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Em: 20-MAI-1999

Fadul contra julgamento de Nino

Primeiro-ministro recusa uma política de "caça às bruxas" e considera que Vieira já foi julgado politicamente pelo Parlamento

Luís Naves, Leonardo Negrão em Bissau


DN-Leonardo Negrão

CRISTÃO. "O meu sonho é encontrar Nino na rua e só ver a nuca dele. Não vai ter coragem de me olhar nos olhos" "Julgar Nino Vieira não é julgar o Presidente. É julgar um regime de 25 anos. Isso vai abalar a Guiné até às entranhas. Não serve ao país engendrar um julgamento destes, de consequências imprevisíveis. Serão milhares de pessoas a serem julgadas." Este é o argumento central do primeiro-ministro guineense, Francisco Fadul, na defesa da tese da saída do líder deposto e refugiado na embaixada portuguesa.

Numa entrevista ao DN e à TSF, Fadul explicou as razões que contrariam um julgamento público de Nino Vieira e fez rasgados elogios a Portugal, nomeadamente aos esforços diplomáticos que conseguiram suavizar os termos das condenações internacionais. Um exemplo dado por Fadul desta atitude de Lisboa é o conteúdo de condenação da União Europeia, cujas instalações em Bissau foram saqueadas a 7 de Maio. "Portugal está a defender a Guiné-Bissau e a gastar rios de dinheiro nesta diplomacia", diz. Em relação à decisão sobre o destino a dar a Nino Vieira, Fadul considera que esta é uma atribuição governamental.

"Deixem o Governo exercer a respectiva competência." Na sua opinião, a comunidade internacional quer que a Guiné prove não ter havido golpe de Estado há duas semanas. O Executivo pretende levar a cabo o seu compromisso de reconciliação e cumprir a promessa de não perseguir os vencidos. "Que adiantaria julgar, para humilhar Nino Vieira?", pergunta Fadul. Acrescenta que o ex-presidente já foi julgado politicamente pela Assembleia e que a ameaça de uma eventual guerrilha após a sua saída não existe: "Nino vai à bancarrota em seis meses", diz Fadul, segundo o qual todos os seus antigos amigos o irão abandonar depressa.

O primeiro-ministro elogiou, na mesma entrevista, a acção da embaixada portuguesa em Bissau e recordou as duas condições colocadas pela Junta Militar no momento em que recorreu aos portugueses para salvar a vida ao presidente deposto: Nino teria de assinar uma declaração de rendição e uma carta a pedir refúgio na embaixada. Segundo Fadul, não houve qualquer outro pedido da Junta. "A postura é conforme as normas. Portugal não vai entregá-lo." "Julgar o Nino? É um baile de máscaras", frisa Fadul com veemência. "Ninguém me acuse de ter optado por uma grotesca política de caça às bruxas. Não vou julgar o Nino." Para o chefe do Executivo da Unidade Nacional, um tal julgamento equivale a "causticar" a sociedade guineense e muitos dos políticos não irão escapar às revelações do acusado. Haverá milhares de pessoas envolvidas nos crimes. "Isto é um julgamento popular", afirma Fadul.

Em relação à forma como o processo tem sido conduzido, o primeiro-ministro guineense critica a consulta feita pela própria Junta Militar aos partidos políticos, numa reunião realizada, na semana passada, na base aérea de Bissalanca. "Devia ter havido uma concertação entre os órgãos de soberania e não deviam ter sido, de forma nenhuma, envolvidas as formações políticas." Em sua opinião, há interesses na destruição do PAIGC", depois de um julgamento do ex-presidente, que envolveria inúmeras personalidades do partido no Poder. Desta forma, essa formação teria escassas hipóteses nas eleições de Novembro.

Iniciar a reconstrução e evitar sanções externas, garantindo os financiamentos da comunidade internacional, são outros argumentos adiantados por Fadul na defesa da saída de Nino Vieira do país. Esta convincente defesa da tese do não julgamento tem provocado críticas emotivas dos grupos que não abdicam do exemplar castigo para o ditador guineense. Fadul, embora isolado, insiste na sua razão: "Não vou mudar. É uma questão de honra." Francisco Fadul é também uma das raras personalidades políticas guineenses com moral para falar assim. Este descendente libanês foi durante quatro anos assessor de Nino Vieira, mas rompeu com ele, o que motivou uma perseguição cerrada: "Ele destruiu a minha família várias vezes", diz Fadul, com emoção.

"Os meus filhos foram afastados de mim." As crianças não tiveram educação escolar, Fadul foi agredido, mas teve mesmo assim coragem para escrever um livro sobre o regime de Nino, que circulou clandestinamente através de fotocópias. "A minha travessia do deserto foi muito longa e muito dura." Francisco Fadul está de pé a falar com os jornalistas na pequena sala de uma central eléctrica que transformou em gabinete provisório. É um sítio lúgubre, com um pequeno frigorífico onde está colado um anúncio de cerveja, há alguns livros espalhados e, na pequena mesa ao canto, uma mulher coloca o jantar. "Sou cristão", conclui, "e o meu sonho é encontrar Nino numa rua de Bissau e só ver a nuca dele, porque o homem não vai ter coragem de me olhar nos olhos, com a vergonha do que me fez."

Preço do arroz disparou nos últimos dias

O preço do arroz, que representa cerca de 85 por cento da dieta alimentar da população guineense, tem vindo a aumentar desregradamente nos últimos dias, tendo passado de 12 500 francos CFA (3750 escudos) por saco para cerca de 20 mil. Fontes ligadas ao sector explicaram esta subida de preço com a escassez de dinheiro no mercado, o encerramento do sector bancário e ainda as poucas importações que estão a ser efectuadas.

Os empresários justificam ainda o facto com a sua situação económica de ruptura total e pelo estrangulamento da actividade comercial devido a restrições nas fronteiras dos países vizinhos. A carência da circulação de moeda é resultado da guerra que afectou o país, levando à paralisação da actividade económica e à suspensão dos pagamentos aos funcionários públicos, que têm dez meses de ordenados em atraso.

Jornal Diário de Notícias: E-mail: dnot@mail.telepac.pt

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Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Geocities

Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Terràvista

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