[3]A origem do que hoje é chamado
de Kendô é indissociável da história da classe
guerreira do Japão, Bushi (termo genérico) e, em
particular, Samurai (elite guerreira). Ao longo do tempo, e muito rapidamente,
a Katana (espada) tornou-se a arma mais nobre e
apreciada por todas as Bu-jutsu (técnicas de guerra).
Seu
desenvolvimento está diretamente ligado a toda evolução da sociedade, da
cultura do Japão. No alto escalão da privilegiada casta guerreira na “Idade
Média” nipônica, a espada tornou-se o próprio símbolo de poder e das mais altas
virtudes humanas: bravura, lealdade, retidão.Possuir,
então, uma espada era um privilégio hereditário. A Katana
era considerada a própria alma do guerreiro.
Tradicionalmente,
a [4]história
do Japão costuma ser dividida em:
-
Período de Yamato (350-710): tem como
celebridade máxima a figura do 1º Imperador do Japão, Jimmu
Tenno, guerreiro unificador do Império Yamato, e que, segundo a tradição, seria descendente direto
dos deuses. Portava a famosa espada Tsurugui, cuja
origem também é dita como divina, e com a qual derrotou seus inimigos.
-
Período de Nara (710-794): os primeiros
registros históricos oficiais, o Kojiki (712) e o Nihonshoki (720), evocam a prática do “caminho da espada” (Tachi-gaki, Kumi-tachi) dentro da
formação do Kugê (nobreza imperial). No final deste período, a Reforma de Taika estabeleceu o serviço militar obrigatório.
-
Período de Heian
(794-1192):
foi o período glorioso dos aristocratas e dos confrontos entre as grandes
famílias Taira (Heishi) e Minamoto (Guenji). Foi nessa
ocasião que, nas grandes fazendas, formaram-se grupos de combatentes para a
autodefesa, que vieram a ser os primeiros membros da futura e famosa classe dos
guerreiros: os Samurais.
-
Período de Kamakura
(1192-1333):
neste período, a corte imperial perde o poder executivo para a classe
guerreira, e estabelecesse, pela primeira vez, um governo militar, dando início
a Era Feudal no Japão. É nessa época que
ocorrem os primeiros ataques mongóis, e os militares japoneses têm a
oportunidade de constatar a superioridade das espadas de seus inimigos.
Conseqüentemente, o final desta era destaca-se pelo incrível avanço nas
técnicas de fabricação de espadas.
-
Período de Nambokucho
(1333-1392):
caracteriza-se por um período extremamente atribulado. A disputa de poder força
a coexistência de duas cortes, uma sediada em Kyoto,
sob o comando do novo Imperador do Japão, Komei; e outra, em Yoshino, sob o comando do
Imperador deposto Godaigo.
-
Período de Muromachi (1392-1573): este período teve
início com a unificação das duas cortes, porém foi marcado por intrigas e jogos
de interesse. Tanto que, no fim da era Muromachi, o
laço moral que até então unia o senhor (Daymio) aos
seus vassalos acabou se deteriorando. Foi uma época trágica de guerras
constantes por todo o território nipônico. Porém, nunca se estudou tanto
técnicas de guerra. É o início da formação das ‘escolas’ e ‘estilos’ (Ryu) com a sistematização de práticas e treinamentos.
-
Período de Sengoku
(1573-1576): a
tradução Sengoku
é ‘país em guerra’. Foi um período de conflitos trágicos, com um poder central
sem poder econômico nem militar. Dois fatos marcantes ocorreram nesses três
anos: a introdução no Japão das armas de fogo pelos portugueses e do
Cristianismo pelos jesuítas espanhóis.
-
Período de Azuchi-Momoyama
(1576-1615):
início dos esforços de reunificação do Japão. Oda Nobunaga reconquista a capital com o apoio dos jesuítas (em
troca, Nobunaga permite a construção de igrejas e a
divulgação do Cristianismo). De personalidade extremamente agressiva, Nobunaga prossegue em suas conquistas, mas, é morto por um
de seus próprios comandantes, antes de concluir seu plano. Após o assassinato
de Oda Nobunaga, seu
vassalo mais fiel, Toyotomi Hideyoshi
termina a conquista do território japonês, consolidando-se com base no
desarmamento do povo e no levantamento das terras produtivas. Além de excelente militar, Toyotomi Hideyoshi foi um exímio
estadista, sem origem nobre, conseguiu chegar ao posto mais alto do poder (é um
dos personagens históricos mais admirados no Japão). O filho de Toyotomi Hideyoshi sobe ao poder
após a morte do pai, porém, Tokugawa Ieyassu, um de seus colaboradores mais próximos, toma-lhe o
poder, iniciando um novo período na história do Japão. É nessa época que viveu
o famoso, quase lendário, samurai Miyamoto Musashi.
-
Período de Edo
(1615-1868):
este período de quase 300 anos foi regido pelas bases estabelecidas por Tokugawa Ieyassu, que ergueu seu
governo em Edo (atual Tokyo),
assumiu o título de Shogun (‘Generalíssimo’),
determinou normas rigorosas para vassalos e lavradores, baniu o Cristianismo,
fechou os portos para estrangeiros e proibiu todas as atividades que viessem a
contrariar sua política ditatorial.
