Neste planeta, vida é sinônimo de matéria orgânica. E matéria orgânica, de certo modo, distingue-se pelo fato de sempre incluir carbono em sua composição. As proteínas que formam os seres vivos resultam da combinação de moléculas de aminoácidos, que se formam a partir de elementos agregados em torno do carbono. A extrema versatilidade desta molécula e sua capacidade de incorporar combinações cada vez mais complexas e extensas - um átomo de carbono pode se ligar com até quatro átomos de outros elementos - explicam em boa parte o papel aglutinador que ela exerce nos alicerces da vida. A decomposição da matéria orgânica é, por assim dizer, uma viagem de volta às origens da natureza. Não por acaso os cientistas dedicam especial atenção a esse percurso de lida e volta, batizado de "ciclo do carbono".
Para atingir a fase húmica, a decomposição da matéria orgânica - fim do ciclo do carbono - passa por um processo lento e delicado que depende de intrincada combinação de materiais, umidade, temperatura e microorganismo. Pode levar meses, anos até. É aí que entram as minhocas. Os anelídeos - o corpo das minhocas é formado por anéis, daí a classificação - antecipam, apressam e agilizam o ciclo do carbono, reduzindo substancialmente o tempo de percurso entre a fotossíntese e o húmus.
A popularização do húmus e da minhocultura, a disseminação das técnicas de adubação verde e o plantio direto são parte de um processo que marca a progressiva incorporação de práticas ecológica pela agricultura comercial. Embora lenta e silenciosa, essa guinada prenuncia o esgotamento de um ciclo . E trará, sem dúvida, repercussões econômica, ambientais e de consumo tão ou mais importantes que aquelas produzida no pós-guerra, quando se planetarizou a hibridização, o uso de produtos químicos e maquinaria pesada na produção agrícola.
O agrônomo Jorge de Castro Kiehl, do Departamento de Ciência do solo, da Esalq -- Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz, de Piracicaba, SP, explica que o resgate dessa visão recoloca em primeiro plano a importância do fator biológico na agricultura. O professor Kiehl pertence a família de defensores dessa bandeira. Uma certeza tranqüila e cristalina, sem exageros, que não descarta a importância do fertilizante químico, mas ressalta o requisito da base orgânica para se estabelecer uma parceria sadia e produtiva. Seu pai, Edmar José Kiehl, catedrático aposentado da Esalq, é um dos maiores especialistas brasileiros no assunto. Juntos, eles somam mais de meio século de estudos sobre o tema. Justamente quando o mundo mergulhava de cabeça na agroquímica, alinhagem dos Kiehl pesquisava e se convencia da indispensabilidade do elemento orgânico na agricultura. "O adubo químico pode tudo", diz Jorge. "No limite", explica, "pode até gerar plantas sem solo, como mostra a hidroponia. Mas, se quisermos montar uma agricultura forte, sadia e produtiva, ao lado do uso criterioso da química, temos que recorrer à matéria orgânica. "
O professor explica que a matéria orgânica desempenha funções insubstituíveis no funcionamento do solo. Para provar, ele fala como se estivesse contando a história de um velho amigo. "O solo, como nós, envelhece. Inexoravelmente, ele envelhece, caminhando de rocha para óxido de ferro ao longo de sua vida. Quanto mais jovem, mais próximo da rocha e da caulinita; quanto mais velho, mais se assemelha a dióxido de ferro", relata. Nessa caminhada de milhões de anos, a terra perde progressivamente a capacidade de reter elementos essenciais à vida das plantas, como cálcio, fósforos, potássio, magnésio, nitrogênio, entre outros elementos. Quando isso acontece, os técnicos dizem que o solo perdeu a "Capacidade de Troca de Cátions ". Ou, então, que apresenta "um índice baixo de CTC". A "Capacidade de Troca de Cátions" de um solo é determinada pela maior ou menor existência de minúsculas partículas em sua composição, coisa invisível a olho nu. São os colóides, que carregam carga elétrica negativa na sua estrutura e permeiam todo o solo como uma fantástica malha de micro-ímãs. Graças a essa qualidade, eles conseguem atrair e armazenar partículas positivas --justamente aquelas indispensáveis à saúde das plantas --,liberando-as em dose homeopáticas ao alcance das raízes. É uma espécie de pronto atendimento nutricional, um plantão permanente do solo.
