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Em: 15-MAI-1999

Posse de Sanhá iluminada por Mané

Novo Presidente da Guiné aponta como prioridades a reconciliação nacional, a competência da justiça e o desenvolvimento

Luís Naves em Bissau


EPA-Lusa
POSSE. Malam Bacai Sanhá é o terceiro chefe de Estado da Guiné-Bissau, sucedendo a Nino Vieira e Luís Cabral

Os aparelhos de som do Palácio Colinas do Boé debitavam uma música suave, uma morna que se ouvia em todo o edifício semidestruído. Ao fundo, tocavam um pequeno grupo de quatro homens e quatro mulheres em roupas tradicionais. Os instrumentos chamam-se korás, têm 21 cordas e são feitos de couro de vaca, produzindo um som hipnotizante. Kebá Galissa, o chefe do grupo musical, disse que vinha ao palácio, à cerimónia de posse do Presidente Malam Bacai Sanhá, porque ele é um mandinga e merece homenagem.

A multidão começou a entrar no vasto salão aberto onde decorria a sessão. Chegaram as autoridades, os dirigentes máximos da Junta Militar, com o líder do movimento, Ansumane Mané, à frente, colar de muçulmano numa mão e a espada mandinga de guerreiro na outra. Atrás, vinha o chefe do Estado-Maior, coronel Seabra, e os restantes comandantes. Começava a entrar muita gente, havia cada vez mais mulheres nas galerias, em algazarra.

O espectáculo era fantástico. O edifício tem sinais de destruição um pouco por todo o lado, com buracos de bala no tecto a produzirem longos raios de sol, e os vidros foram todos consumidos pela guerra. Do falso tecto pendem blocos e a parte lateral é uma espécie de galeria aberta.

Soldados fortemente armados passeiam do outro lado. Na zona do palácio houve alguns dos mais fortes combates do cerco de Bissau e a ruína da Assembleia Nacional Popular é quase completa. Neste cenário decadente, decorreu esta cerimónia europeia. O novo presidente da Assembleia, eleito na véspera, estava ao centro da mesa, ladeado pelas duas personagens da co-presidência: Mané e Sanhá, este com a faixa colorida sobre o casaco. Perante os deputados, a comunicação social e o corpo diplomático que ficaram em Bissau, o Presidente Sanhá fez ontem o seu juramento oficial. Sempre que era mencionado em algumas das intervenções, o brigadeiro Ansumane Mané provocava uma imediata onda de aplausos.

"Por imperativos constitucionais, tenho o dever de assumir a mais alta magistratura", começou por dizer Bacai Sanhá, no seu discurso de posse. Depois de se referir aos episódios da guerra, às milícias Aguentas, à rendição do Presidente da República e aos sangrentos acontecimentos, o Presidente empossado fez uma saudação à Junta Militar, que compareceu em peso à cerimónia. As linhas mestras da política guineense, segundo o Presidente, deverão implicar reconciliação nacional, a competência da justiça e o desenvolvimento.

O Presidente Bacai Sanhá pediu ao Governo liderado pelo primeiro-ministro Francisco Fadul para tratar da economia e ajudar a reconstruir o País. Defendeu igualmente a reorganização das Forças Armadas e a melhoria da situação dos antigos combatentes, afinal a razão deste conflito. As eleições legislativas e presidenciais serão realizadas na data prevista, prometeu Sanhá.

"O nosso País precisa de todos os seus filhos", concluiu o Presidente da Guiné-Bissau. "A guerra fratricida que assolou o País durante 11 meses ficará gravada na memória de todos. Nunca mais os guineenses pegarão em armas." O novo Presidente, após o seu discurso, não terá grandes poderes, isto apesar de os dirigentes da Junta garantirem que ele possui todas as prerrogativas do cargo.

Na realidade, a Guiné-Bissau será governada até Novembro num sistema de co-presidência em que o brigadeiro Anssumane Mané detém o verdadeiro poder político-militar. A Junta Militar é toda-poderosa em Bissau e controla todos os aspectos da vida do País.

O partido de Bacai Sanhá, o PAIGC, é hoje uma formação bastante dividida e os partidos da oposição, minoritários na Assembleia, começam a insistir em mudanças reais. De qualquer maneira, o futuro político da Guiné-Bissau passará nos próximos seis meses pelo estranho arranjo da co-presidência, fórmula constitucional com que o novo regime pretende reforçar a sua legitimidade exterior.

Na tomada de posse de Bacai Sanhá compareceu o essencial da classe política guineense. Os próximos seis meses deverão conduzir a grandes realinhamentos das lealdades, refundação do partido no Poder e mudanças nos existentes. Mas não há nenhuma dúvida sobre quem lidera este País da África Ocidental. O brigadeiro Mané ficou sentado em posição secundária durante a cerimónia, calado todo o tempo.

No final do discurso de Malam Bacai Sanhá deu-se um bizarro efeito de luzes. Um raio de sol trespassou o telhado no local onde a chapa foi perfurada por um estilhaço. A luz muito intensa iluminava exactamente a cara do brigadeiro num pequeno círculo que a sorte colocara naquele ponto àquela hora.

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