(Nota previa: el compa Jorge, del CECA de Florianopolis, Estado de Santa 
Catarina, Brasil, envio esta excelente entrevista que hizo a mediados de 1997 
a Jose Maria Carvalho Ferreira, uno de los voceros intelectuales mas 
calificados del anarquismo en lengua portuguesa.]


               ENTREVISTA COM J.M. CARVALHO FERREIRA


Jose Maria Carvalho Ferreira (52), e professor catedratico de Sociologia do 
Instituto Superior de Economia e Gestao da Universidade Tecnica de Lisboa.

Comecou a trabalhar ainda jovem, ligando-se, nos anos 60, aos movimentos de 
oposicao a ditadura de Salazar. Como muitos da sua geracao acabou exilando-se 
em Franca onde viveu os rescaldos do maio de 68. Em Paris estudou e 
trabalhou, vindo a se doutorar em Ciencias Economicas na Universidade de 
Nanterre. 

Apos a derrubada da ditadura portuguesa em abril de 1974 regressou a Lisboa 
tornando-se professor do ISEG, exercendo atualmente, entre outras atividades, 
as presidencias do SOCIUS - Centro de Investigacao em Sociologia Economica e 
das Organizacoes e do Conselho Pedagogico do Instituto Superior de Economia e 
Gestao da Universidade Tecnica de Lisboa.

Colaborador de varias publicacoes libertarias foi diretor de A Batalha e e 
atualmente diretor da revista Utopia, autor de inumeros trabalhos de 
sociologia, Carvalho Ferreira publicou ainda: Portugal: LAutre Combat, 
Spartacus, Paris, 1975, Sociologia, Mc Graw-Hill, Lisboa, 1995, 
Psicosociologia das Organizacoes, Mc Graw-Hill, Lisboa, 1996, estando no 
prelo A Problematica da Transicao para o Socialismo: o caso de Portugal de 
1974-1975, pela Editora da FURB/Brasil.


1 - Uma das questoes que vem estudando e o das consequencias das mudancas 
tecnologicas, em particular da robotizacao e informatizacao, no trabalho. 
Qual e sua avaliacao sobre a evolucao dessas transformacoes ?

Sobre essa tematica seria possivel fazer inumeras consideracoes. No entanto, 
penso que uma das suas manifestacoes sociais mais significativas e sem duvida 
a reestruturacao da qualificacao do trabalho e da organizacao social do 
trabalho. Outra mudanca importante e a deslocacao das fontes de energia e de 
informacao que antigamente es tavam corporizadas na acao individual e 
coletiva dos trabalhadores no processo de producao de mercadorias. O saber-
fazer classico do operario, em termos de pericia, gestos, movimentos, pausas 
e tempo, ao ser objeto de uma estandardizacao e automatizacao, roubou ao 
conjunto dos trabalhadores uma margem de manobra importantissima, ao ponto de 
perderam progressivamente protagonismo e participacao nos processos de tomada 
de decisao e de lideranca nas organizacoes e instituicoes. O desenvolvimento 
da capacidade competitiva e concorrencial das empresas e uma verdade 
insofismavel, mas os seus efeitos perversos no aumento do desemprego, da 
precariedade dos vinculos contratuais e da segmentacao do mercado de trabalho 
revela-se desastroso.

Por outro lado, a desqualificacao progressiva do trabalho vai transformar uma 
grande parte dos trabalhadores assalariados em meros apendices funcionais das 
maquinas-ferramentas e de outras tecnologias sofisticadas, marginalizando-as 
do processo de trabalho e do mercado. Todos os setores economicos sao 
afetados, principalmente os setores industriais e de servicos. No caso deste 
ultimo setor, com a introducao generalizada da informatica, da robotica e da 
telematica no processo de trabalho, muitos postos de trabalho estao sendo 
extintos nos bancos, transportes, superficies comerciais, etc., e as pessoas 
so tem possibilidades de trabalhar a meio tempo ou de vez em quando com 
salarios muito baixos e sem direitos trabalhistas. Nessas condicoes, nao 
admira que hoje no Mercado Comum Europeu as estatisticas oficiais apontem 
para a existencia de 50 milhoes de excluidos sociais e de miseraveis. Para 
agravar mais ainda essa realidade acrescente-se os 25 milhoes de 
desempregados que atualmente existem nesses paises da CEE.

2 - Com o seu conhecimento do Brasil e levando em conta os salarios e as 
baixas taxas de especializacao da mao de obra no pais, quais serao, em sua 
opiniao, as consequencias particulares desse processo no nosso pais ?

