Ministério Público da União
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
13ª e 14ª Promotorias de Justiça Criminal de Brasília
narrado por Rogério Schietti Machado Cruz
Promotor
de Justiça do MPDFT
Das centenas de casos que já passaram por nossas mãos nas 13ª e 14ª Promotorias Criminais, alguns relativos a crimes gravíssimos, outros nem tanto, o que iremos comentar agora deixou-nos perplexos e quase incrédulos com relação à estória que nos chegou através do inquérito policial relatado pela Polícia.
Nos dias que antecediam o Natal de 1996, um Deputado Federal passeava no CNB (um Shopping Center), já de noite, quando foi abordado por uma mulher, jovem e mal vestida, que, com uma criança nos braços, se dizia faminta, doente e desesperada, implorando ajuda para poder retornar ao seu estado de origem, o Maranhão.
Demonstrando senso humanitário de rara magnitude, o parlamentar disse à mulher que a iria socorrer. Sabendo, porém, que àquela hora da noite (cerca de 22:00 h) já não encontraria ônibus para o destino desejado pela jovem pedinte, e ante a informação desta de que não teria onde passar a noite, o nobre deputado tomou uma decisão digna daqueles que verdadeiramente vivem o espírito natalino: levou a moça e a criança para sua própria residência, a fim de que, no dia seguinte, pudesse embarcá-la para o Maranhão.
Chegando no seu apartamento, o deputado ordenou à sua secretária que providenciasse roupas para mãe e filho, alimentou-as, franqueou-lhes o chuveiro para um banho e, por fim, lhes ofereceu o quarto de hóspedes para que pudessem desfrutar de uma reconfortante noite de descanso.
No dia seguinte, o senhor deputado, humildemente, convidou a jovem pedinte para sentar-se com ele na mesma mesa, e serviu-lhe um substancioso desjejum, certamente sob o olhar incrédulo da secretária doméstica. Indo mais longe na sua disposição para o serviço ao próximo, levou a moça até um odontologista, pois reclamava de dores de dente, e, após um tratamento emergencial, conduziu-a em seu automóvel até a Estação Rodoferroviária, onde comprou um bilhete de ônibus para que a mulher e a criança, que afirmava ser seu filho, pudessem voltar à sua terra natal, como era de seu desejo.
De volta ao apartamento, porém, descobriu o caridoso parlamentar que a indigente que acolhera em seu lar subtraíra dois anéis banhados a ouro, pertencentes à sua secretária, os quais se encontravam no criado mudo do quarto em que esta dormia.
Desolado e certamente indignado com tamanha ingratidão com o ato de que fora vítima, o parlamentar procurou a Polícia que, incontinenti, dirigiu-se às proximidades do CNB, onde a encontrou no mesmo local em que abordara, na noite anterior, o deputado, e contando a mesma estória que lhe comovera o coração.
Indagada pelos policiais, a larápia confessou tranqüilamente que, tão logo deixada na rodoferroviária pelo deputado, vendeu o bilhete de ônibus para um interessado, retornando em seguida para o seu "ponto". E mais, disse desavergonhadamente que todos os anos no mês de dezembro, vinha de sua cidade (Anápolis-GO, distante 150 km de Brasilia) para a capital federal, onde, com a mesma ladainha que iludira o deputado, conseguia recolher aproximadamente R$400,00 em esmolas, quantia bem maior que a auferida em meses de mendicância na cidade goiana. Não foi presa em flagrante, porque já cessara o estado de flagrância delitiva.
Essa é a estória relatada no inquérito policial e que deu origem à denúncia por nós oferecida à 7ª Vara Criminal de Brasília, e que anexamos ao final. Infelizmente, a autora do crime não foi encontrada para ser citada pessoalmente, ao passo que o deputado lesado pela conduta, mesmo após sucessivas intimações, não compareceu, nem mesmo designou data, para prestar depoimento, o que gerou a suspensão do processo, por força de norma do Código de Processo Penal.
