Andre Medeiros

Alemanha dos anos 70
O FUTEBOL- FORÇA DO KAISER

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Começo da década de 70. Um dos temas futebolísticos em voga era a comparação entre o futebol-arte dos sul-americanos e o futebol-força europeu, muito utilizado naquela época. A Copa anterior fora ganha de maneira brilhante pelo Brasil, legítimo representante do futebol-arte, com sua maneira típica e descontraída de atuar, um verdadeiro espetáculo para os olhos. A Copa de 74 seria uma espécie de tira-teima entre os sul-americanos e o futebol mais rígido, forte e esquematizado, característicamente europeu. A Alemanha Ocidental vinha com um excelente time, ótimos jogadores e embalada por sua tradição em Copas. Obtivera, também, ótimos resultados internacionais e havia sido escolhida como a sede da competição. Porém, a grande surpresa foi que o país que representaria a arte do futebol-espetáculo não seria um país sul-americano, mas - quem poderia prever? - uma outra nação também européia, a fabulosa Holanda de 74. Seria o belíssimo Carrossel holandês contra a viril e aplicada Alemanha de Beckenbauer.

 

A história das Copas havia dado adeus à Taça Jules Rimet, levada definitivamente para casa pelo Brasil após a conquista do Tri-Campeonato em 70. A nova taça era um troféu em ouro maciço, com 36 cm de altura, representando dois atletas levantando nosso planeta. Ela jamais ficará na posse definitiva de qualquer país, não importa quantas vezes vença a Copa. Sir Stanley Rouss, então presidente da FIFA, chegou a cogitar em nomeá-la de Taça Pelé. A idéia não pegou, poderia talvez sugerir alguma forma de favorecimento ao Brasil. Foi batizada simplesmente de Taça FIFA. O primeiro atleta a levantá-la seria Franz Beckenbauer, o Kaiser, como veremos a seguir.

 

A Alemanha vinha de duas Copas em que estivera próxima da vitória, a de 66 na Inglaterra (vice-campeã) e a de 70 no México (terceira colocada). Havia ainda conquistado invicta a Eurocopa de 72, disputando a final contra a U.R.S.S., colhendo uma vitória de 3x0 e totalizando 7 vitórias e 3 empates na campanha. Seu técnico era o experiente Helmut Schöen, grande colecionador de títulos e que dirigiu a equipe nacional alemã de 1964 a 1978. Seu saldo foi excelente: em torneios internacionais totalizou 59 jogos, com 38 vitórias, 15 empates e 6 derrotas. Num cômputo geral, incluindo-se amistosos, foram 139 partidas, com 87 vitórias, 31 empates e 21 derrotas. Como por trás de um grande técnico de seleção há sempre um grande clube, Schöen treinou o Bayern Munich de 1967 a 1976, equipe pela qual conquistou inúmeros títulos nacionais e internacionais, entre eles a Recopa Européia de 67, a Copa dos Campeões da Europa (74 e 75) e o Campeonato Mundial Interclubes (76). A equipe do Bayen possuía craques como Beckenbauer, Gerd Müller, Sepp Maier, Paul Breitner e Netzer, entre outros.Todos eles atuavam na seleção.

 

Sobre Helmut Schöen é interessante ouvir o que disseram seus comandados. "Ele formou uma enorme quantidade de jogadores. Para mim, foi o maior treinador de todos os tempos", palavras do zagueiro Vogts. "Era um homem extraordinário. Respeitava e era amigo de todos. Todos jogavam alegres, graças à atmosfera que ele conseguiu implantar. Esta foi uma das razões de seu sucesso", depoimento de Beckenbauer.