"Os solos brasileiros em geral são velho. O Mundo Novo na verdade é um mundo velho ", brinca o professor que acrescenta: "Essa situação é agravada pela intemperização a ação constante das chuvas e do solo, mais violenta no mundo tropical." O resultado é a forte presença de óxido de ferro e alumínio nas terras tupiniquins que contribue para seu baixo CTC - algo entre 1 e 3 milequivalentes por 100 gramas de material. Só para se ter uma idéia do que isso significa, basta dizer que a areia dos desertos tem CTC zero. E o húmus, no extremo oposto, destaca-se como a cabeceira do grupo com um CTC entre 200 e 400 milequivalente, sendo responsável por 70% das trocas de cátions de um solo.
O que os defensores da adubação orgânica dizem é que, numa terra com baixa capacidade de retenção de partículas positivas - íons de magnésio, cálcio etc. - , a própria adubação química torna-se um desperdício. "Não adianta dar à terra aquilo que ela não consegue reter. O excesso será levado pela lixiviação", pondera o professor Jorge Kiehl. Nessa fase, a reposição de matéria orgânica torna-se vital, uma questão de vida ou morte. Ela não reverte a trajetória de envelhecimento, não é um elixir da juventude da terra, assim também como não existe um equivalente para o homem. Mas a matéria orgânica recompõe níveis básicos de CTC e aumenta a fertilidade. Além de armazenar microelementos vitais, favorece ainda a anulação daqueles prejudiciais às plantas. A acidez do solo, por exemplo. Muitas vezes provocada pelo próprio abuso da adubação química, ela acaba dificultando a absorção de nutrientes pelas plantas. Colóides com íons negativos disponíveis na matéria orgânica isolam esse excesso hidrogênico. Assim, contribuem também para equilibrar o ph do solo (potencial hidrogênico), aproximando-o do índice ideal de 7,5. Acima disso tende a alcalina; abaixo, revela-se ácido.
O professor da Esalq lembra que a matéria orgânica é imprecindível para enriquecer a biologia do solo, uma vez que alimenta a cadeia de microorganismos, sem a qual as plantas tornam-se reféns dos terríves nematóides. "Mas sem dúvida", observa, "é na estrutura física da terra que se constata de forma mais clara e rápida as vantagens do seu uso." A terra ideal, segundo ele é a que você aperta na mão e se esboroa, rompe-se - "tem boa friabilidade", no linguajar dos especialistas. Solos plásticos, argilosos, que colam nas ferramentas de trabalho; ou aqueles arenosos, que escorrem pelos vãos dos dedos como pó, são organicamente pobres. Eles retêm pouca água, quase nenhum nutriente, dificultam a respiração das raízes e sufocam a microbiologia indispensável à defesa das lavouras.
Húmus e minhocas representam a antítese desse cenário. Mas não deve ser transformados em panacéia. Embora sua introdução haja como catalisador para a vida do solo e possa acelerar os processos de resgate biológico seria um equívoco encará-los como um novo remédio. São, antes de tudo, um paradigma, uma meta a ser incorporada à atividade agrícola. Afinal, saúde biológica e equilíbrio físico-químico não se confundem com insumo do solo. Eles são a própria essência do solo.
O Filão do Solo Saudável
O mercado é promissor mas exige cautela.
