Jornais

Diário de Notícias

Diário de Notícias

Em: 18-MAI-1999

Destino a dar a Nino divide guineenses

A oposição não põe em causa o direito de asilo, mas exige o julgamento com base no relatório sobre tráfico de armas

Luís Naves
leonardo Negrão em Bissau


DN-Leonardo Negrão
ESPERANÇA. A Guiné tem hoje a oportunidade de criar instituições democráticas, mas receia-se que essa esperança seja ameaçada pelo homem que transformou um país num lugar de imensa pobreza

Os políticos democráticos guineenses estão divididos em relação ao que fazer do presidente deposto Nino Vieira, refugiado na embaixada portuguesa, onde obteve asilo político do Governo de Lisboa.

"Cada dia que Nino Vieira permanece no país é mais um dia de instabilidade", diz Jorge Mandinga, líder da Frente Democrática, justificando a ideia de o ex-presidente sair depressa da Guiné. No outro extremo está, por exemplo, o prestigiado Hélder Vaz, líder do Movimento Bâ-Fatá (palavra que significa "o mar está cheio, é tempo de avançar").

Segundo Hélder Vaz, "a população não aceitará o novo regime sem o julgamento de Nino Vieira". Em comum, os dois políticos têm a ideia de aplicar na Guiné um verdadeiro multipartidarismo e estado de direito.

A tensão é evidente na sociedade guineense devido ao problema criado aqui pela concessão de asilo político ao presidente deposto, sobre o qual se acumulam provas de corrupção e mesmo de homicídio. "Não está em causa o asilo político dado por Portugal", explica Hélder Vaz, que controla o maior grupo parlamentar da oposição, com 19 deputados, metade das vozes eleitas nas listas dos partidos exteriores à órbita do Poder. O PAIGC, antigo partido único, com 62 deputados, tem a maioria absoluta, havendo acusações de existência de fraude eleitoral quando foi escolhida a actual Assembleia Nacional Popular.

Em resumo, os partidos da oposição não querem colocar em causa o direito de asilo, mas exigem o julgamento de Nino com base na votação efectuada pela assembleia do famoso relatório sobre tráfico de armas para Casamansa. A votação (anterior aos últimos acontecimentos militares que ditaram a queda do regime) foi desfavorável ao presidente. "O que dizemos é que Nino Vieira não deverá sair da Guiné-Bissau", afirma Hélder Vaz. "Portugal concede asilo político quando o indivíduo é perseguido devido a razões de direitos humanos. Nino representa o oposto e, para nós, o caso é uma questão de soberania, pois existe o direito do Estado guineense a fazer justiça." Ou seja, segundo esta tese, Portugal deu asilo a uma pessoa já indiciada por crimes através de uma votação feita em Abril.

Recentes notícias sobre a eventual intenção da Junta Militar de deixar sair Nino Vieira do país causaram uma forte emoção na população guineense e dividiram os comandos da Junta Militar. Há quem não aceite tal possibilidade. "Estão-nos a obrigar a ser um Estado terrorista, em vez de Estado de direito", lamenta Hélder Vaz, temendo alguma acção emocional. "Talvez o mundo não saiba que antes da revolução de 7 de Junho já tínhamos remetido Nino Vieira para a justiça".

Ao argumento da justiça contrapõe-se o receio do isolamento. Para Jorge Mandinga, líder da Frente Democrática (coligação de seis partidos que controla três deputados), o julgamento de Nino Vieira pode mesmo impedir as eleições de Novembro. "Muitos dirigentes estão envolvidos" no regime de Vieira e as energias serão desviadas do desenvolvimento para este assunto que divide o país. A Guiné perderá as verbas da cooperação e, com o Estado falido, "onde vamos nós arranjar dinheiro para solucionar o problema dos antigos combatentes, que está na origem do levantamento?", pergunta Jorge Mandinga.

Na opinião deste político e empresário, a Guiné-Bissau estará condenada a perder um ano, com mais estagnação económica e crise social. "Não havendo dinheiro, não há recenseamento, não há eleições", prevê o dirigente.

Apesar de a liderança apoiar a saída de Nino Vieira do país, na linha do pensamento do primeiro-ministro Francisco Fadul, a Frente Democrática está dividida sobre este assunto, como aliás a própria Junta está dividida. Jorge Mandinga defende a tese de ser criada uma comissão de verdade e reconciliação e de se deixar o actual clima emocional sobre o destino a dar ao antigo presidente. "Enquanto Nino estiver cá, nada mais avança", lamenta o político.

O mais importante, acrescenta, é que possa haver eleições livres e que seja possível acabar com aquilo que classifica de "cultura da violência" do PAIGC. Nos próximos dois ou três anos, prevê, "vamos assistir a uma fase de confrontação política, que pode arrastar-se". Não será fácil formar partidos sólidos ou que os militares não cedam à tentação de entrar na política activa. Os militares terão de compreender que num país pobre a prioridade deve ir para a educação e a saúde. Isso significa que vamos ter muito poucas verbas para as forças armadas. Devemos criar uma defesa nacional que o país possa sustentar", conclui Jorge Mandinga.

A Guiné-Bissau enfrenta hoje uma oportunidade inédita de criar instituições democráticas. Os partidos que lutaram pela liberdade temem agora que esta frágil esperança seja ameaçada pelo homem que governou a Guiné-Bissau com mão de ferro, que provocou muito derramamento de sangue e que transformou este país rico num local onde se acumula uma extraordinária pobreza. Muitos guineenses têm contas a ajustar e para eles será difícil o perdão.

Hélder Vaz e o Movimento Bâ-Fatá perderam um amigo e o fundador do partido, Viriato Pâ, fuzilado em 1986. Nino Vieira transformou muitos obstáculos em cadáveres. Morto politicamente, derrubado pelo levantamento militar da Junta, que tem a sua base de recrutamento nos antigos combatentes, o ex-presidente é hoje um obstáculo ao futuro do país e ninguém sabe o que fazer com ele.

Jornal Diário de Notícias: E-mail: dnot@mail.telepac.pt

ÍNDICE DO JORNAL

Contactos E-mail:

Geocities:  bissau99@oocities.com

Outros endereços referentes a este tema:

Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Geocities

Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Terràvista

     Get Internet Explorer