![]() Em: 14-MAI-1999 Esperança de ir para algo melhor Num primeiro momento foi a rendição. Agora, os jovens militares afectos a Nino Vieira foram libertados pela Junta Militar ![]() DN-Leonardo Negrão O miúdo tem um olhar desolado e a sua T-shirt preta está decorada com uma frase em inglês cheia de ironia: Go for Something New, vai para algo de novo. O rapaz, não interessa o seu nome, um "aguenta", soldado do lado de Nino Vieira recrutado no fim do conflito da Guiné-Bissau. Ele está descalço e afirma ter apenas 18 anos. Levou um tiro no dedo, de uma bala perdida, e tem outro ferimento na perna, por isso está sentado. É um dos poucos prisioneiros sentados; os outros, sob um sol abrasador, formam filas compactas e esperam que comece a cerimónia de libertação, de pé, no recinto de um campo de andebol, na Base Aérea de Bissalanca. O rapaz da T-shirt preta foi recrutado a 3 de Maio, cinco dias antes dos incidentes que culminaram com o ataque final a Bissau e o triunfo da Junta, o que confirma as alegações de que Nino Vieira estava a reunir tropas. Ontem, milhares de pessoas subiram até ao aeroporto para assistirem ao vivo a uma confusa mas significativa cerimónia de entrega de prisioneiros à Liga Guineense dos Direitos Humanos. Se alguém duvida de quem manda neste país, bastaria ver a entrada do líder da Junta Militar, general Ansumane Mané, no recinto onde já se acumulavam umas duas ou três mil pessoas. A multidão gritou, pulando de alegria. Grupos cantavam, enquanto os "aguentas" formavam dois grupos, um em frente da bancada dos oficiais e diplomatas, e o outro ao lado. No total, estavam ali 185 jovens prisioneiros, alguns deles muito novos, quase crianças. Quando viu a escassa idade de alguns dos meninos que desciam para o cimento do campo de andebol, um soldado da junta exclamou espontaneamente, falando para outro militar: "Nino é criminoso. Tu tens 15 ou 16 anos, isso é crime." Os discursos foram atrasados pelo caos que se instalara nas bancadas e pelas avarias constantes do equipamento de som, a que se juntou uma falha de energia. O tempo ia passando e o sol queimava a sério, enquanto os recrutas se mantinham na expectativa. Enquanto esperava, o general mantinha o rosário muçulmano entre os dedos. Mais tarde, Ansumane Mané apelou à reconciliação, dizendo que Nino é o inimigo, não os soldados que liderava. Falando em crioulo, aplaudido pelos próprios prisioneiros, o comandante supremo disse que a cerimónia não era uma festa, mas uma tristeza, porque crianças de 13 anos tinham pegado em armas. Ao que nos explicou um dos comandantes, a Junta Militar receava que alguns dos jovens recrutas pudessem ser agredidos em Bissau pela população, caso fossem libertados sem um acompanhamento. Francisco Fadul, o primeiro-ministro, também discursou durante a libertação dos presos: "A guerra acabou e os meninos ficam em liberdade", disse Fadul, que descreveu o seu Governo como o de transição da corrupção para a boa governação e da transição da guerra para a paz. Toni Goia, o jornalista da Rádio Junta que me traduzia as intervenções, interrompeu de repente uma frase e exclamou, com surpresa, apontando para um dos prisioneiros: "O meu vizinho, este gajo nasceu debaixo da minha casa. O último filho do meu pai é mais velho." Ontem, na base aérea, foi genuína a alegria e a indignação. Os militares ganham e não tomam o Poder. Dizia-me o responsável da missão adventista, Ricardo Orsucci: "Onde é que já se viu isto em África?" Houve coisas terríveis, até saques de embaixadas e de centros culturais, mas Orsucci não culpa a Junta: "Os jagudis vêm sempre atrás das tropas", explicou, numa referência aos enormes pássaros que pairam sobre a cidade e tratam do lixo. O rapaz da T-shirt preta, não interessa o seu nome, tem um olhar desolado mas teve sorte. Lixo militar, com três dias de treino, carne para canhão, por uma vez não foi deitado aos jagudis. Asilo a ex-presidente foi uma precipitação Vários portugueses residentes na Guiné-Bissau são concordantes em dizer que Lisboa se precipitou ao dar asilo político ao ex-presidente Nino Vieira. Do ponto de vista dos comandantes da Junta Militar, a questão é simples: Ansumane Mané poupou a vida do presidente deposto e depositou o seu cadáver político na embaixada portuguesa, para o ir levantar quando quisesse. "Se lhe salvámos a vida, porque é que lhe iríamos fazer mal agora?", perguntava-me um dirigente do movimento militar. Os partidos que poderão construir uma democracia neste país declararam-se já todos contra o asilo. A popularidade de Nino é igual a zero e quase toda a gente quer um julgamento. Para os juristas, Portugal não pode dar asilo político porque Nino não é preso político, mas é sim acusado de tráfico de armas e homicídio. Jornal Diário de Notícias: E-mail: dnot@mail.telepac.pt Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Geocities Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Terràvista ![]() ![]() ![]() |