Transcrição de artigo publicado na Revista Marie Claire, No 99, de Junho 1999

 

É fácil, em Juquitiba, encontrar o sítio da "alemoa". Todo mundo na cidade próxima a São Paulo indica a estradinha, o morro, até as pedras brancas que levam ao refúgio de Virginie Eleonore Van Prehn, 80 anos. Ela não gosta nada do rótulo óbvio e enganado para seus olhos azuis, a pele clara e o sotaque de quem teve o holandês como língua materna. "Não sou alemoa, não sou alemã, sou brasileira. Até porque escolhi!", diz.

Nini, como a chamam desde a infância, na Indonésia, nasceu em Java, descendente de holandeses e indonésios. Há 34 anos, viúva e com três filhas pequenas, ela se meteu naquele pedaço de mata atlântica, distante da civilização. Deixou a estranheza aos outros: assumiu a decisão acordando bem cedo todos os dias e voltando bem tarde, para garantir o sustento com aulas de inglês, umas da seis línguas que domina.

Nada muito ousado para quem teve a juventude interrompida pela 2a Guerra, foi torturada, ficou um ano presa em um campo de concentração japonês, contabilizou perdas. Nini é do tipo que fala do passado com serenidade, fez piada do proprio drama. No pós-guerra, já casada, perdeu o sítio onde viviam. Foi à Índia, nunca mais voltou a Java. Nessa rota incluiu uma passagem rápida pela Holanda e viu a mãe pela última vez  Depois, o acaso a trouxe ao Brasil e conviveu com os Matarazzo quando o glamour do clã ainda não era lenda. Quando a vida acalmou, perdeu o marido.

Entrou com os dois pés na fase hippie. Os nomes que escolheu pare as filhas—Gipsy, Maracujá e Yara-Yma — sugerem o quanto é avessa ao convencional. Agora ela podia ficar quietinha cuidando dos nove netos, três cachorros e um monte de gatos, mas resolveu remexer num folhetimque escreveu, ainda em Java, enquanto a guerra avançava e ela transpunha aquilo tudo para uma ficção em Atlântida . Nini tem idéias aos montes, mas sem miopia. "O Filho da Serpente Alada" (Icone Editora, 285 pgs., R$ 26), é uma saga onde herói e vilão mostram que ninguém é totalmente bom nem totalmente mau. Japonês, é verdade, ela nunca quis aprender. "Sou apaixonada por línguas. Mas sabe, a fúria, a guerra ...". Leva a ferro e fogo a paixão pelas causas ambientalistas que, intuitivamente, sempre defendeu.
 
 

Pintou a cara para protestar contra a usina nuclear de Angra, foi à Eco-92, virou ativista de carteirinha do Greenpeace e há um ano, de bandeira em punho, participou de uma passeata na Suíça contra o uso de animais em testes de laboratórios. Nos intervalos, cheia de histórias para contar, ela finaliza sua biografia.

Em uma tarde chuvosa, entre bolinhos de mandioca e o cochilo de uma das netas, na casa encravada nos 12 alqueires de terra que ela transformou em "estação ecológica",  Nini contou um pouco da sua trajetória.
 
 
 

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