 |
|
A dois
meses de completar 38 anos, sendo 20 como jogador
profissional, o gaúcho Mauro Geraldo Galvão tem
resposta para quase tudo na carreira. Exceto para uma
pergunta: por que não é chamado para a Seleção
Brasileira? Vivendo uma fase de esplendor, não há
voz para contestar sua vitalidade, muito menos a
categoria. Nem mesmo Wanderley Luxemburgo, o técnico
da equipe nacional. "Mauro Galvão, Gamarra e
Luiz Alberto são aqueles zagueiros que sabem jogar
bola e que não precisam usar violência para se
impôr. Manter-se jogando em alto nível depois de 20
anos de futebol prova o talento dele", elogia
Luxemburgo, deixando a dúvida: então, por que
jamais convocou Mauro Galvão em 23 jogos como
comandante das seleções principal e olímpica?
"Seleção é uma outra coisa, meu
camarada!", completa Luxemburgo, encerrando o
assunto, em tom de irritação, diante da
contradição.
Em 23 de
dezembro próximo, Mauro Galvão vai festejar 20 anos
da conquista de seu primeiro título brasileiro -- de
1979, pelo Internacional. Tinha feito 18 anos quatro
dias antes da decisão, mas já era titular da
quarta-zaga colorada havia seis meses. Desde então,
ganhou 15 títulos expressivos, além de uma medalha
de prata olímpica pela Seleção Brasileira, nos
Jogos de Los Angeles, em 1984. "É muito chato
ser sempre 'quase' convocado", confessa Galvão,
em meio a fotos, medalhas, troféus e recortes sobre
a carreira, mantidos num dos quartos da confortável
casa no Recreio, Zona Oeste do Rio. "Não
alimento mais esperança. Em toda convocação,
aparece no noticiário que eu tenho chance. Mas a
expectativa não se concretiza. Por isso, resolvi
não pensar mais". Falar sobre ser chamado para
as Olimpíadas de Sydney, no entanto, traz uma ponta
de nostalgia ao zagueiro. "Já disputei uma Copa
do Mundo (a de 1990) e uma Olimpíada e sei bem o que
representam. Os Jogos Olímpicos têm mais
emoção", lembrou.
Vaga na
zaga verde-amarela não seria problema se alguém
entendesse o que passa na cabeça dos técnicos. Em
22 jogos da seleção principal, Wanderley Luxemburgo
testou duplas compostas por oito zagueiros
diferentes: Antônio Carlos, Aldair, Odvan, Cléber,
Scheidt, João Carlos, Luiz Alberto e César. Tomou
21 gols sendo dez nas últimas quatro partidas.
"Os técnicos da Seleção vivem dizendo que
convocam os melhores, mas só na cabeça deles deve
haver um critério que não permita convocar um
zagueiro em forma como o Mauro Galvão",
criticou o ex-lateral e apoiador Júnior, hoje
comentarista do canal SporTV. "Mauro Galvão foi
discriminado por causa da idade já na Copa de 1998,
quando era o melhor zagueiro brasileiro. Exatamente
como eu fui na Copa de 1990".

|
Até no
rival Flamengo o coro pelo vascaíno Mauro Galvão
ganha eco. "Ele jogaria no meu time
tranqüilamente", opinou o técnico Carlinhos.
"Gosto de zagueiro como o Mauro: técnico, firme
e com liderança. Soma muito em qualquer
equipe". Parar no auge não passa pela cabeça
do zagueiro. "Seria egoísmo de minha parte me
aproveitar de um momento para deixar boa
impressão", justificou com franqueza. Sorte de
quem gosta de bom futebol. Com um estilo de
liderança sereno, quase invisível, aliado a
categoria no campo, o zagueiro do Vasco amealhou
respeito em 20 anos de carreira profissional e quase
mil jogos disputados (veja quadro). Um respeito que
ultrapassa as fronteiras do Estádio de São
Januário. Caminhando pelas ruas ou pelos shoppings
do Rio, não raramente, ele é parado por torcedores
rivais para ouvir desde um pedido de autógrafo até
os mais rasgados elogios. "Fui bicampeão
estadual pelo Botafogo já há nove anos, mas ainda
tem torcedor que me pede para voltar ao clube. É
sinal de que devo continuar", avaliou o jogador.
