"Todos podem e devem comer, trabalhar e obter
uma renda digna, Ter escola, saúde, saneamento básico, educação, acesso à cultura.
Ninguém deve viver na miséria. Todos têm direito à vida digna, à cidadania. A
sociedade existe para isso. Ou, então, ela simplesmente não presta para nada. O Estado
só tem sentido se é um instrumento dessas garantia. A política, os partidos, as
instituições, as leis, só servem para isso. Fora disso, só existe a presença do
passado no resente, projetando no futuro o fracasso de mais uma geração" Herbert
de Souza, o Betinho: símbolo da luta pela cidadania no Brasil na década de 90.
Na formação histórica do Brasil, o Estado foi praticamente
criado antes da sociedade, ao inverso do que ocorreu nos países europeus e nos Estados
Unidos. Nesses países (governos, leis, tribunais, polícia, forças armadas,
repartições públicas, etc.) foi gerado a partir das contradições e lutas da
sociedade, das normas e formas de organização que os diversos grupos humanos
desenvolveram no decorrer da história.
Aqui no Brasil houve primeiro a criação de instituições
estatais capitanias hereditárias e governo central, na época colonial e
desde então, escravizaram negros, índios...A sociedade foi criada para atender os
objetivos da metrópole européia, sendo comum o uso da violência.
A cidadania pouco se desenvolveu no Brasil. Até o final do
século XIX a imensa maioria da população era escrava ou extremamente pobre, além de
não possuir direitos políticos. É lógico que muita coisa mudou. A população passou a
ter mais direitos, mas ainda assim muito restrito. A cidadania permanece incompleta. A
precedência do Estado sobre a sociedade gerou um sistema político autoritário, em que o
governo procura não servir à sociedade e sim servir-se dela. É como se o Estado
e em particular os governantes fossem o dono do país fazendo o que bem
entender. Isso não é regra, há exceções. São poucas e nem aparecem.
Em países democráticos como a Inglaterra, França ou Estados
Unidos, jamais um presidente da República ou primeiro ministro poderia trocar a moeda
nacional, congelar contas bancárias, estabelecer por decreto novos impostos...o que
frequentemente ocorre no Brasil. Atos desse porte devem ser obrigatoriamente discutidos no
Congresso e até ir para um plebiscito popular.
A idéia de cidadania, criada na Europa Ocidental a partir do
século XVIII, abriu caminho para a possibilidade de liquidar com as leis particulares, os
privilégios, que davam à nobreza e ao clero direitos especiais. O conceito de cidadania
foi instrumento poderoso para estabelecer igualdade universal como um modo de
contrabalançar e até mesmo acabar com a teia de privilégios que se consolidavam em
diferenciações e hierarquias. A cidadania foi uma construção histórica, não sendo
algo natural. Nem todas as sociedades desenvolveram a cidadania. As que o fazem são
aquelas em que há o individualismo onde o indivíduo, igual ao cidadão, é mais
valorizado que outras categorias sociais como a família e a comunidade. Isso significa
que são os indivíduos que permitem a formação da autoridade pública pela
representação consentida e livre de seus interesses. A sociedade passa a ser vista como
um clube ou associação de cidadãoes com múltiplos interesses. Nas sociedades
tradicionais, como é o caso do Brasil, o indivíduo é menos importante que as relações
pessoais, o indivíduo isolado e sem relações é algo considerado negativo, revelando
apenas a solidão de alguém que, sem ter vínculos, é um ser humano marginal em
comparação aos outros. As leis são feitas para, literalmente, desvalorizar os
indivíduos, porque são cerceadoras dos direitos, restritivas e mais preocupadas com os
deveres. É o chamado caudilhismo brasileiro ou individualismo. Neste caso,
é bom lembrar da expressão de políticos brasileiros: "A lei é para os
inimigos", as leis não são aplicadas para amigos ou parentes, aí entra o
famoso jeitinho brasileiro.
Por que o Brasil comemorou 500 anos de Descobrimento e não de Formação?
Será que estamos no período colonial!? É certo que, no Brasil, a palavra CIDADANIA é
usada sempre em situações negativas. Dizer que é cidadão brasileiro numa situação de
conflito com a polícia pode significar a prisão e até mesmo pancadas. Por isso, quando
o povo vai às ruas, vai porque sente que seus direitos estão sendo desrespeitados e
precisa brigar por sua cidadania.