 

As duas maiores surpresas da primeira fase da Copa foi o fantástico time holandês e a derrota da Alemanha Ocidental para a inferior Alemanha Oriental por 1x0. Disseram na época que o time alemão perdera esta partida de maneira consciente, para evitar um jogo contra a Holanda na fase seguinte. A verdade é que no dia seguinte ao jogo, numa reunião entre Beckenbauer e o técnico Schöen, o Kaiser disse, como se soube depois: "Precisamos de mais liberdade. Estamos há quatro semanas concentrados sem ver nossas famílias. Essa pressão está prejudicando a equipe". Schöen amistosamente concordou com o pedido e…, o resultado todos nós conhecemos. Nos outros jogos até chegar à final, a Alemanha derrotou o Chile (1x0), a Austrália (3x0), a Iugoslávia (2x0), a Suécia (4x2) num jogo inesquecível, e a Polônia (1x0), a então Campeã Olímpica de futebol (1972).

 

A partida contra a Suécia foi memorável. A equipe nórdica, sem nada a perder por enfrentar a dona da casa, teria que vencer se não quisesse ser eliminada do Mundial. Eram 68.000 espectadores suportando uma tempestade de chuva e de vento, mas valeu, e como valeu... O sueco Edstrom abriu o placar no 1o tempo. Na fase complementar, Overath empatou num passe de Müller, logo aos 2 min. Bonhoff assinalou 2x1, mas, logo a seguir, o sueco Sandberg voltou a empatar. O estádio pairava em suspense. Era cá e lá, os ataques perigosos se sucediam, mas quando faltavam apenas 10 min. para o fim, o ponteiro direito Grabowski pôs a Alemanha à frente do marcador e o artilheiro Müller deu números definitivos ao placar. Vitória suada por 4x2, num jogo disputadíssimo do começo ao fim.

 

Era chegada a grande final. Seria a grande decisão, enfrentando-se os dois melhores times do Mundial: a arte e o espetáculo da equipe da Holanda contra a força e a aplicação tática da Alemanha. Presentes 80.000 torcedores no estádio de Munique. Juiz, o inglês Taylor. A partida mal começara, pênalti de Hoenness em Cruyff. Neeskens bateu e… Holanda 1x0. A partir desse momento, não se sabe porquê, uma apatia tomou conta do time holandês. Cruyff diria depois: "estar ganhando tão rápido, nos desequilibrou. Não esperávamos estar vencendo tão fácil os donos da casa. Tivemos uma sensação de vertigem. A Alemanha estava quase vencida, e foi aí que começou nossa série de erros". A Alemanha não se entregou e pressionava os holandeses sem cessar, até que o ponteiro Holzeinbein sofreu pênalti. Breitner cobrou, empatando o jogo. Antes do final do 1o tempo, Gerd Müller assinalou seu 14o gol em Copas, fazendo Alemanha 2x1. A Holanda caíra na armadilha alemã. Vogts anulara Cruyff, o excepcional goleiro Maier segurava todas lá atrás, Müller preocupava na frente a defesa contrária e Beckenbauer dominava o meio-campo e a zaga. Aí estava a estratégia de Schöen para vencer a Alemanha: marcar cerrado e pressionar sem tréguas. O futebol-total da Holanda caíra perante a aplicação e bravura dos alemães. A Alemanha sagrara-se Campeã do Mundo liderada por Beckenbauer. Aos holandeses, enfim, cumpriu o honroso papel de ter apresentado, se não a mais vitoriosa campanha, pelo menos o futebol mais bonito da Copa. Só sucumbiu perante o esforço e a tenacidade da aplicada equipe alemã.

 

No final de 1997, o então técnico da seleção e ex-jogador Vogts declarou ao jornal alemão Bild que "não houve pênalti" no lance que levou a Alemanha ao empate. Este fato foi guardado em segredo por ele e seus companheiros durante 23 anos! Holzeinbein teria se jogado ao chão… Vogts acrescentou ainda que, devido ao local do campo em que se encontrava o juiz, não teve ele outra alternativa se não assinalar a falta máxima que levaria a Alemanha ao empate.

 

A Alemanha formou na final com Maier; Vogts, Schwarzenbeck, Beckenbauer (capitão) e Breitner; Hoeness, Bonhoff, Overath; Grabowski; Gerd Müller e Holzenbein. A Holanda pôs em campo Jongbloed; Suurbier, Haan, Rijsbergen e Krol; Neeskens, Jansen e Van Hanegen; Rep, Cruyff (capitão) e Resenbrink. Os maiores destaques do time alemão foram o goleiro Sepp Maier, o zagueiro Paul Breitner, o artilheiro Gerd Müller, o armador Overath e, "last but not least", o fenomenal líder, o fora-de série Franz Beckenbauer. Deles daremos, a seguir, alguns dados interessantes de suas carreiras.

