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A VALSA E O TANGO
Viajemos de volta aos anos 30. Começaram a aparecer nesta década as primeiras grandes seleções, que se destacaram tanto no aspecto tático quanto pela presença em seus times de exímios jogadores. Estes times se impuseram, de maneira particular, pelo aprimoramento de seus esquemas de jogo. É o tempo da tática conhecida como "pirâmide", inventada pelos escoceses e que rapidamente se difundiu pelo mundo. A década de 30 marcou, também, a utilização mais generalizada do sistema "WM", lançado em 1924 pelo técnico Herbert Chapman do Arsenal da Inglaterra, tendo como co-autor Charlie Buchan, capitão desta equipe londrina. O WM pretendia ser uma tática de jogo mais moderna que a antiga pirâmide, talvez a primeira sistematização conhecida e séria de jogo. Foi imediatamente utilizado pela França e pela Alemanha, enquanto a Itália permanecia fiel à pirâmide escocesa. Iniciaremos nosso passeio ao passado focalizando o chamado "Wünderteam" ("o time maravilhoso"), como era conhecida a seleção da Áustria naqueles anos. Em seguida, examinaremos a excelente equipe argentina dos anos 40, que dominava o futebol sul-americano. Na América do Sul, só o Uruguai e, eventualmente, o Brasil poderiam alimentar breves sonhos de ameaçar sua hegemonia. A Áustria e a Argentina são duas escolas de futebol bastantes diferentes. Enquanto o futebol austríaco era mais de toque de bola, chegando ao preciosismo, o futebol argentino era, como sempre foi, mais vibrante, assente que estava sobre a qualidade individual de seus craques.
A Áustria da década de 30 A ótima seleção da Áustria começou a ser formada no final da década de 20. Seu grande idealizador foi o técnico Hugo Meisl. Chegou a ser uma equipe tão sensacional que ficou conhecida por Wünderteam. Suas maiores vitórias se deram a partir de 1931. Eis algumas delas: 5x0 sobre a Escócia, 4x0 sobre a França, 5x0 sobre a Alemanha, 8x1 sobre a Suiça, 8x2 sobre a Hungria e 6x1 sobre a Bélgica. Em abril de 1933, a Áustria já tinha conquistado 12 vitórias, 2 empates e somente 2 derrotas, uma delas contra a Inlaterra em Londres, por 4x3. Seu estilo de jogo e a beleza de seu futebol tornaram-se conhecidos na Europa. O time-base era composto por Platzer (Hiden), Cisar (Rainer) e Wagner (Blum); Sesta; Braun e Urlbanek (Gall); Smistik, Zischek; Schall, Sindelar e Vierti. Veio, então, a Copa do Mundo de 1934. Nos jogos eliminatórios, os austríacos enfrentaram apenas a Bulgária, derrotando-a por 6x1, em Viena, no dia 25 de abril de 1934. Os demais jogos foram cancelados. Já às vésperas da estréia na fase final da Copa, o campeonato austríaco durou mais do que o esperado, fazendo com que os jogadores convocados chegassem à Itália abatidos pela estafa de tantos jogos seguidos em seu país. Isto veio, sem dúvida, prejudicar o desempenho do Wünderteam no Mundial. Nas oitavas-de-final, enfrentaram e venceram a França por 3x2 (em 27/05), com gols de Sindelar, Schall e Bican para os austríacos. A seguir, nas quartas-de final, derrotaram a Hungria por 2x1 (em 31/05) , gols de Horvath e Zischek. Chegados às semi-finais, foram derrotados pela Itália por 1x0 (em 03/05), quando aconteceu um das mais cômicas e "insuspeitas" atitudes de um juiz. O placar estava 0x0. Lá pelas tantas, um meio-campista austríaco viu seu companheiro Sindelar livre, cara a cara com o goleiro italiano, e fez o lançamento. Mas, para surpresa geral, o juiz, "sem querer", interceptou de