No
Vasco, do roupeiro Severino ao presidente Antônio
Soares Calçada, não há voz que questione o talento
de Mauro Galvão. Contratado pelo clube há dois
anos, o zagueiro não se sentiu constrangido ao
perder, por conveniência, a braçadeira de capitão
para Edmundo -- o artilheiro e Senhor de São
Januário. Sabe que continua sendo uma voz ouvida com
atenção. Chega a ser uma contradição que a idade
só pese quando o assunto é Seleção Brasileira. No
início de 1998, Wanderley Luxemburgo quis levar para
o Corinthians o zagueiro -- então com 36 anos e
recém campeão brasileiro pelo Vasco. "Fiz o
convite dentro da ética, pois o contrato dele com o
Vasco tinha acabado", recorda Wanderley. Em
1997, alías, Mauro Galvão se tornou o único
jogador brasileiro a conquistar, num mesmo ano, a
Copa do Brasil (pelo Grêmio) e o Campeonato
Brasileiro (pelo Vasco). É o único jogador a ganhar
em três décadas diferentes a Bola de Prata --
troféu oferecido por PLACAR aos melhores do
Brasileiro (em 1979, pelo Internacional; em 1985,
pelo mesmo clube, e em 1997, pelo Vasco).
Mauro
Galvão não costuma dar muitas entrevistas. Gosta de
falar apenas do que entende. Cavalheiro, evita
críticas a Luxemburgo, com quem jamais trabalhou, e
concorda com outros polêmicos critérios do
treinador: "Ele está certo em não levar para a
seleção jogador que dá problema, pois isso cria
desgaste. O técnico tem que ter o grupo na
mão."
Mauro
Galvão mostra ser um campeão também de
esportividade. No empate do Vasco por 1 x 1 com o
Paraná, no último dia 19, em vez de um pontapé
para parar a jogada, segurou o rival pela camisa e
recebeu seu primeiro cartão vermelho depois de 20
meses. A última expulsão fora há 85 partidas, em
24 de janeiro de 1998, na vitória por 1 x 0 sobre o
Botafogo, pela primeira fase do Torneio Rio-São
Paulo daquele ano. "Falta faz parte do jogo, mas
tem que saber fazer", opina. "Não entro
com o pé mole em dividida, mas jogador que dá uma
voadora tem que levar cartão vermelho na hora."
Aos 17
anos, era quarto-zagueiro titular do time principal
do Inter, que tinha Falcão como astro. Curiosamente,
um talento que o rival Grêmio custou a reconhecer.
Apesar de torcedor colorado, foi no tricolor gaúcho
que Galvão começou, quando tinha 12 anos. Um dia, o
União dos 11, time do bairro Menino Deus, pelo qual
atuava há cerca de um ano como ponta-direita, tinha
um amistoso marcado contra a equipe mirim (até 14
anos) do Grêmio. Choveu e a partida foi cancelada.
Para não perder o dia, seu Oquelésio, pai de Mauro
Galvão e ex-jogador de futebol amador, foi com o
filho assistir a um treino das divisões de base do
tricolor, no suplementar -- campo ao lado do Estádio
Olímpico. Bendita decisão!
Para
surpresa da dupla, o técnico era Fernando, um
ex-companheiro de seu Oquelésio nos campeonatos
amadores da capital gaúcha. Veio o convite para um
teste como lateral-direito. "Fiquei meio assim
porque torcia pelo Inter, mas topei e não saí
mais", relembra Mauro. Depois, subiu para a
categoria de até 16 anos. Mas, com 15, como
zagueiro-central, foi chamado por Jaime Schmidt,
técnico dos juvenis, para um jogo. Saiu-se bem. O
técnico ficou incomodado com os elogios ao guri e
preferiu devolver o zagueiro à equipe infantil.
Ninguém entendeu.
Por
onde passou
Grêmio (1996 e 1997)
Lugano (1990 a1996)
Botafogo (1987 a 1990)
Seleção (1980 e 1990)
Internacional(1979 a 1986)
Bangu (1986 a 1987)
|

Mauro
Galvão no Internacional-RS |
A
história chegou aos ouvidos de Abílio dos Reis -- o
maior descobridor de talentos da história do Inter.