 

Sepp Maier, excepcional goleiro, considerado um dos três melhores de todos os tempos (junto com o inglês Gordon Banks e o russo Yashin, o "Aranha Negra"). Maier era apelidado de "O Gato", por sua fantástica calma, agilidade e reflexos. Encerrou prematuramente sua carreira em 1979, após sofrer sério acidente de automóvel. Jogou no Bayern Munich. Foi quatro vezes Campeão Alemão (69, 72, 73 e 74), seis vezes Campeão da Copa da Alemanha (66, 67, 69, 74, 75 e 76) e Campeão da Copa dos Campeões da Europa (74, 75 e 76), da Recopa (67), do Mundial Interclubes (76), da Eurocopa (72) e Mundial (74). Jogou também nas Copas de 66 (Vice-Campeão) e 70 (terceiro colocado). Participou de 95 partidas pela Seleção e de 476 jogos por seu time, o Bayern Munich.

 

Paul Breitner, grande lateral-esquerdo e meio-campista. Figura controvertida em seu país devido à sua admiração por Mao Tse Tung e Che Guevara. Sempre foi um contestador e era conhecida sua rivalidade com Beckenbauer. Jogou pelo Bayern Munich, Real Madrid (Espanha) e Eintracht Braunschweig (Alemanha). Foi cinco vezes Campeão Alemão (72, 73, 74, 80 e 81), duas vezes Campeão da Copa da Alemanha (71 e 82), além de Campeão da Copa dos Campeões da Europa (74), da Copa da Espanha (75), da Eurocopa (72) e Mundial (74). Atuou também na Copa de 82 (Vice-Campeão). Jogou 48 partidas pela Seleção, assinalando 10 gols.

 

Gerd Müller, fenomenal atacante, chamado de "O Bombardeiro", artilheiro da Copa de 70 com 10 gols e mais quatro em 74. Baixinho, com 1.65 cm, no entanto em 63 jogos pela Seleção assinalou 68 gols! Em 74, somente a intervenção de Beckenbauer levou Schöen a fazer o time jogar em função de seus gols. Foi seis vezes goleador máximo do Campeonato Alemão. Ganhou a Bola de Ouro em 1970 e a Chuteira de Ouro em 70 e 72. Atuou pelo Bayern Munich, Fort Lauderdale (USA) e Smith Brothers Lounge (USA). Quatro vezes Campeão Alemão (69, 72, 73 e 74), seis vezes Campeão da Copa da Alemanha (66, 67, 69, 74, 75 e 76), Copa dos Campeões da Europa (74, 75 e 76), Recopa (67), Mundial Interclubes (76), Eurocopa (72) e Campeão Mundial (74). Participou das Copas do Mundo de 70 (3o lugar) e 74 (Campeão).

 

 

Wolfgang Overath, armador e organizador clássico, um dos líderes, junto com Beckenbauer, da Seleção Alemã na Copa de 1974. Sempre atuou pelo Colônia (Koln). Foi Campeão Alemão (64), Campeão da Copa da Alemanha (68 e 77) e Campeão Mundial (74), entre outros títulos conquistados. Participou de 81 jogos pela Seleção, marcando 17 gols. Jogou, também, as Copas de 1966 (Vice-Campeão), 1970 (3o lugar) e 1974 (Campeão Mundial).

