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Em: 19-MAI-1999

Junta e partidos adiam pacto

PAIGC pediu um dia para estudar programa de transição: organização das eleições, reestruturação das forças armadas, aprofundamento da democracia e relançamento da banca privada

Luís Naves (texto)
Leonardo Negrão (foto)


DOENÇA. Os momentos mais amargos da guerra já passaram, mas muitos problemas subsistem, como na distribuição de comida e na assistência humanitária

Em Bissau a pressão portuguesa sobre a Junta Militar, no sentido de ser permitida a saída do ex-presidente Nino Vieira, está a radicalizar o movimento triunfante na Guiné. Alguns grupos falam com crescente irritação sobre este problema e os partidos estão cada vez mais unidos na tese do julgamento do presidente deposto, indiciado pela Assembleia por tráfico de armas e acusado pela opinião pública dos maiores crimes.

As histórias que agora correm sobre os feitos de Nino são quase sempre escabrosas, desde o homem que não podia entrar na própria casa quando a sua mulher era visitada pelo presidente até casos de assassínio e corrupção. A indignação do homem da rua é tal que até o partido no Poder, PAIGC, "já apoia o julgamento".

Ontem, em Bissau, a Junta Militar reuniu com os partidos e com o Governo para discutir o pacto que orientará o país até às eleições, mas a discussão foi adiada para amanhã. O destino a dar ao ex-presidente também estará na agenda, mas, a cada dia que passa, a tensão aumenta.

Um dirigente político confessava ao DN na véspera da reunião adiada que a Guiné-Bissau não poderá deixar sair Nino Vieira, sob pena de o país se condenar à instabilidade. Todos esperam aqui que Nino organize uma guerrilha com a fortuna que acumulou e os homens da Junta estão perplexos com a concessão do asilo político, até porque Nino Vieira era manifestamente contrário a Portugal.

O pacto que está em fase de aprovação não é polémico, mas o PAIGC pediu mais um dia para analisar os aspectos jurídicos do mesmo. O texto prevê medidas governamentais de organização das eleições, reestruturação das Forças Armadas, aprofundamento da democracia e ainda relançamento da banca privada.

"O documento regula a transição até às eleições e não tem problemas", disse ao DN Amine Saad, líder da União para a Mudança (UM), uma das formações democráticas. Sobre a questão de Nino, a UM espera ainda a posição do presidente interino, Malan Bacai Sanhá, mas este partido, "bem como o Movimento Bâ-Fatá", apoia a tese do julgamento.

Bem consciente dos efeitos internacionais da sua posição, os dirigentes destas formações estão a falar de forma crescentemente pessimista. Segundo nos afirmou o ministro da Defesa, Francisco Benante, "a delegação da Junta que está em Lisboa não tem mandato para discutir a questão de Nino Vieira". Benante é defensor do julgamento e fala, em linguagem metafórica, em "travessia do deserto" e "cegueira".

A questão do destino do ex-presidente começa a envenenar a oportunidade que Portugal tem hoje na Guiné-Bissau. A pequena Escola Moderna Danielle Mitterand é símbolo disso, porque poderá mudar de nome, para Escola Moderna Maria Barroso. Quem me confessa o desejo é o director, Malan Sanhá, cunhado do presidente interino, Bacai Sanhá. Escola privada do familiar do presidente, que fala melhor francês do que português, é um edifício mínimo, com graves dificuldades financeiras e salas apertadas. As turmas são grandes e, na crise, ninguém paga propinas.

Ali perto, o Liceu João XXIII, gerido pela diocese, marca o contraste. O liceu é um luxo para este país. Salas amplas, 50 professores, propinas pequenas, organização exemplar. A freira brasileira Alzair Vidal, directora, mostra as salas organizadas, o belo pátio e, mesmo ao lado, o Hotel Hotti, devastado pelos combates desta longa guerra. Também há dificuldades com o pagamento das mensalidades e parte substancial da escola foi saqueada pelos bandos que se aventuravam na terra de ninguém. Mas os computadores salvaram-se, assim como o arquivo e a biblioteca.

Numa sala, estão os cadernos escolares e os pacotes acabados de chegar, com livros portugueses de física, do 11.º e 12.º anos. Nas prateleiras da biblioteca vejo livros de Herculano, Agustina, Garrett, Gil Vicente e Torga. "Temos muita literatura portuguesa", diz a irmã Alzair, quando vê o meu interesse pelos livros. "Não temos é mais espaço."

Um dos pavilhões do liceu levou com uma bomba e ficou no mesmo estado em que está este País: devastado na sua dignidade. O quadro negro está por escrever, o chão ficou coberto de destroços, as paredes têm buracos espelhados. Mesmo assim, no resto do liceu os alunos ainda estudam.

Jornal Diário de Notícias: E-mail: dnot@mail.telepac.pt

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