![]() Em: 12-MAI-1999 Junta entrega poder aos civis As opiniões sobre o destino a dar a Nino Vieira - o julgamento ou o exílio - dividiram-se ontem na longa reunião entre dirigentes militares e políticos em Bissalanca. A decisão acabaria por ser adiada
Luís Naves ![]() DN-Leonardo Negrão NOVO PODER. Malam Bacai Sanhá, novo Presidente da República, ao lado do brigadeiro Ansumane Mané A Junta Militar da Guiné-Bissau transferiu ontem o poder para os civis numa dramática reunião que deveria ter servido para definir o destino a dar ao presidente deposto, Nino Vieira, mas que se limitou a adiar a resolução deste problema. O encontro entre os políticos civis e os militares da rebelião triunfante decorreu na Base Aérea de Bissalanca, a poucos quilómetros da capital e no local de onde a Junta controlou o longo cerco a Bissau. No auditório dos oficiais, compareceram os dirigentes máximos da Junta e os líderes políticos do país. A discussão não envolveu apenas o início de uma definição política relativa ao futuro da Guiné-Bissau, mas talvez a primeira grande fissura entre os dois poderes. Nino Vieira foi a razão das divisões, como se este "cadáver político" (a definição é do primeiro-ministro Francisco Fadul) teimasse em pairar sobre Bissau. Fadul, chefe de Governo imposto pela Junta Militar, defendeu abertamente uma solução de asilo político para Nino Vieira. O seu argumento mais importante era o da imagem externa da Guiné-Bissau e o general Ansumane Mané, o novo homem forte do país, apoiou discretamente esta tese. Os partidos políticos estavam do outro lado e sustentaram a ideia do julgamento. Ansumane Mané, comandante supremo da Junta Militar, iniciou a discussão (toda em crioulo) com um discurso em que pediu a saída de Nino do país, mas referindo que a decisão seria dos parlamentares. Estes aplaudiam com frequência. "Não temos ambições de poder, mas temos ambições de justiça", disse Mané, que fez um elogio a Portugal e múltiplas referências a Amílcar Cabral. Na questão de transferência de poderes para os civis, que foi pacífica, o general Mané queria resolver o problema imediatamente e dar posse ao presidente da Assembleia Nacional Popular, Malam Bacai Sanhá, no cargo de Presidente da República. A cerimónia seria efectuada sob a mangueira onde os líderes da Junta tomaram as principais decisões militares, ali na Base Aérea. Menos romântico, Sanhá lembrou os preceitos constitucionais e declinou a pressa. A tomada de posse será amanhã. Não foi aplaudido no final da sua intervenção. "Estou muito orgulhoso de ser guineense", diz por seu turno Fadul. "O vencedor da segunda guerra da libertação [Mané] tem a Guiné sob o seu poder. Prove o sentido de honra." A este elogio do general, devido à transferência de poder para os civis, seguiu-se a defesa do envio de Nino para o asilo. Fadul agradeceu a Portugal a disponibilidade para resolver o problema e lembrou a posição internacional da Guiné-Bissau. Mas as dezenas de deputados que fizeram os discursos seguintes não concordaram com esta ideia. Um a um, foram defendendo um julgamento criminal de Nino. Amine Saad, da União para a Mudança, o terceiro maior partido, disse ao DN que a "opinião unânime da classe política é contra a saída de Nino". Um julgamento "poderá indicar que vamos entrar na era da democracia". O julgamento será justo, garantiu, e a questão pode ser resolvida em dois meses, no máximo. "O importante é que não digamos que não houve tráfico de armas, que não aconteceu nada. Morreu muita gente e agora vai-se dizer que não aconteceu nada." Na opinião de Saad, pode haver uma condenação seguida de indultos. Kumba Ialá, líder do Partido da Renovação Social (PRS), alinhou segundo a mesma tese e, falando ao DN, acusou Fadul de "incoerência". "A posição do primeiro-ministro é estranha", disse Ialá, para quem não se coloca o problema de o julgamento compremeter as relações internacionais da Guiné-Bissau. Fadul fez uma última defesa da sua ideia: "Um julgamento daria origem a uma caça às bruxas" e Nino está fora do poder. Ansumane Mané concluiu a sessão com um discurso fortemente aplaudido. A decisão final sobre o futuro de Nino Vieira foi adiada, mas Mané pareceu aceitar a posição dos líderes políticos, qualquer que ela seja. "A condenação do mundo não poderá impedir a Guiné-Bissau de resolver os seus problemas. A lei da terra é para cumprir e ninguém está acima da lei", disse o líder da Junta. Sob a alçada dessa lei e dos vencedores da guerra estão ainda centenas de soldados e oficiais afectos a Nino. Alguns estão ali mesmo, na Base Aérea de Bissalanca, bem perto da sala onde o futuro de um país se discutiu de forma rara ou mesmo inédita em África. Os militares a cumprirem a promessa inicial de regressarem aos quartéis e os políticos dispostos a decidir pela sua própria cabeça. Jornal Diário de Notícias: E-mail: dnot@mail.telepac.pt Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Geocities Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Terràvista ![]() ![]() ![]() |