cabeça o passe, cortando a jogada. A partida terminou em 1x0 para a Itália. Afinal, os donos da casa faziam por merecer a uma mãozinha, não? Restou aos austríacos, portanto, disputar o 3o lugar contra a forte equipe alemã, em 07 de junho. Vencidos pelo cansaço, abatidos pela suspeita derrota contra a Itália e sem sua estrela maior, o craque Sindelar, não resistiram e foram vencidos por 3x2, marcando Horvath e Sesta para a Áustria. Em 1938, Hitler e suas tropas avançavam em direção ao leste europeu. A Áustria também foi invadida e o país anexado à Alemanha. O Wünderteam, como não poderia deixar de ser, foi unificado à equipe alemã. Era o fim de umas das mais brilhantes seleções que o mundo conheceu. Os jogadores austríacos, em represália à violência cometida contra seu país, não se empenharam durante a Copa de 1938 na França, jogando pela Alemanha. Sindelar deu o maior exemplo: judeu que era, fugiu, recusando-se a jogar por outra seleção que não a de sua pátria. Teve um triste fim, solitário e abandonado, acabando por se suicidar pouco tempo depois. Segundo outra versão, foi ele entregue por um colega da seleção austríaca ao partido nazista. Sindelar teria sido levado, então, para um campo de concentração onde morreria em uma câmara de gás. Mathias Sindelar foi o maior astro da seleção da Áustria. Atacante de grande habilidade, ótimo driblador, armava e finalizava com grande precisão. De estilo refinado, chegou a ser conhecido como "Mozart do futebol". Era também chamado de "der Peperiener" ("homem de papel"), por seu físico aparentemente frágil. Jogou pelo FK, onde ganhou três copas nacionais e dois campeonatos da Liga. Venceu, também, o mais importante torneio interclubes da Europa na época, a Mitropa, em 1933. Participou de 27 jogos pela seleção, tendo atuado na Copa de 34. Ao todo, jogou 44 partidas internacionais.
A Áustria fazia parte da "Escola do Danúbio" de futebol. Era o esquema de jogo empregado naquele tempo na Europa Central, onde se sobressaíam os austríacos e os tchecos. A tática usada pelo treinador Meisl era ainda baseada na velha "pirâmide", em contraposição a outros países europeus que já utilizavam diversas variantes de WM. Os austríacos se especializaram no toque de bola, fazendo-a correr pelo gramado inteiro, um belíssimo estilo de jogo para se apreciar. Era comum irritarem os adversários com este jogo calculado de passes, de que se aproveitavam para pegar o time contrário desconcentrado e atacar de surpresa com muito perigo. A Argentina da década de 40
Outra grande seleção foi a da Argentina dos anos 40. Seu período áureo foi entre 1940 e 1949. Infelizmente, não houve nesta década nenhuma Copa do Mundo, devido à II Grande Guerra que se alastrava e deixava seu rastro de destruição pela Europa. A Argentina manteve a hegemonia no futebol sul-americano, em parte devido à presença de seus fabulosos craques. O time local que mais contribuiu com jogadores de primeira linha para a equipe nacional foi o River Plate, seguindo-se o Boca Juniores e o Independiente. O River tinha em seu plantel nada menos que Moreno, Di Stefano, Pedernera, Labruna e Lostau. O Boca possuía Marante, Boyé e Pescia, enquanto o Independiente trazia Sastre e de La Mata. Com tantos craques é compreensível a qualidade da seleção platina. No Sul-Americano de 1941, a seleção participou de 4 jogos, colhendo outras tantas vitórias. Foram 10 gols assinalados contra apenas 2 contra, mesmo tendo por rivais as boas equipes do Uruguai e do