Chamado para treinar no Beira-Rio, Mauro Galvão
entrou diretamente no juvenil. Os dirigentes do
Grêmio quiseram brecar. Protestaram na Federação e
o rapaz ficou seis meses sem jogar partidas oficiais,
cumprindo o estágio de transferência para amadores.
Enfim regularizado, levou apenas um ano para subir ao
time profissional, como quarto-zagueiro. No primeiro
semestre de 1979, o Inter já tinha perdido o título
do Gauchão por antecipação para o Grêmio. O
então técnico Zé Duarte aproveitou para dar chance
aos novatos. Mauro Galvão foi titular nas cinco
últimas rodadas. Não saiu mais da equipe,
disputando 22 partidas no Brasileiro daquele ano,
sagrando-se campeão em 23 de dezembro e ganhando sua
primeira Bola de Prata. Era a decolagem para uma
carreira vitoriosa, sem data para terminar.
O
exemplo de Júnior por
Leão Serva
17
de maio de 1992. O Brasil entra em campo no
estádio de Wembley, Londres, para um
amistoso contra a Inglaterra, no início de
sua preparação para a Copa de 1994. Os
ingleses estranham a presença do grisalho
Júnior no meio campo brasileiro, alguns até
brincam chamando-o de "sênior". Ao
fim, o Brasil arranca um bom empate (1 x 1).
Antes
de entrar em campo, o técnico Carlos Alberto
Parreira explica ao repórter: "Estamos
fazendo experiências, testando jogadores e
táticas. Num momento assim, precisamos muito
de alguém como Júnior". Experiência
não faltava ao veterano Júnior, então 38
anos, para ajudar as experiências do
técnico.
O
próprio Júnior revelava humildade ao
repórter: "Não trabalho pensando que
vou chegar à Copa do Mundo. Quero ter o
gostinho de colaborar nessa fase
inicial".
Parreira
queria dar ao Brasil o primeiro título
mundial desde 1970. Procurava afirmar um
futebol mais eficiente, em que os indivíduos
se submetem ao coletivo.
Hoje
como então, o técnico Wanderley Luxemburgo
afirma a importância do "grupo"
acima do talento individual. Enfrenta até
resistências de craques que não querem
se submeter aos seus esquemas táticos. Mas,
acima de tudo, tem de resolver as
deficiências tradicionais da defesa
brasileira. Num momento assim, a experiência
de um veterano como Mauro Galvão pode ser
fundamental para dar ao técnico a calma
necessária para se concentrar nos outros
objetivos. E quem sabe o Brasil inicie assim
o caminho para um novo título mundial.
|
Profissão
Campeão
Os números superlativos em 20 anos
de carreira 15
títulos
1 Libertadores (Vasco/98)
1
Copa América (Seleção Brasileira/89)
3
Brasileiros (Internacional/79, Grêmio/96 e
Vasco/97)
1 Copa do Brasil (Grêmio/97)
1 Copa Suíça (Lugano/93)
1 Rio-São Paulo (Vasco/99)
4 Gaúchos (Internacional/81/82/83/84)
3 Cariocas (Botafogo/89/90 e Vasco/98)
977
jogos*
Internacional
(391 jogos de 1979 a 1986)
Bangu (64 jogos de 1986 a 1987)
Botafogo (110 jogos de 1987 a 1990)
Lugano-SUI (186 jogos de 1990 a 1996)
Grêmio (67 jogos de 1996 a 1997)
Vasco (121 jogos desde julho de 1997)
Seleção Brasileira (38 jogos)
61
gols*
Internacional
16
Bangu 03
Botafogo
01
Lugano 26
Grêmio 05
Vasco 10
Seleção 0
*
(até 23/9/99)
|
De
sola
Galvão deixa de lado a habitual
categoria e detona os colegas de 1990 e os
chefões atuais do Botafogo
COPA
DE 1990 "Os
interesses pessoais foram maiores do que o
coletivo. O time era bom, mas todo mundo
achou que tinha que ser titular. Para
reverter um quadro daqueles, só dando o
bilhete de volta para quem não se
enquadrasse."
