Receita de uma
rádio de rock (Revista Bizz nº 2 - Editora Abril -
setembro de 1985)
Luís
Antonio Mello*
Montar uma emissora de rock é um pouco mais complicado do que ter uma meia
dúzia de bons discos em casa, prontos para serem arremessados de
um transmissor qualquer de um morro desses aí.
Mas fazer uma
estação de rock envolve, basicamente, conhecimento, intuição
e técnicas em doses aritméticas. Não adianta possuir um desses
elementos sem os outros. Só conhecimento musical não define se
esta voz é melhor do que aquela para um programa. A intuição,
por si só, provoca tolices e conduz à asneira, enquanto que a
técnica pura e simples, burocratiza até a mais tênue
estupidez. Uma rádio de rock que se preze não possui o chamado
"listão" , o que significa programação
permanentemente renovada e dinâmica.
No Brasil, numa terra onde os conceitos sobe rock vão de um pólo ao outro como
se tivessem ido ali comprar cigarros, construção específica
esbarrar numa quantidade enorme de problemas. O mercado tem muito
medo do rock, muito mesmo. A causa aparente é simples: rock
exige conhecimento de causa e não só de números. O sujeito que
está lá programando a última faixa do lado B de um disco
irlandês tem de demonstrar firmeza e segurança, enquanto que no
outro lado do mundo o publicitário responsável pela
distribuição de uma determinada verba tem de entender de
comportamento, música e excentricidades em geral para enfiar a
tal emissora nos planos. Normalmente batido pela preguiça, ele
desloca a verba para uma emissora de perfil mais fácil, mesmo
que o retorno seja comprovadamente menor. É incrível, mas há
produtos no mercado com nomes extraídos do rock que não são
anunciados em rádio de rock. É incrível e muito triste.
Murros em ponta
de faca estão no cardápio diário do profissional de uma
estação de rock. Ele tem de conviver com uma gama enorme de
misturas de ritmos e tendências musicais e uma certa histeria
internacional dos ouvintes. Os ouvintes formam feudos e ilhotas e
defendem aquilo como se fossem cisternas no Saara. Quando não
ouvem um metaleiro, um vanguardeiro, um sulisteiro (do rock
sulista), telefonem escrevem, caem de pau. Como é impossível
atender a todo o reinado, a pancadaria reina.
Mil a zero -
Reina infinita e bela, pois o mais espetacular de uma estação
de rock é a resposta de seus ouvintes. Eles reclamam de
pronúncia errada, faixa trocada, hora misturada, mas estão
sempre ali, cravados no dial, participando. Acima de tudo,
conhecem cada milímetro do que estão ouvindo e são incapazes
de engolir qualquer tipo de forçação de barra, parta de onde
partir.
As compensações são muitas e dão de mil a zero nas dificuldades.
Especialmente porque quem faz rádio de rock sabe que está
lidando com uma música que pulsa sem precisar dizer que pulsa e
com uma audiência que detesta firulas, abomina a mediocridade de
um linguajar bordado de gírias forçadas e não gosta que
ninguém diga "dance", "pule", "ei, que
festa, isso tudo é rock'n roll". A audiência quer uma
rádio bem feita. Rápida, objetiva, simples, sem essa de
"eu sou mais eu, porque sei que David Bowie já foi um
andrógino e você, não". E o maior segredo de quem faz uma
rádio de rock não é deter a maior discoteca do mundo, mas
saber conjugar matéria industrial com pensamento, idéia.
Se mexer com rock já é bom, lidar com rádio de rock é melhor ainda. A
impressão que temos ao colocar uma música no ar é de que
nossas emoções estão sendo democraticamente divididas entre
pessoas altamente intuitivas. O feedback é cheio de malícia e a
grande vedete nesse tipo de emissora é e sempre será a música.
Exemplo: a Eldo Pop, do Rio, já extinta, ficou no ar durante
alguns anos sem locução. Os ouvintes tinham de partir para
exercícios de pesquisa intermináveis para saberem o que estavam
ouvindo.
Sem vedetismos e com muita verdade para dizer, uma rádio de rock não surge,
chega; não morre, some. Ela lida com um gênero artístico
forte, que mistura um monte de situações que transcendem a
música, seguindo a trilha do rock. Ela deve chutar os modismos,
procurar não opinar e tentar, sempre, não se defender com
falsas delongas. Enfim, fazer uma rádio de rock está
diretamente ligado ao bom senso profissional. Profissional com
"P" maiúsculo.
*Luís
Antonio Mello é jornalista, radialista e fundador da extinta
Rádio Fluminense FM, de Niterói, RJ
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