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Carta aberta ao Fernandinho Beira-mar




Prezado Fernandinho,

Antes de tudo uma explicação gramatical: é presado mesmo, característico de quem está preso, e não "prezado", que daria à introdução um sentido de estimado, querido, erradamente, pois não tenho por que prezá-lo. 

O que me motivou enviar-lhe esta cartinha, embora você nem tenha idéia de quem eu seja e a propósito de que estou me dando a esse trabalho, é que andei meditando sobre quem seria a pessoa ideal para uma troca de idéias sobre corrupção e bandidagem, e as diferentes maneiras se tratar cada caso. E você, Fernandinho, foi a pessoa que me ocorreu como a mais indicada para essa interlocução já que conhece perfeitamente bem os dois setores

Quero lhe passar algumas informações aqui de fora, que certamente não lhe chegam mais desde que lhe tomaram o celular, desmontando uma armadilha de escuta que você, apesar da esperteza que sempre demonstrou possuir, não percebeu aí no xilindró da Polícia Federal em Brasília.

Assim, vc ainda não deve estar sabendo que o juiz Lalau está solto, dormitando a essas horas em seu colchão de plumas de ganso na mansão que ele adquiriu com o salário de magistrado. Ainda sobrou troco para adquirir outros três ou quatro patrimônios de igual tamanho em São Paulo, além de um apartamento de milhão e meio de dólares em Miami e aplicações seguras de muitos outros milhões de verdinhas em paraísos fiscais. Mas, coitado, após não sei quantos dias na cadeira, ele caiu em profunda depressão e mandaram-no se curar em casa. Aí eu pensei: se a Justiça admitir liberar todos os presos em estado depressivo, todas as portas de cadeia no Brasil terão de ser abertas já. Preso deprimido é redundância. Faz parte do processo. É ou não é, Fernandinho?. 

A informação seguinte, ainda no capítulo Lalau, é que o ex-senador Luís Estevão, comparsa do juiz, continua solto, flanando no eixo Brasília-NY-Paris, numa nice, sem ninguém a incomodar-lhe os passos cada vez mais firmes e seguros de liberdade garantida por quem, Fernandinho? Se você disse pela Justiça, muito bem, acertou. 

Vamos a um outro caso, mais antigo na história, mas que ainda me causa grande perplexidade pelo desfecho. Lembra do Collor, Fernandinho, seu xará, e tão ambicioso quanto você nas coisas que envolvem grana, muita grana? Pois é, o Collor está de bem com a vida - ele e a sua mulher, aquela do narizinho empinado, primeira-dama de Canapi, ladra como ela só - e nada deve à Justiça, pois foi absolvido das extorsões praticadas contra um monte de empresários babacas, num jogo de toma-lá-dá-cá, mas que acabaram vindo à tona culminando com a cassação dele como presidente (ele vai sempre dizer que renunciou, mas aquilo foi armação - ele foi moralmente cassado). Você deve saber que toda a culpa acabou no lombo do seu testa-de-ferro, o finado P.C. Farias (às vezes me pergunto se não era o contrário, o Collor testa-de-ferro de P.C.) que morreu misteriosamente, em casa - e que casa -, após uma trepada, tomando seu uísque favorito. Dizem que quem armou a cilada em que ele e a namorada morreram a tiros foi o seu irmão, deputado federal pelas Alagoas, Augusto Farias, sujeito citado em levantamentos da Polícia Federal sobre tráfico de drogas (seu concorrente, Fernandinho), roubo de caminhões, assassinatos e seqüestros. E até hoje - essas acusações são velhas - o Augusto continua solto e fagueiro. É mole? Outro dia, num horário eleitoral, o Augusto apareceu posando de político sério, membro de um partido preocupado com os destinos do povo brasileiro, o PPB. Sabe quem é o cabeça desse partido, Fernandinho? Maluf, meu velho, um ícone da corrupção da História do Brasil. Ele mesmo, que ressurge agora, segundo a Folha de S. Paulo, como um dos favoritos dos paulistas para as próximas eleições estaduais... 

Por falar em Maluf, e o Pitta? Você nem tem idéia de onde ele anda. Eu lhe digo: está morando em Miami, escrevendo um livro, meu presado, que deve ser uma autobiografia das mais fascinantes, especialmente nos capítulos em que ele se defenderá bravamente das acusações irrefutáveis de roubar dinheiro a não acabar mais. A melhor prova disso é que ele encerrou o mandato em paz, protegidíssimo por quem? Pela Justiça, é claro.