Nao tenho duvidas que as tendencias serao as mesmas que se passam nos paises 
capitalistas desenvolvidos, so que as suas consequencias  serao mais 
gravosas. Em primeiro lugar, porque as novas tecnologias ao integrarem nos 
seus mecanismos complexos uma parte substancial da energia e da informacao 
que antes residia na condicao-funcao do fator de producao trabalho, prescinde 
de uma grande quantidade de mao-de-obra qualificada e, por outro lado, so 
necessita de uma quantidade infima de mao de obra com pouquissima 
qualificacao, embora, por outro lado, surjam pequenos nucleos de 
trabalhadores altamente qualificados. Ora, a maioria dos trabalhadores 
assalariados no Brasil sao pouco qualificados, o que vai ser tragico nesse 
contexto. Por esse motivo, a tendencia sera o aumento do desemprego e da 
economia informal. Em segundo lugar, na medida em que o Estado nao invista em 
politicas sociais e de educacao, o mercado nao conseguira integrar essas 
pessoas no quadro normativo do capitalismo. Por essa razao o crime, a droga, 
a prostituicao, a miseria e a exclusao social, nao deixarao de crescer.

3 - Essas mudancas parecem estar contribuindo para a desarticulacao do
sindicalismo a partir dos anos 80. Como avalia a situacao de crise atual que 
vive o sindicalismo ?

A crise do sindicalismo, antes de mais, e uma crise de representatividade 
social e de institucionalizacao. Crise de representatividade social porque as 
suas reivindicacoes nao se ajustam nem resolvem os problemas mais candentes 
do desemprego e da precariedade dos vinculos contratuais que sao uma 
realidade cada vez mais presente na vida dos trabalhadores assalariados. 
Crise de institucionalizacao porque os sindicatos se tornaram autenticas 
fabricas de gestao social, demasiadamente hierarquizadas e burocratizadas. 
Neste sentido, os sindicatos tendem a representar grupos socio-profissionais 
de cariz corporativo e tentam a de qualquer maneira manter as suas 
burocracias profissionais, ainda que a custo dos subsidios do Estado e nao 
dos seus aderentes, na medida em que estes nao veem nos sindicatos quaisquer 
funcao de utilidade. Ja nao conseguem defender nem reivindicar um conjunto de 
objetivos que preocupam certos grupos sociais, como e o caso dos 
desempregados, dos jovens, dos imigrantes, das minorias etnicas e dos 
aposentados, etc. A diminuicao da taxa de sindicalizacao esta a por em risco 
a propria existencia historica dos sindicatos na Europa e nos EUA. Em alguns 
paises, como a Franca, a taxa de sindicalizacao ja esta abaixo de 10%, e 
algumas centrais sindicais na Europa so conseguem subsistir com a ajuda 
financeira do Estado, o que compromete sua autonomia e acao reivindicativa.

4 - Com a crise vivida pelo sindicalismo e pela representatividade dos 
partidos politicos, como ve o aparecimento dos novos movimentos sociais e 
qual o papel que podem desempenhar na mudanca social ?

Os novos movimentos sao uma resposta historica de certos grupos sociais que 
nao veem nos sindicatos e nos partidos qualquer hipotese de resolucao dos 
problemas criticos que os afetam. Os desempregados, trabalhadores com 
vinculos de trabalho precarios, aposentados, jovens, mulheres, imigrantes, 
minorias etnicas, homossexuais, etc., tiveram que encontrar formas 
organizacionais espontaneas e autonomas para poderem reivindicar mais 
cidadania, emprego, melhores salarios e uma melhor qualidade de vida. Existem 
outros tipos de movimentos sociais que sao exteriores ao mundo do trabalho 
assalariado que se enquadram na racionalidadeinstrumental do capitalismo. A 
luta pelo equilibrio ecossistemico conducente a uma relacao de identidade 
entre o homem e a natureza, assim como a defesa de qualidade dos bens e 
servicos que sao comprados pelos consumidores, esta a gerar a criacao e 
desenvolvimento de movimentos sociais ecologistas e de defesa do consumidor. 
Finalmente, face a emergencia de movimentos sociais racistas, nacionalistas, 
xenofobos e integristas religiosas que emergem como fenomenos perversos da 
crise capitalista a nivel mundial, estao a surgir movimentos sociais
estruturados por praticas e principios opostos. Sao movimentos sociais que 
lutam por objetivos e praticas sociais mediatizadas pela solidariedade, pela 
autonomia, pela fraternidade e liberdade. A sua abrangencia universalista 
tende a assumir um tipo de radicalidade que e maior do que aquela que ocorre 
em movimentos sociais especificamentereivindicativos e que se integram 
facilmente nos mecanismos normativos do mercado capitalista. Para se opor A 
famosa modernidade ou globalizacao do capitalismo, so um movimento social com 
objetivos de solidariedade, de liberdade e de igualdade com incidencia 
universal pode contrariar os efeitos perversos da crise capitalismo a nivel 
mundial, em termos de desemprego, exclusao social, fome, miseria, guerra, 
droga. Crime, violencia e destruicao da natureza.

5 - A globalizacao e a formacao de blocos regionais e uma das caracteristicas 
dos ultimos anos. A partir da experiencia da CEE, com o ve a formacao do 
Mercosul e que possibilidades ele pode abrir aos paises da America do Sul 
envolvidos nesse bloco ?