Brasil. Nesta competição, as grandes estrelas foram Moreno, Sastre, Pedernera e o artilheiro do campeonato, Marvezzi. Quatro anos depois, em 1945, novo título sul-americano para a Argentina. Venceram 5 vezes e empataram 1. Sua excelente linha de frente, que marcara 22 gols, era formada por Muñoz (Boyé), Méndez (de La Mata), Martino (Pontoni) e Lostau. Méndez foi o goleador da competição, assinalando 6 gols. Em 1946, novo sul-americano, desta vez em casa. Aí os argentinos triunfaram de ponta a ponta em seus 5 jogos, com 17 gols-pró e 3 contra. Um ano depois, o melhor desempenho argentino nesta competição. Os números: 6 vitórias e 1 empate, 28 gols a favor e 4 contra. A Argentina apresentou uma equipe fabulosa, com os zagueiros Marante e Sobrero, a intermediária formada por Yácono, Nestor Rossi e Péscia e mais o ataque de 1945. Nessa ocasião surgia perante o cenário mundial um jovem avante chamado Alfredo Di Stéfano, um verdadeiro fora-de-série que em pouco tempo estaria entre os maiores do mundo. Infelizmente, o futebol argentino começou a perder seus melhores craques para diversos times sul-americanos. Sua ausência da Copa de 50 no Brasil selaria o início do declínio da grande seleção após tantos anos de glória. Integraram a equipe argentina os seguintes jogadores: Cozzi (Ricardo, Estrada, Gualco), Salomón (Marante) e Alberti (Sobrero); Yácono (Sbarra, Perucca, Esperón), Nestor Rossi (Colombo, Videla) e Boyé (Pescia, Ramos); Pedernera (Di Stéfano), Sastre (Muñoz, Masantonio), Méndez (Labruna, Marvezzi, Pontoni), Moreno e Garcia (Lostau, de La Mata). Os expoentes do time eram Moreno, Di Stéfano, Labruna, Pedernera, Garcia, Boyé, Méndez e Sastre. O maior time desta época no futebol argentino era o River Plate, chamado de "La Máquina", que brilhou nos anos 40. Tinha um futebol avançado para seu tempo, com os jogadores constantemente trocando de posição em campo e muita mobilidade em suas diversas linhas. O ataque formado por nada menos que Muñoz, Moreno, Pedernera, Labruna e Peucelle (Lostau). Esta linha de frente assinalou mais de 700 gols. Ainda a destacar Nestor Rossi no meio de campo e o grande goleiro Carrizo. O River conquistou inúmeros títulos, entre eles quatro campeonatos argentinos (41, 42, 45 e 47). Como aconteceu com a seleção argentina, a partir de 1947 o River começou a perder suas estrelas para outros países sul-americanos, com o consequente e inevitável desmonte da equipe. A época áurea do River coincidiu com a da seleção argentina, isto é, de 40-41 a 49. Formaram na equipe do River os jogadores Carrizo (Barrios, Soriano), Iácono, Vaghi (Rodolfi), Rodriguez, Ramos, Nestor Rossi, Moreno, Muñoz, Pedernera (Di Stéfano), Labruna e Peucelle (Lostau). Um plantel e tanto... Os destaques ficavam por conta de Moreno, Di Stéfano, Labruna, Nestor Rossi, Lostau e Pedernera. Enfocaremos, a seguir, os super-craques do River e da seleção: Moreno, Labruna e Di Stéfano. José Manuel Moreno, meia-esquerda de excelente técnica, categoria e movimentação. Foi um exímio cabeceador. Muitos o consideram o terceiro melhor jogador argentino de todos os tempos, somente atrás de Maradona e Di Stéfano, e um dos cinco melhores do mundo na década. Jogava pelo River Plate, depois andou pelo Boca Juniores, Universidad Católica do Chile e por diversos times da Colômbia e do Paraguai. Foi Campeão Sul-Americano quatro vezes e Campeão Argentino seis vezes. Não disputou nenhuma Copa do Mundo. Ángel Amadeo Labruna, ponta de lança e fantástico