![]() Em: 26-NOV-1999 Retrato dos que ainda sobrevivem A dois dias das eleições que podem mudar todo o sistema político, Bissau é um caos e os ministérios têm erva no tecto Luís Naves em Bissau![]() Lusa-Manuel Moura CONTACTO. Helder Vaz, líder do partido favorito, a Resistência da Guiné-Bissau, em campanha com a população de Contubuel, a 180 quilómetros de Bissau Nestes dias de campanha, Bissau parece uma grande discoteca ao ar livre. Todos os equipamentos de som dos partidos, ao fundo da Avenida Amílcar Cabral, debitam música africana, mas canções diferentes. O porto é um cais de ferrugem e sobre a superfície lisa e verde da água paira uma atmosfera densa que faz brilhar as cores. A cidade é um amontoado decrépito que persiste em sobreviver. O Ministério da Justiça tem erva no tecto. Junto ao palácio presidencial, transformado num monte de ruínas, um pano anuncia "Viva Timor-Leste" e, do outro lado da rotunda de erva seca, um grande retrato de Amílcar Cabral decora a fachada da sede do PAIGC, o partido que tem controlado a vida independente deste país. O mesmo partido que agora luta pela sobrevivência política. A festa está preparada na sede. Espera-se o líder, Francisco Benante, e grupos de jovens vão aparecendo ao longo de mais de uma hora. Os simpatizantes do PAIGC falam de vitória certa, mas os comícios estão a atrair pouca gente e ninguém duvida que o antigo partido único vai sofrer nestas eleições. O seu candidato presidencial, o actual Presidente Malan Bacai Sanhá, tem escassas possibilidades de ganhar, porque se chegar à segunda volta os restantes partidos apoiarão o seu opositor, qualquer que ele seja, Koumba Ialá ou Faustino Imbali. As legislativas têm um carácter muito diferente e o PAIGC conta resistir, beneficiando da fragmentação do espectro partidário e da sua implantação regional. A campanha correu muito mal para o PAIGC e "eles têm sido apedrejados", afirma Helder Vaz, líder do partido favorito, a Resistência da Guiné-Bissau (RGB). Sobre as possibilidades de uma vitória do RGB, Vaz é cuidadoso: "Não queremos deitar foguetes antes da festa, mas cremos que a maioria absoluta pode ser alcançada." Apesar do optimismo, a dois dias das eleições que podem mudar todo o sistema político, o RGB tem a sua própria necessidade de sobreviver, pois os vencedores da votação terão de conviver com a Junta Militar que derrubou Nino Vieira. "Sou um democrata e nunca concordarei com uma tutela das forças armadas sobre a sociedade civil", promete Helder Vaz. Na sua opinião, "o pacto de regime terá de ser discutido em alguns pormenores", mas "é justo que se acomodem alguns interesses" dos militares. O líder do RGB foi um dos heróis do último conflito na Guiné e um dos poucos políticos que permaneceram na cidade durante o estertor do regime de Nino Vieira. Na sua porta tem um papel colado, com uma curta mensagem ouvida na RDP durante os dias perigosos em que podiam ser homens de Nino que batiam à porta. Diz o texto: "Pode perder-se a vida, mas não se pode perder a face quando se ama a liberdade." Hoje, a liberdade está à vista, mas a fragmentação da oposição pode impor a lei da sobrevivência ao regime que sair destas eleições, tornando difícil constituir governos estáveis. Alguns dos políticos guineenses que querem a mudança permaneceram nas fileiras do PAIGC e apostaram na mudança interna. Mas se o advogado Lássama Seidi é um exemplo, então não se pode dizer que a nova vaga esteja confiante. "Os partidos devem permanecer no poder na medida da sua eficácia", diz Seidi. "A implantação do PAIGC é forte, mas o desgaste de 20 e tal anos de governação pode castigá-lo imenso." Insatisfeito, Seidi critica a gestão dos últimos anos do regime de Nino, o compadrio e a corrupção. "Houve desvios incontroláveis e destruição do tecido económico e social." A destruição do tecido, qualquer que ele seja, observa-se em toda a cidade. Bissau é um caos, mesmo se há casas em obras que têm pintura nova. As ruas são nuvens de poeira encarnada e cada um dos táxis azuis é um milagre de circulação automóvel, chapa rangente, vidros partidos. Crianças brincam no lixo; os cães são fantasmas que se arrastam penosamente no calor; um louco passeia com uma T-shirt que diz "Nino a Presidente"; os telhados parecem barrigas vazias. No mercado Bandim, no início da Avenida 14 de Novembro, é quase permanente o tumulto colorido nas bordas da estrada. Colchões, sandálias, meninos de mochila, mulheres de cabaz à cabeça, cortejos políticos e casas interrompidas a meio, com o cimento à mostra, camisolas de futebol de todos os clubes do mundo. Os chapéus de sol são círculos de cor, as sombras todas ocupadas. A multidão circula devagar, paleta viva, rio de esperança na grande circulação da sobrevivência quotidiana. Annan lança apelo para transparência O secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, apelou à Guiné-Bissau para que as eleições presidenciais e legislativas de domingo sejam livres, justas e transparentes. "Nesta ocasião, apelo a todas as partes na Guiné-Bissau, incluindo os militares, para que assegurem que estas eleições sejam efectuadas de forma livre, justa e transparente e sem interferência", disse Kofi Annan num comunicado divulgado pelo seu porta-voz. "Os amigos da Guiné-Bissau e a comunidade internacional não esperam menos", sublinhou o secretário-geral da ONU, preocupado com a evolução democrática em África, tanto mais que ele próprio é um africano, cidadão ganês. Estas eleições gerais surgem na sequência do derrube em Maio do presidente Nino Vieira pelo brigadeiro Ansumane Mané, após uma guerra civil de 11 meses. Jornal Diário de Notícias: E-mail: dnot@mail.telepac.pt Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Geocities Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Terràvista ![]() ![]() ![]() |