Aposto que você está curioso com uma pergunta engasgada na garganta: e o Jader, aquele senador paraense, dono de extensas áreas em regiões das mais miseráveis do Brasil, onde 30 milhões de reais, dinheiro que ele surrupiou dos cofres públicos para construir um mini-império latifundiário, fariam um bem danado a tanta gente? Bem, ele continua presidente do Senado, um dos cargos mais importantes da República, e ainda vai esquentar a cadeira por muito tempo, sob o manto da Justiça representada por aqueles juizes que se fantasiam de urubu para resolver as questões jurídicas mais importantes do país. Pense no Ronald Biggs presidindo a Câmara dos lordes na Inglaterra. Este mesmo Senado em que o Jader desponta como comandante, acaba de nomear para presidente da sua comissão de ética o senador pelo Amazonas Gilberto Mestrinho. O nome deste, presado Fernandinho, eu ouvi pela primeira vez, há uns 20 anos, associado ao adjetivo de corrupto de primeira grandeza. Ora, veja só! E agora o Mestrinho passou a encarnar o símbolo senatorial da honradez e honestidade. Lá no estado dele, onde é conhecido como o Boto, o governador de nome Amazonino andou enroladíssimo na compra e venda de adesões, em soturnos quartos de hotéis, com o conhecimento do falecido Serjão, o mais peitudo defensor do governo de Fernando H. Cardoso, para fazer passar a lei que permitiu a reeleição para presidente. Esse é o mínimo das maracutaias que o Amazonino comandou e comanda. Nem por isso a Justiça admite que as denúncias contra ele o impeçam de continuar solto pela aí, investido de autoridade moral e de fato, que é pra homem nenhum botar banca.

Nesse encadeamento ao acaso de nomes acabei lá no Amazonas que conheço só pelo Globo Repórter. Mas, a verdade é que para o lado em que vc apontar o dedo, vai encontrar exemplos municipais, estaduais e federais de filhos da puta corruptos e safados que assumem cinicamente seus papéis na certeza de que permanecerão impunes o resto de suas vidas, sem jamais ter conhecido uma cela por dentro, como vc, Fernandinho. Em uns e outros, o volume da ambição é tão grande que um dia acaba estourando espalhando merda por todos os lados manchando-os indelevelmente por toda a vida. Aí então, os filhos da puta contratam advogados milionários que apelarão espertamente para as sutilezas jurídicas reservadas apenas aos corruptos de alto coturno, como os citados acima. O dinheiro que esses caras gastam com advogados para defendê-los dos processos que a Justiça encena armar contra eles é uma barbaridade. A´pi forma-se um círculo vicioso: eles tem de roubar mais para poder pagar os seus defensores. Cá entre nós, Fernandinho, sempre considerei que advogado de corrupto declarado é cúmplice do crime cometido, pois o dinheiro que ele embolsa a pretexto de honorários sai do bolso do ladrão, e rastreando-o vamos chegar na boca do cofre público de onde foi surrupiado. 

Tenho aqui na minha frente uma lista interminável de corruptos históricos, que perseguem ou perseguiram com a mesma avidez a fortuna, assim como vc, driblando as Leis e códigos de ética. Cada um à sua maneira, embora ache que se tiver que julgar quem é mais culpado - vc ou eles - eu considero eles, pois o dinheiro que lhes encheu o rabo foi desviado do montante reservado a obras meritórias de alcance social - como incentivo à produção, reforma agrária, construções de prédios para abrigar a Justiça (taí o prédio do TRT de SP que não me deixa mentir), escolas, hospitais e coisas e tais. Na China um político ou funcionário público que incorra no crime de corrupção é condenado à morte. Aqui, a Justiça se encarrega de protegê-los a mais não poder. 

Já vc, Fernandinho, usa dinheiro vindo de suas transações em busca da fortuna e poder negociando uma mercadoria baseada na velha lei da oferta e procura. O seu dinheiro não é corrupto, mas ilegal e sujo, pois a atividade que faz ele brotar é proibida pela Justiça, embora incentivada veladamente, em surdina, pelos milhões de consumidores dos produtos que vc negocia. É claro que aqui e ali, muito de sua receita foi e deve ainda ser destinada a subornar quem represente obstáculo aos seus negócios. Mas o que fazer - vc se defenderá - se a alternativa é esta: grana ou cadeia. A extorsão acontece não só na polícia e no judiciário, mas no funcionalismo público em geral. Quer um exemplo? Eu mesmo já fui vítima de uma extorsão descarada nos balcões do INSS, posto Laranjeiras, correndo atrás de direitos legítimos e honestos. "Paga ou o processo vai para os fundos de uma gaveta sem fundos..." É bem o estilo mafioso do "paga ou morre". Eu paguei. 

Bem, presado Fernandinho, já me alonguei demais na cartinha, e ainda tem um monte de gente da qual eu gostaria de lembrar pra dizer que acho que vc está sendo injustiçado se comparado a eles. Porque vc continua preso e eles aí à solta como eu, um cidadão absolutamente comum em dia com seus deveres. Daí o esclarecimento inicial da escolha de seu nome para receber essas mal traçadas, inicialmente remetendo-o ao episódio do Lalau para falar de minha estranheza com o fato. Retorno novamente a ele para lhe dar um conselho: se vc quiser sair da cadeia, simule uma depressão mais aguda do que a natural que vc deve sentir por estar preso. Depois contrate um médico que lhe dará um receituário que começa pelo tratamento da depressão no sacrossanto recolhimento do lar. A Justiça certamente haverá de lhe ser favorável como foi ao juiz Lalau. E depois, espalhe a estratégia entre os seus companheiros e companheiras presos, pois o que vale para um criminoso teoricamente deve valer para todos.

De nada, Fernandinho.


Ivan (Ivanir José) Yazbeck é jornalista aposentado,
escritor e roterista de TV e cinema, 
nascido em Juiz de Fora, 
mas radicado no Rio desde o Século XX."

E-Mail:
ivanyazbeck@uol.com.br




 

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