goleador. Foi um símbolo da equipe do River Plate, tendo jogado em seu time de 39 a 58. Jogou, também, pelas equipes do Rampla (Uruguai), Rangers (Chile) e Platense (Argentina). Campeão argentino 9 vezes, sempre pelo River, seu clube do coração. Atuou na Copa do Mundo de 58, já com 40 anos de idade. Ainda jogaria mais um ano, encerrando sua longa carreira em 59. Alfredo Di Stéfano, atacante muito técnico, líder nato e armador de primeira linha. Considerado por muitos o maior jogador de futebol de todos os tempos, somente superado por Pelé. Marcou nada menos que 893 gols, sendo o 3o maior goleador da história. Era chamado de "La Saeta Rubia" ("A Flecha Loura") por sua enorme velocidade em campo. Foi o comandante e a estrela maior do River Plate nos anos 40. Jogou também pelo Los Cardales, Huracán, Milionarios da Colômbia e pelo Real Madrid e Español da Espanha. Campeão argentino 2 vezes, campeão colombiano 4 vezes e 8 pelo campeonato espanhol. Ganhou a Copa do Rei em 62, 4 vezes a Copa dos Campeões da Europa, Mundial Interclubes em 60 e sul-americano pela Argentina em 47. Atuou 8 vezes por seu país, com 6 gols assinalados; 4 vezes pela Colômbia e 31 pela Espanha, tendo 23 gols assinalados pela seleção ibérica. Não atuou em nenhuma Copa do Mundo. O técnico da seleção argentina era o ex-jogador Guillermo Stabile. Havia sido uma das estrelas da Copa de 30, ao lado do uruguaio Andrade. Andou também pelo futebol italiano e pelo francês, antes de iniciar a carreira de técnico. Sua equipe jogava de forma muito atraente e, pelo fato de possuir tantos talentos, Stabile pôde montar seu esquema de jogo com certa facilidade. Seu esquema era ainda, basicamente, a velha pirâmide escocesa. Para se ter uma idéia da força da seleção argentina desta década, tomemos, por exemplo, o período que vai de 5 de janeiro de 1944 a 25 de maio de 1948. Neste espaço de tempo, os argentinos disputaram 36 partidas contra as seleções sul-americanas. Venceram 25, empataram 6 e perderam apenas 5. Marcaram 117 gols (média de 3,2 gols por jogo) e sofreram 55. Aplicaram goleadas como 6x2 no Uruguai em duas ocasiões, 9x1 e 6x0 na Colômbia, 7x1 e 7x0 na Bolívia e 6x0 no Paraguai. Neste mesmo período jogaram contra o Brasil cinco vezes, vencendo três jogos (3x1, 4x3 e 2x0) e perdendo dois (2x6 e 1x3). A Argentina dos anos 40 foi uma das melhores seleções do mundo em sua época e, sem dúvida, a melhor da América do Sul. Foi uma pena que não tivesse a oportunidade de disputar nenhuma Copa do Mundo, pois este evento foi interrompido de 1938 a 1950, devido à II Grande Guerra. Teria sido, certamente, uma das mais fortes candidata ao título máximo.
Conclusão Relembramos duas obras-primas que ficaram gravadas para sempre nos anais da história do futebol. A Áustria dos anos 30, por seu refinado toque de bola, a maior representante da Escola do Danúbio, onde sobressaía a figura legendária de Mathias Sindelar. A Argentina dos anos 40, por sua notável coleção de craques como Di Stéfano, Labruna e Moreno e que dominou o cenário futebolístico sul-americano nesta década. Embora fossem equipes de primeiríssima linha, por diferentes motivos não alcançaram um título mundial, o que não impede que sejam lembradas até hoje. A Áustria, por seu estilo de jogo ágil, leve e vistoso como uma valsa vienense. A Argentina, por sua maneira de jogar viril, forte e atrevida, como um tango ao melhor estilo. Ambas, a seu modo, marcaram uma época.
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