O Mercosul, tal como a CEE, e uma inevitabilidade historica da expansao do 
mercado capitalista A escala mundial. A constituicao de blocos regionais nao 
sao mais de que tentativas de desbloquear os atrofiamentos juridicos e 
politicos que impedem a livre circulacao de capitais, mercadorias e pessoas 
em espacos geograficos mais vastos. Ess a realidade na America do Sul pode 
propiciar uma expansao das atividades economicos dos paises que enveredarem 
por esse caminho, embora nao resolva os problemas das contradicoes e 
diferencas nacionais e region ais.

Por essa razao, os problemas de indole sociocultural e politica podem colidir 
com esses propositos economicistas. A conflitualidade surgira, ao ponto de se 
puder assistir ao desenvolvimento de fenomenos racistas, xenofobos e 
nacionalistas, como acontece na Europa.

6 - A integracao de paises perifericos da Europa como Portugal, Espanha e 
Grecia na CEE, parece ter provocado rapidas transformacoes economicas e 
sociais. Como analisa essas transformacoes ?

E verdade que tem havido transformacoes economicas e sociais nesses paises. O 
crescimento economico tem-se traduzido na melhoria do nivel de vida de 
determinados grupos sociais e tem-se desenvolvido o setor de servicos e da 
construcao civil, nomeadamente equipamentos coletivos, vias de comunicacao, 
transporte, saude e educacao. Esse crescimento economico fez-se, tambem, a 
custo do desaparecimento de atividades agricolas, da falencia de setores 
industriais classicos e da destruicao do meio ambiente. Como ja disse, nao 
podemos jamais esquecer os custos sociais que o crescente aumento do 
desemprego, da pobreza e da exclusao social estao a gerar. Existem outras 
transformacoes na CEE que tem resultado em beneficio de alguns grupos 
sociais, mas muitos outros foram para o desemprego e foram excluidos 
socialmente. Parte dos fundos estruturais que sao dados aos paises menos 
desenvolvidos, como e o caso de Portugal e da Grecia, tem como objetivo 
subsidiar a formacao de recursos humanos e ajudar a luta contra a pobreza e 
contra a droga, embora os resultados nao sejam animadores. O problema e que 
embora certas pessoas ganhem com isso e melhorem a sua situacao, cresce o 
numero dos que ficam desempregados e dos que sao empurrados para a pobreza e 
droga.

7 - Varios grupos economicos portugueses, estao entrando com forca no mercado 
catarinense e brasileiro. Que perspectivas existem para a ampliacao do 
intercambio economico entre Portugal e Brasil ?

Eu acho que existem imensas possibilidades, so que as elites que lideram e 
orientam os meios e os fins que corporizam as contingencias da racionalidade 
instrumental do capitalismo, ainda nao aprenderam que possuem um capital 
inestimavel que e preciso otimizar: a existencia de uma lingua comum, que 
envolve uma populacao importante em varios continentes. A articulacao entre 
as atividades economicas, politicas, culturais e sociais poderiam ser objeto 
de dialogos e de identidades que se repercutiriam em vantagens especificas 
para ambos os paises. 

Porem, quando a burguesia e a classe politica nao e sequer capaz de se 
aperceber desta verdade evidente, vejo com alguma dificuldade que se possa 
desenvolver o intercambio economico entre Portugal e Brasil. Pelos objetivos 
e praticas economicas, politicas, sociais e culturais tendencialmente 
semelhantes, Portugal e o Brasil podem ter um papel relevante de mediacao nas 
relacoes que inevitavelmente vao desenvolver-se entre a CEE e o Mercosul, mas 
isso envolve criar uma nova visao sobre a cooperacao entre os dois paises.

8 - Alem do intercambio economico, seria natural um intercambio cultural 
maior entre paises com tantas afinidades historicas, culturais e 
linguisticas. Porque e que isso nao acontece ?

Isso nao acontece porque Portugal so esta interessado no dinheiro da CEE e 
porque o Brasil - suas elites e mesmo os setores intelectuais - nao param de 
olhar cegamente para os EUA. Penso que so com uma grande interacao cultural, 
social e politica entre o Brasil e Portugal se pode inverter essa pratica 
economicista que se tem traduzido sempre no condicionamento do
desenvolvimento de ambos os paises. No meu caso pessoal, tenho deparado com
imensas dificuldades de cooperacao entre universidades ou instituicoes, e um 
desconhecimento mutuo no campo da literatura, da arte e das ideias. O exemplo 
das comemoracoes oficiais dos 500 anos e a falta de projetos mais abrangentes 
de longo prazo para essa cooperacao, a propria incapacidade de chegar a 
acordo sobre a lingua e de estabelecer uma estrategia de valorizacao da 
lingua e cultura comuns sao realidades que me entristecem enormemente e que 
vao acarretar muitos prejuizos que ainda nao nos apercebemos no presente, mas 
que poderao no futuro consolidar, de forma irreversivel, a hegemonia 
economica, politica e cultural dos EUA nos paises de lingua portuguesa.

    Source: geocities.com/capitolhill/senate/6972

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