 

E, finalmente, Franz Beckenbauer, o "Kaiser" ("Imperador"), líder nato, o mais elegante defensor da época. Em 1970, na semi-final da Copa, contra a Itália, ficou gravada em nossas mentes sua imagem em campo jogando com um braço na tipóia, recusando-se a deixar a partida, apesar de ter deslocado o ombro. Foi o maior líbero da história, com talento para também armar jogadas de ataque, ir à frente e comandar seus companheiros em campo. Anos depois, chegou a ser o técnico da Alemanha, chegando à final em 1986 e tornando-se Campeão Mundial em 1990. Jogou pelo Bayern Munich, pelo Cosmos (USA) ao lado de Pelé, e pelo Hamburgo (Alemanha). Foi cinco vezes Campeão Alemão (69, 72, 73, 74 e 82), quatro vezes Campeão da Copa da Alemanha (66, 67, 69 e 71), três vezes da Copa dos Campeões da Europa (74, 75 e 76), da Recopa (67), Campeão Mundial Interclubes (76), Campeão Norte-Americano (77, 78 e 80), Campeão da Eurocopa (72) e Campeão Mundial (74). Jogou 103 partidas pela Seleção, marcando 14 gols. Participou das Copas de 1966 (Vice-Campeão), 1970 (3o lugar) e 1974 (Campeão).

 

A seguir, duas brilhantes e vitoriosas campanhas desta equipe alemã, a Eurocopa de 1972 e a Copa do Mundo de 1974:

 

 

Eurocopa 1972

Data

Oponente

Local

Resultado

17/10/70

Turquia

Em casa

1x1

17/02/71

Albânia

Fora

1x0

25/04/71

Turquia

Fora

3x0

12/06/71

Albânia

Em casa

2x0

10/10/71

Polônia

Fora

3x1

17/11/71

Polônia

Em casa

0x0

29/04/72

Inglaterra

Fora

3x1

13/05/72

Inglaterra

Em casa

0x0

14/06/72

Bélgica

Fora

2x1

18/06/72

USSR

Bélgica

3x0

 

 

 

Copa do Mundo 1974

Data

Oponente

Local

Resultado

14/06/74

Chile

Em casa

1x0

18/06/74

Austrália

Em casa

3x0

22/06/74

Alem. Oriental

Em casa

0x1

26/06/74

Iugoslávia

Em casa

2x0

30/06/74

Suécia

Em casa

4x2

03/07/74

Polônia

Em casa

1x0

07/07/74

Holanda

Em casa

2x1

 

O ESQUEMA

esquema da Alemanha

O esquema tático implantado por Helmut Schöen era baseado na habilidade específica de seus craques. Na defesa o cérebro era, sem dúvida, Franz Beckenbauer (5). Foi o maoir líbero de que se teve notícia, ao lado do italiano Baresi e do também alemão Matthaus. A função do líbero é de, quase sempre, proteger a linha de zagueiros quando o time avança, evitando os contra-ataques rivais por seu posicionamento como último elemento defensivo. Beckenbauer, porém, armava jogadas, instruía o meio-campo e ia até ao ataque sempre que a ocasião se apresentava. Vogts (2), por sua vez, era um excelente zagueiro. Duro na marcação e incansável, anulou Cruyff na partida final. Breitner (6), lateral esquerdo, era outro excelente defensor. Partia constantemente para frente com a bola dominada, servindo seus companheiros. O meio-campo tinha em Overath (7) seu ponto de equilíbrio, como centralizador das jogadas para o ataque. Na frente, o grande goleador Gerd Müller (10). Era praticamente para ele que o time jogava. A equipe alemã se armava a partir de 1-4-3-2, sendo que o "1", o líbero Beckenbauer, tinha liberdade para se deslocar conforme o andamento do jogo. A figura ilustra o que dissemos.

 

 

Assim sendo, o tira-teima entre o futebol-arte, o futebol-total do Carrossel holandês, foi suplantado pelo futebol-força da escola alemã e de outros países da Europa. O título acabou ficando em boas mãos. A Alemanha foi vitoriosa pelo espírito de luta, pela tenacidade e pelo rígido esquema tático implantado por Helmut Schöen. Anos atrás, Beckenbauer disse que "aquele 1974 foi possivelmente o melhor ano de minha carreira. O título conseguido por meu país foi um justo prêmio para tanto esforço". E isso diz tudo.

 

  

* * * *

 


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André Luiz Medeiros é
arquiteto e pesquisador
do futebol.

 

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