![]() Em: 29-NOV-1999 Os pequenos sinais na formatura Ao meio-dia, ainda as urnas de voto não tinham chegado ao Bairro de Belém, em Bissau. Mas os eleitores não arredaram pé Luís Naves em Bissau ![]() Lusa-Manuel Moura ESPERA. Em algumas mesas, as pessoas formavam duas filas: uma feminina, outra masculina. O motivo era "a menor força das mulheres", evitando assim que se aleijassem nos inevitáveis empurrões Passava do meio-dia e, no bairro de Belém, ainda não havia urnas para votar. Os cerca de 13 mil eleitores do círculo 28 da capital, que elegem três deputados, continuavam à espera, sem notícias da Comissão Nacional de Eleições (CNE). Entre os que aguardavam, estava um homem de cabelos brancos e óculos, sentado entre vizinhos, em frente de uma casa modesta. Francisco Benante, membro do Comando Supremo da Junta Militar, ministro da Defesa e presidente do PAIGC. Aquele que pode ser o próximo primeiro-ministro da Guiné-Bissau esperava, num bairro popular, que as urnas chegassem. "Depois da independência, o destino me lançou neste bairro", explicou Benante ao DN, numa conversa em que se referiu à campanha e ao seu partido, que, garante, irá vencer as eleições. "O PAIGC não vai perder. A campanha foi excelente. Só anteontem (sexta-feira), no último comício, surgiram elementos de Kumba Ialá que tentaram semear a confusão. O único comportamento lamentável e uma atitude que me preocupa." A população guineense levantou-se ontem cedo para ir votar nas legislativas e presidenciais. A votação decorreu com civismo na maior parte dos locais e na maior barafunda em alguns dos círculos. A poucas centenas de metros da sede da CNE, os eleitores começaram a votar com duas horas de atraso, introduzindo em urnas transparentes papéis brancos e cor de laranja. A eleição decorreu em ordem, com vigilância de todos os partidos, dedo mergulhado num tinteiro especial e actas finais assinadas por cinco elementos. Este mecanismo destina-se a evitar o que aconteceu em 94, quando as actas foram assinadas apenas pelo presidente da assembleia de voto, abrindo caminho à fraude. Em todo o país, segundo informações disponíveis a meio da tarde, tudo decorria de forma tranquila. A eleição foi vista de perto por observadores internacionais, entre eles 25 portugueses. Na parte que correu mal, o círculo 28 foi o mais sacrificado, levando a um corte da Avenida 14 de Novembro, o que gerou confusão na principal via da cidade. Houve também falta de escrutinadores e de presidentes de mesa, eleitores recenseados que não constavam das listas e problemas logísticos, como a disponibilidade de apenas um helicóptero nas ilhas. A meio da manhã, mantinha-se junto à sede do CNE um motim de jovens excitados que não tinham ainda sido colocados nas assembleias. Maria de Fátima, que se levantou às três da manhã na esperança de ganhar 25 mil CFA (oito mil escudos, o que aqui equivale a um mês de salário), foi das pessoas que desistiram dos empurrões enervados. "Passei sacrifícios para conseguir o lugar e não o consegui. Eles escolheram as gentes da família que quiseram", disse a jovem, que se preparava para uma longa caminhada de regresso a casa. Para a maioria, a eleição foi uma festa. Nas mesas do bairro Somec, as pessoas formavam duas filas em frente das assembleias de voto: uma feminina, a outra masculina. A razão da insólita disposição era "a menor força das mulheres", segundo explicava um representante partidário presente. Com os empurrões inevitáveis, esta foi a fórmula certa para que ninguém se aleijasse. Nas mesas onde a espera se prolongava, em frente das cabinas de voto improvisadas, dispunha-se uma pequena linha de objectos, a "formatura". Latas de cerveja, um chinelo, garrafas de cola, um trapo, pedras e pedaços metálicos, a tampa de uma panela. A linha na terra correspondia a uma fila humana em que cada um sabia o seu lugar. Ao meio-dia, os habitantes de Belém ainda esperavam que as urnas chegassem, olhando com tristeza as formaturas silenciosas. Alguns perderam a paciência e invadiram a avenida. A calma só regressou com as promessas de que a votação poderia prosseguir à noite, mesmo depois do início da contagem nos restantes locais. Belém é um conjunto de casas com telhados de palha, ruas de chão irregular, a roupa estendida em longas cortinas. Ontem, neste bairro popular que aguardava a chegada da democracia, um homem poderoso falava com vizinhos, o jipe cinzento sem matrícula também à espera que ele pudesse mergulhar o dedo num tinteiro. As filas de objectos eram como traços escritos na areia, cada pequenina coisa correspondendo a uma pequenina esperança, o voto de alguém. Jornal Diário de Notícias: E-mail: dnot@mail.telepac.pt Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Geocities Guiné-Bissau, o Conflito no «site» Terràvista ![]() ![]() ![]() |