No Brasil, a minhocultura e a consciência sobre o risco de esgotamento dos solos surgiram juntos . Foi em meados dos anos 80, quando sinais do estragos causados pelo uso excessivo de produtos químicos e de máquinas pesadas tornaram-se evidentes, que a criação de anelídeos deixou de ser uma piada. O agrônomo Ângelo Arthur Martinez, da Cati, de Campinas, começou a trabalhar com minhocas mais ou menos nessa época. "Faz uns dez anos, um amigo emprestou-me um livro italiano sobre minhocultura. Algo exótico, mesmo entre agrônomos pouco ortodoxos ", recorda Martinez. Hoje, ele próprio é autor de um dos best-sellers sobre o assunto que caminha para a terceira edição. O sucesso editorial da minhocultura é tão retumbante quanto as dezenas de cursos que Martinez e outros especialistas têm realizado no país nos últimos anos para auditórios sempre lotados. Os membros de confraria que não pára de crescer, que alguns estimam em mais de 35 mil pessoas, formam um verdadeiro fenômeno de massa inimaginável há uma década. "Depois de certo ceticismo, descobrir que estava diante de um filão, uma ferramenta vital para a saúde e a fertilidade do solo", conta Martinez.
Não é fácil conversar com ele. Não por culpa do técnico atencioso. Mas do telefone, que não pára quieta. São curiosos, agricultores, investidores, gente de todo Brasil. Gente de todas as idades, com uma idéia fixa na cabeça: criar minhoca. "O que o pessoal mais quer saber é se dá dinheiro", esclarece o agrônomo. Sobre o entusiasmo do iniciante, ele costuma despejar um balde de realismo húmico . "O mercado potencial existe", encoraja para advertir logo em seguida: "Só que esse mercado precisa ser conquistado e isso depende da habilidade e do esforço pessoal de cada investidor".
Apesar da eficácia incontestável, o uso do húmus ainda não se generalizou . Por enquanto, a demanda mais promissora concentra-se entre pequenos e médios produtores de frutas e hortaliças. Floricultores também são fregueses assíduos, ao lado de empresas de paisagismo e jardinagem. Seu emprego na agricultura comercial de grande escala, porém, enfrenta problemas operacionais, decorrentes da tecnologia artesanal de preparo de compostos e de manejo das minhocas. É um obstáculo provisório e superável, mas que precisa ser levado em conta na hora de dimensionar o potencial de venda. A seguir, cuidados básicos, recomendados pelos especialistas, para quem pretende entrar no negócio:
Tamanho - Comece pequeno. Você ainda não tem experiência e não conhece a demanda local. Além disso, o investimento em matrizes não é desprezível: 1 litro de minhocas custa cerca de 20 reais. São necessários de 1 a 2 litros por metro quadrado de canteiro.
Local - O minhocário deve ficar em área com boa insolação. Umidade e sombra favorecem a proliferação de sanguessugas, o pior inimigo das minhocas. Contra essas, só há um remédio: um bom cercado com tela de galinheiro. Se houver formigas no local, acabe com elas, antes que elas acabem com suas minhocas.
Logística - Certifique-se de que há oferta abundante de matéria-prima (esterco e restos vegetais) próxima à minhocultura. Avalie também o potencial do mercado consumidor num raio de ação compatível com o custo do frete.
Canteiros - Devem estar prontos e recheados de matéria orgânica e esterco curtido antes da chegada das minhocas. Um ou no máximo dois módulos de dez metros de comprimento por 1 metro de largura e 40 centímetros de altura são suficiente para começar. Cada unidade dessas pode produzir até uma tonelada e meia de húmus.
Material - Canteiros podem ser erguidos com alvenaria, tábuas ou lascas de bambu. É mais barato fazer o fundo de terra batida. Tem a vantagem de drenar bem a água da chuva; em compensação, exige irrigação adicional na seca. Fundos cimentados conservam mais a umidade, mas prejudicam o escoamento pluvial.
Minhocas - Existem mais de 1.800 variedades no mundo. A mais utilizada na minhocultura é a Eisenia phoetida, conhecida como vermelha-da-Califórnia . É uma minhoca muito produtiva, mas delicada. Não é uma espécie tropical e , como habita a camada superficial da terra, fica bastante vulnerável ao calor e à seca. É preciso regar periodicamente os canteiros. Recomenda-se também protegê-los com uma cobertura de 5 centímetros de folha secas ou capim. No verão essa cobertura deve ser reforçada.