Foi nesse período que a
população foi dividida em quatro classes sociais: samurais, lavradores,
artesãos e comerciantes. No início da Era Edo, os
samurais eram a classe dominante, possuíam o poder
absoluto e seguiam o código de honra denominado Bushido.
No entanto, o longo período de paz interna e o isolamento externo acabaram
trazendo o ‘desemprego’ para os samurais, e sua decadência foi inevitável. No
final da Era Edo, a classe dos guerreiros era
formalmente a superior, mas, na realidade, era a mais miserável. Essa mesma
paz, porém, fez com que a prática da espada perdesse seu caráter bélico, e o Kendô adquire seu arcabouço filosófico. Os treinamentos
passam a serem praticados com bogu (armadura mais
leve) e Shinai (espadas de bambu), ao invés de
espadas verdadeiras, para evitar ferimentos, em academias (dojos),
num formato muito parecido com a prática de hoje.
-
Período de Meiji
(1868-1912):
no final da Era Edo, não apenas a classe dos
samurais, mas todo o Japão entra em ‘colapso’, e o desfecho final dessa crise é
a Revolução Meiji, movimento chefiado pelos líderes
feudais, que derruba a dinastia Tokugawa e restaura o
Imperador no poder. Este é o início da abertura do Japão para os países
ocidentais, a chamada ‘modernização’. Com a ocidentalização do Japão, o Kendô e o ‘culto à espada’, bem como todas as manifestações
da cultura nipônica, entram em declínio. O ‘Espírito da espada’ começa a ser
resgatado no final da era Meiji quando o governo
imperialista japonês entra em guerra contra a China e a Rússia. As vitórias do
Japão nessas guerras provocaram o renascimento do sentimento patriótico e o Kendô passa a ser incorporado nas escolas.
-
Período de Taisho
(1912-1926):
os problemas políticos e econômicos iniciados no final da era Meiji causados por uma postura imperialista haviam deixado o país numa
situação de declínio. Paradoxalmente, a participação do Japão na 1ª Guerra
Mundial (que ocorreu sem dano considerável) foi uma oportunidade para o país
equilibrar-se razoavelmente. O espírito nacionalista renovado por essa melhora
faz com que o Kendô volte a ser valorizado, agora,
como um dos pilares da educação nacionalista.
-
Período de Showa (1926-1989): sem dúvida, o
fato mais marcante deste período foi a 2ª Guerra Mundial. Em 1945, após a total
rendição dos japoneses, os americanos consideraram a prática do Kendô agressiva aos militares aliados, esta idéia causou
conseqüências devastadoras para o Kendô, pois as
autoridades americanas simplesmente proibiram a sua prática. Essa proibição só
foi suspensa em outubro de 1952, quando foi criada a Associação Japonesa de Kendô, com o princípio de que o Kendô
não era apenas uma arte marcial, mas também um esporte educacional.
[8]Em 1970, é criada a Federação
Internacional de Kendô (IKF – International
Kendo Federation), entidade
máxima do kendô mundial, sediada no Japão.
-
Período de Heisei (1989 – atual): no Japão,
atualmente, cerca 1,2 milhões de pessoas praticam Kendô.
Isto representa quase que 75% dos Kendocas espalhados
no mundo, em quase 50 países que possuem entidade formal organizada reconhecida
pela IKF (International Kendo
Federation).
No Japão, o Kendô é atividade curricular nas
escolas elementares e está presente nas faculdades, nas academias de polícia e
de bombeiros, e até mesmo em templos religiosos.
Desde
Apesar
da inegável hegemonia japonesa, tanto no número de praticantes, quanto nos
resultados dos [8]Campeonatos
Mundiais (até hoje, os japoneses foram os campeões em todos os Campeonatos
Mundiais), a prática do Kendô vem crescendo em outros
países, destacando-se a Corea, os Estados Unidos,
países europeus como França e Inglaterra, e o Brasil.
Atualmente, [5]existe
uma grande discussão sobre a questão se o Kendô deve
ou não ser transformado em um esporte olímpico.
Uma
vez que o Kendô já está sendo praticado por tantas
pessoas em tantos países, porque não levá-lo para as Olimpíadas? Seria
duplamente benéfico, para o Kendô, por trazer
divulgação e crescimento, e para a sociedade que teria oportunidade de conhecer
e apreciar a beleza do esporte e da filosofia do Kendô.
Mas a
questão não é tão simples. Os que defendem a idéia de que o Kendô
não deve ser transformado em esporte olímpico argumentam que o Kendô não é apenas uma modalidade esportiva, e temem que,
com a exposição dada pela participação nas Olimpíadas, o Kendô
venha a se transformar em um esporte excessivamente competitivo de alta-performance e comercial, a exemplo do que já ocorre com
outras artes marciais, e que perca sua parte filosófica. Seria lamentável ver
tudo reduzido a uma ‘busca pelo Ouro’.
Existe
uma ‘terceira via’, que vem ganhando adeptos, que considera levar o ‘Kundo’ (ou ‘Kumdo’) para as
Olimpíadas. O nome ‘Kundo’ é a pronúncia coreana da
palavra Kendô, mas costuma ser utilizado para
referenciar o estilo de luta dos Kendocas coreanos.
Um estilo agressivo, extremamente combativo que, segundo especialistas, não
prima pela técnica e abusa da força bruta, mas que, de qualquer forma, tem se
mostrado eficiente nas competições.