Não há, com tal relato, como deixar de fazer um breve e despretensioso paralelo com a expressiva estória do escritor Victor Hugo, LES MISERABLES (grande sucesso na Broadway), em que tudo se inicia quando VALJEAN, em liberdade condicional, é acolhido por um Bispo em seu próprio lar e lhe furta algumas peças de prata. Ainda assim, o clérigo, em sinal incomum de fraternidade e compreensão com o sofrimento dos miseráveis, diz à Polícia que, na verdade, dera a prataria a VALJEAN., gesto que o fez mudar a forma de enfrentar a vida, sob a implacável perseguição do inspetor JAVERT.
Guardadas as proporções - e sem notarmos o arrependimento demonstrado pelo personagem fictício de Victor Hugo - bem que a jovem pedinte poderia ser comparada ao miserável VALJEAN, e o deputado, ao caridoso Bispo.
Mais uma confirmação de que "a vida imita a arte"?
O MINISTÉRIO
PÚBLICO DO
DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, através do
Promotor de Justiça que esta subscreve, vem, perante V.
Exª, oferecer
contra M. G. DE O, filha de J. E. e de M. G.da C., nascida aos 2/1/72 em Anápolis-GO (demais qualificações às fls. 6), tendo em vista o cometimento do crime objeto das investigações realizadas no incluso inquérito policial, de onde se extrai que:
No dia 10 de dezembro de 1996, no interior do apartamento *, pertencente a H. P., a denunciada, que ali passara a noite juntamente com sua filha, subtraiu, para si, 2 (dois) anéis banhados a ouro, sendo um deles com uma zircônia, de propriedade de R. S..
Informam os autos que a denunciada, que tem como hábito deslocar-se a Brasília no período natalino especialmente para mendicar nas ruas da capital, estava nas imediações do CNB quando, por volta das 22:00 h de 9/12/96, pediu ao Deputado Federal H. P. dinheiro para comprar uma passagem para o Maranhão, estória que rotineiramente inventava como forma de obter, ardilosamente, valores que, em anos anteriores, haviam-lhe rendido cerca de RS$400,00.
Sensibilizado em ver a denunciada e sua filha na aparente situação aflitiva, o Sr. P. conduziu-as até seu apartamento para ali passarem a noite, eis que, àquela hora, não mais havia ônibus partindo para o Maranhão.
Em sua residência, o Sr. P. forneceu à denunciada e sua filha um quarto de hóspedes onde puderam banhar-se e descansar, alimentou-as, vestiu-as e ainda conduziu a denunciada a um odontologista, pois reclamava de dores de dente.
Nesse ínterim, a denunciada, revelando extrema ingratidão a quem, de forma cristã, lhe acolhera em seu próprio lar, dirigiu-se ao quarto da secretária do Deputado, R. S., de onde subtraiu os referidos anéis, que se encontravam sobre a penteadeira.
Ignorando a criminosa conduta da denunciada, o Sr. P. levou-a à Rodoferroviária, local em que lhe comprou o bilhete de ônibus para o Estado do Maranhão, o que não ocorreu, pois, tão logo deixada pelo Sr. P., retornou à Estação Rodoviária do Plano Piloto, onde reiniciou sua fraudulenta mendicância.
Assim é que, no dia seguinte, já descoberto o furto ora narrado, a denunciada, que já iludira outra pessoa para pagar-lhe a passagem para o Maranhão, foi localizada por policiais, na Rodoviária do Plano Piloto, de posse dos anéis subtraídos da secretária do Deputado.
Com tal comportamento, a denunciada cometeu o crime de FURTO, devendo responder pelas sanções previstas no art. 155, caput, do Código Penal Brasileiro.
Por conseguinte,
requer o Ministério Público a V. Exª seja recebida
a presente denúncia, citando-se a denunciada para ser
interrogada e para acompanhar a ação penal, no curso
da qual, a par de outras provas a serem eventualmente produzidas,
deverão ser ouvidas as pessoas adiante arroladas.
Rol:
1.H. P.- Deputado
Federal
2.R. S.- fls. 12
3.M. C.- Ag. Polícia
- fls. 10