Reprodução - O elevado custo de investimento recomenda que cada criador multiplique seu próprio plantel. Lembre-se, as minhocas vivem embaixo da terra e têm dificuldade para se encontrar. A natureza tornou-as hermafrodita para facilitar as coisas. Ainda assim, é bom enriquecer os canteiros de matrizes com restos de frutas. Eles acabam virando pontos de encontros, motéis de minhocas. Se tudo correr bem, a cada 60/80 dias, seu plantel irá dobrar.
Manejo - Minhocas aceleram a reciclagem da matéria orgânica . Elas não produzem húmus a partir do nada. Portanto, precisam de alimentos, cuja qualidade vai influir decisivamente na composição do húmus.
Carbono/Nitrogênio - O material fornecido às minhocas precisa passar por um processo preliminar de compostagem ou cura. Deve ter acidez neutralizada e temperatura estável em torno de 16 a 22 graus C. Para que a cura ou fermentação ocorra de forma mais rápida, o ideal é combinar 3 (três) partes de restos vegetais (carbono) por uma de esterco verde de gado (nitrogênio). Forma-se uma pilha com até l,80cm de altura por 3 metros de largura e comprimento variável.
Equilíbrio - Se o material utilizado exibir excesso de carbono - caso de serragem, por exemplo-, será preciso reforçar a parcela de nitrogênio. Ou as bactérias terão dificuldade para realizar a decomposição. Não esqueça de umedecer a pilha do composto e revirá-la a cada 15 dias. Quando a temperatura estabilizar em torno de 20 graus C, estará pronto para servir às minhocas.
Povoamento - Quanto maior a quantidade de minhocas, mais rápida será a reciclagem do material. Uma boa referência é 1,5 litro de minhocas por metro quadrado de canteiro. Nessa média, haverá húmus pronto para uso a cada 40 dias.
Preços- O custo do frete pode alterar esses cálculos, mas, em média, a venda de húmus a granel gira em torno de 150 reais a tonelada. Embalado, o produto sai por 4,30 reais, o pacote de 20 quilos.
FONTE PESQUISADA:
Revista Globo Rural , de Fevereiro de 1995, pág. 33 a 40.
Conheça as Características do Húmus
*Substância fina, escura e granulada, sem cheiro, solta e macia, 100% natural e 100% livre de impurezas, rica em nutrientes.
*Não atrai insetos;
*Fornece nutrientes as plantas permitindo a diminuição da quantidade de fertilizantes químicos;
*Melhora as características do solo tornando solto os muitos duros e firmes os arenosos;
*Proporciona um aumento do enraizamento das plantas, principalmente as raízes finas;
*Melhora o aproveitamento dos fertilizantes químicos do plantio;
*Aumenta a resistência das plantas a períodos de seca e ao ataque de pragas e doenças;
*Aumenta o teor de matéria orgânica no solo;
*Aumenta a capacidade de retenção de água e sua disponibilidade para as plantas;
*Aumenta a infiltração das águas da chuva e diminui a enxurrada;
*Diminui a compactação, promove maior aeração e enraizamento;
*Fornece elementos essenciais como nitrogênio, fósforos, potássio, enxofre e alguns macro e micronutrientes de forma gradual;
*Antecipa e prolonga as épocas de florada e frutificação;
*Não queima raízes e brotos, mesmo frágeis.
*Não é levado pela chuva, o que ocorre com os adubos químicos;
*Nas hidroculturas, alcançam os bons resultados de produção;
*Aumenta a atividade microbiana do solo, pelo aumento da sua produção (flora e fauna);
*Elimina ou diminui doenças do solo através da ativação de microorganismos benéficos às plantas específicas;
*Modifica a composição de ervas daninhas;
*Diminui os efeitos tóxicos do alumínio.
(Fonte: Associação dos Minhocultores de Juiz de Fora e Região - AMINJUF).Artigo publicado no jornal "Momento-Mirai-1997-Redator KIKO GARCIA. Trabalho Feito pelo Professor Marcos José Flores e pelo aluno Jorge Gomes de Azevedo (Jorge da Água).
Desejamos boa sorte aos agricultores e fazendeiros!