra evidência que comprova a intertextualidade autor-personagem seriam os mesmos lugares que freqüentavam e atividades que faziam, que tanto os personagens de ficção, como o próprio autor viveram: as 'férias grandes' ele passava na terra natal , alternando entre a Fazenda e a casa dos avós. (...) As férias de julho eram gozadas na casa dos pais, numa Vila à margem da ferrovia, distante uns sessenta quilômetros do Colégio. Sede de uma multinacional madeireira, a Vila ficava a 1181 metros de altitude e nela o frio predominava, inclusive com geadas e nevadas. Fora um dos campos de guerra dos fanáticos na Revolta dos Jagunços e os habitantes mais antigos ainda se lembravam das tropelias daqueles anos. (...) As férias, porém, não entravam na rotina do Colégio. Constituíam capítulo à parte, para além de seus muros (1997, p. 54-55).

6 - A relevância e alcance dos olhares do autor e do personagem em suas formações como leitores e escritores

A abrangência e pertinência da análise das obras alcançam o contexto histórico-cultural e sócio-econômico do Estado de Santa Catarina, durante os 30 a 40 anos que se seguiram à Guerra dos Jagunços, mais conhecida pela historiografia brasileira como Guerra do Contestado (1912 - 1916), que marcou o apogeu e a crise dos ciclos econômicos do pinheiro e da erva mate na região. A relevância e o alcance da análise, como contribuição para o melhor entendimento da realidade social, por meio do olhar do autor e dos seus personagens de ficção nas obras, trazem contribuições importantes e oportunas para um melhor conhecimento, não só da Educação catarinense, mas de toda a realidade social, política, econômica e cultural vivida na região do Contestado e dos Campos Gerais Catarinenenses.
Em outras obras, Enéas Athanazio comprovam a hipótese levantada da presença de uma intertextualidade entre as entrevistas e da obra, uma vez que as reminiscências escolares de Vida Confinada, nos remetem a contos e crônicas do mesmo autor que fazem referências à formação do leitor e do escritor, presentes na trajetória literária do autor, desde os tempos de Internato em Porto União (1945-1951), que aprofundaram nos estudos secundários no Escola Comercial em Curitiba - Paraná (1952-1954), na Faculdade de Direito em Florianópolis - Santa Catarina (1955-1959) e no retorno à terra natal Campos Novos - SC (1960-1968), culminando com a sua estréia literária com a obra O Peão Negro, em 1973: Eu sempre lia e desde cedo entendi que o escritor era um marginalizado, um incompreendido. Talvez inconscientemente, procurei fugir um pouco do compromisso mais sério com a literatura. Por isso é que comecei tarde. Meu primeiro livro foi publicado quando eu tinha mais de 30 anos (...) Quando saí de Campos Novos, já tinha o esboço desse livro. Andei por Anita Garibaldi, Canoinhas, tive tempo para ir escrevendo. Em 73, enfim, me decidi a publicar O Peão Negro, que foi bem recebido. E então não parei mais (ATHANAZIO: 1991, p. 5-7).
Enéas Athanázio, em uma das entrevistas, relata-nos como foi o seu despertar para a leitura, através dos seus primeiros contatos com livros e leituras, depois de ter puxado seis anos de internato num colégio de frades franciscanos alemães, na cidade de Porto União: sou leitor dês que o mundo é mundo. Só lembro de mim mesmo sobraçando livros, revistas e jornais. Em Calmon, esgotado o estoque caseiro e dos amigos, era a espera ansiosa do trem misto que vinha do norte, cujo jornaleiro eu 'assaltava' na curta parada do trem na plataforma da estação. Depois, afagando as capas coloridas, eu me enfurnava no meu canto e lia até cansar (2001 b).

Referências Bibliográficas

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ATHANÁZIO, Enéas. Ubirajara não veio à aula. In: Erva Mãe: contos. São Paulo: Editora do Escritor, 1986, p. 9-10.
ATHANAZIO, Enéas. A Estradinha. In: Rosilho Velho: contos juvenis. Balneário Camboriu: Minarete, 1994, p. 5-7.
ATHANAZIO, Enéas. A Carteira de Couro. In: Solidão Solidão: contos. Balneário Camboriu: Minarete, 1995, p. 13-20.
ATHANÁZIO, Enéas. Vida Confinada: autoficção. Balneário Camboriu: Minarete, 1997.
ATHANAZIO, Enéas. A Liberdade fica longe: novela literária. Balneário Camboriu: Minarete, 2001 (a).
ATHANAZIO, Enéas. Momentos Fugazes. In: Fiapos de Vida: oitenta e tantas lérias. V. 2. Balneário Camboriu: Minarete, 2004, p.24-25.
ATHANAZIO, Enéas. Andarilho: exercício de autoficção. In: Crônicas Andarilhas: utopia campeira. Balneário Camboriu: Minarete, 2005 (a), p. 165-74.
ATHANÁZIO, Enéas. Mudança de vida: a novela de um estudante. In: A Liberdade fica longe: novelas, contos e crônicas. Balneário Camboriu: Minarete, 2007, p. 59-70.
ATHANAZIO, Enéas. A liberdade fica longe. In: A Liberdade fica longe: novelas, contos e crônicas. Balneário Camboriu: 2007, p. 7-19.
ATHANAZIO, Enéas. Momentos fugazes. In: A Liberdade fica longe: novelas, contos e crônicas. Balneário Camboriu: 2007, p. 117-18.
ATHANAZIO, Enéas. O Campo está dentro de mim. Entrevista concedida a João Carlos Taveira. In: Revista Literatura. Especial 10 Anos. Brasília, 20, p. 9-18, abril 2001 (b).
CARDOSO, Flávio José, SILVEIRA DE SOUZA (orgs.). Entrevista. In: Enéas Athanázio: estudo biobibliográfico: Antologia. Escritores Catarinenses Série Hoje, 4. Florianópolis: FCC, 1991, p 4-10.
LOPES, Eliane Marta Teixeira, GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. História da Educação. Rio de Janeiro: DP & A, 2005 (b).


 

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