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Em: 11-MAI-1999

Respira-se um ar quase normal

Ecomog entregou à Junta Militar 200 dos 634 prisioneiros fiéis a Nino Vieira que se encontravam no Hotel 24 de Setembro

Luís Naves em Bissau


Lusa-Tiago Petinga
SORRISOS. O brigadeiro Ansumane Mané (à direita) cumprimenta quadros partidários no final de uma reunião que decorreu nas instalações do Quartel-General


O tumulto acabou e respira-se de novo, em Bissau, um ar quase normal. A multidão enche completamente a longa avenida do mercado de Bandi, numa azáfama semelhante à dos restantes dias africanos. Mas agora, poucos dias depois do fim da guerra, aos sinais da normalidade junta-se o que sobra da fúria militar.

Foram nove meses de cerco a Bissau, resolvidos em menos de um dia pelo ataque final ao centro da cidade e ao coração do regime de Nino Vieira. O que sobra da guerra da Guiné-Bissau está no pátio do Hotel 24 de Setembro: são mais de 200 prisioneiros (de um total de 634) entregues ontem à Junta Militar do general Ansumane Mané pela Ecomog, contingente dos países da África ocidental que substituiu as tropas senegalesas vindas, no mês de Junho, em ajuda de Nino Vieira.

Quando a Junta conquistou Bissau, na sexta-feira, muitos jovens afectos a Nino procuraram refúgio entre os militares da Gâmbia, do Togo e do Níger que se acantonaram no hotel. Ontem, após uma reunião que envolveu a Ecomog, o Governo da Guiné-Bissau e representantes de organizações religiosas, humanitárias internacionais, os prisioneiros foram entregues ao Governo e levados para locais de detenção fora da cidade, com todas as garantias da Convenção de Genebra. Os prisioneiros saíram ao fim da tarde, na companhia de elementos da ONU e das embaixadas. Um grupo de mulheres ficou a chorar, durante largos minutos, enquanto os camiões saíam do hotel.

"A ideia geral é que não há perseguição nem vingança", explicou o ministro da Defesa, Francisco Benante, um jurista que rubricou o acordo pelo lado governamental.

"Temos receio de que os que forem libertados sejam agredidos pela população não organizada", frisou Benante, para justificar a não libertação imediata de muitos destes prisioneiros. Amanhã, os mais novos entre os recrutas estarão em liberdade.

Bissau está sob controlo total do Governo de Francisco Fadul e da Junta Militar, à excepção deste estranho hotel, ocupado por tropas estrangeiras que deixaram de ter missão. O palácio presidencial, o Centro Cultural Francês e o edifício da União Europeia não escaparam às pilhagens do fim-de-semana. Soldados da Junta dormem na frescura, sob as arcadas da Presidência. O edifício tem buracos de bala nas paredes e as janelas estão escurecidas do fogo que destruiu o interior.

Na escadaria, vejo uma mancha de sangue e, no segundo andar, oscila um pobre candelabro, o que resta dele em fios tristes de metal. Os soldados estão contentes, com medalhas ao peito, tiradas de algum armazém; e, a dominar a avenida de acesso, um canhão descansa à sombra.

No Centro Cultural Francês, há o mesmo cenário de destruição e saque. Restos de tela pintada, folhas do Le Monde um pouco por todo o lado, inofensivos cartazes de filmes e programas musicais e, fantasmagórico, um auditório com estofos de tecido vermelho ainda intactos.

O resto da cidade está surpreendentemente habitada. As lojas estão abertas e a maioria das casas, intacta. Enfim, cura as feridas e prepara o futuro. Francisco Fadul, o primeiro-ministro, reuniu-se ontem com o presidente da Assembleia Nacional, Malam Bacai Sanhá, um possível futuro Presidente da República. Os partidos políticos estão a preparar a reconstrução. Fadul explicou que o motivo da reunião era informar o presidente da Assembleia sobre a sua viagem ao estrangeiro, mas o Governo teria outras razões para se preocupar.

"O país real, o que nos alimenta, continua a viver a sua vida tranquila", disse Francisco Fadul, no final da reunião. O primeiro-ministro garantiu que o presidente deposto, João Bernardo Vieira, terá todos os seus direitos respeitados, bem como os dos seus colaboradores.

O primeiro-ministro, Fadul, explicou ainda que os acontecimentos de quinta e sexta-feira não foram um golpe de Estado e prometeu que não haverá "vingança no país".

Curiosamente, a reunião entre Francisco Fadul e Malam Bacai Sanhá decorreu sob a tutela do "ainda" presidente constitucional, com um retrato de Nino Vieira à vista numa das estantes do gabinete do presidente da Assembleia. Mas Nino já pertence ao passado. O momento é de reconstrução. Ou, como dizia um conselheiro de Fadul, a Guiné-Bissau "vive o seu 25 de Abril".

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