O
LíBERO DE LAZARONI "A
seleção jogava com três zagueiros, mas
não com um líbero. Os três não saíam
para jogar porque a função era cobrir os
laterais, liberados para atacar sempre.
Faltou explicar melhor à opinião
pública."
O
GRANDE TIME "O
Botafogo de 1989. Tecnicamente, era muito
inferior ao Vasco campeão brasileiro de
1997. Mas acabou campeão carioca, quebrando
um tabu de 21 anos sem títulos, devido à
superação e à vontade do time."
O
BOTAFOGO HOJE "Tenho
um carinho imenso pelo clube. O que está
acontecendo agora não dá para aceitar. E de
que adiantou o ex-técnico (Carlos Alberto
Torres) e o dirigente (Carlos Augusto
Montenegro) ficarem falando que vão
abandonar o futebol se o time cair para a
Segunda Divisão? O torcedor não quer saber
de falsa promessa. Tem é que
trabalhar."
LUGANO
"O
futebol suíço é uma correria só. Por
quê? Eles erram muitos passes, por isso
correm tanto."
MAIOR
PEITAÇO "Antes
do Botafogo, joguei no Bangu, de 1986 a
meados de 1987.
Foi um peitaço (desafio, na gíria gaúcha)
trocar a estrutura do Inter pela do Bangu.
O Carpegiani me chamou. Eles tinham bons
projetos e ainda ganhei uma Taça Rio
(segundo turno do Estadual de 1987)."
HORA
DE PARAR "Seria
muito egoísmo de minha parte parar de jogar
no auge para manter viva uma boa imagem.
Enquanto sentir prazer no que faço, sigo
jogando."
SER
TÉCNICO "Nem
cogito. Vida de técnico é uma troca de
lugar a todo instante. Não há tempo, nem
paciência para deixar desenvolver um
trabalho. O Vasco, do Lopes, é uma
exceção. O Grêmio, do Luiz Felipe, foi
outra. Nem assim os dirigentes seguem os bons
exemplos."
|
Bico
de Pena
Hélio
Ricardo e o livro
A história do beque que abomina chutão só
podia virar livro Um
zagueiro que aos 38 anos corre como um
garoto. Um garoto que aos 17 anos se portou
como um veterano e ganhou um Brasileiro
invicto. Um jogador que largou seu grande
clube para jogar em um time de bicheiro. Um
becão que não abria mão da elegância (veja
a coluna de Falcão na página 26). A
história da carreira de Mauro Galvão é
rica demais para não se transformar em
livro. O ator, produtor teatral e autor
Hélio Ricardo percebeu o potencial das
histórias do zagueiro e escreveu "Mauro
Capitão Galvão -- Lições de vida,
lições de futebol", a biografia do
zagueiro que deverá ser lançada em outubro.
O
autor fez incontáveis entrevistas durante um
ano. O livro, que leva o selo da Editora
Gryphus, tem dez capítulos divididos em
atos, como a estrutura de uma peça teatral.
Histórias não faltam nas 202 páginas.
Afinal Galvão participou do Inter campeão
invicto em 1979 e do Vasco campeão da
Libertadores 1998. Trocou o tricampeão Inter
pelo Bangu do bicheiro Castor de Andrade.
Dali, foi para o Botafogo. Em 1990 encarou o
obscuro Lugano, da Suíça. O então
dirigente Emil Pinheiro negociou o jogador
por US$ 400 mil para quitar dívidas do clube
consigo próprio. Galvão estava com 28 anos,
era ídolo da torcida e jogava na Seleção
Brasileira. Viu, nos salários em dólar e na
oportunidade de conhecer uma outra cultura, a
chance que não mais teria. O Lugano era um
time pequeno, mas o zagueiro ficou por lá
durante seis anos. Esperou que o único
filho, Diogo, hoje com 14 anos, completasse o
1º Grau. "Para a minha carreira, a
Suíça foi ruim, pois a gente fica
escondido. Mas é importante dar uma base de
educação aos filhos", justificou.
|
|
|