Francine, FLUL. 1 de Junho
Bernd,
Entendo a tua reacção a certas tomadas de posição,
por isso é que é necessáario conversar e tentar chegar
a um consenso nas reivindicações que queremos (nós,
Leitores) apresentar, pois a situação parece-me grave e é
agora ou nunca que podemos esclarecer o nosso estatuto.
Como a Cristina disse, o problema vai além da situação
específica de A, B ou C.
1. Quero começar por dizer que o facto de ser português
ou não, não altera nada à situação do
Ensino das Línguas nas Universidades. Ninguém proíbe
um estrangeiro de trabalhar em Portugal com contratos definitivos, e com
a mobilidade dos professores universitários em que o ECDU insiste,
é claro que vai haver cada vez mais docentes estrangeiros nas Faculdades.
Ainda não se nota em Letras mas noutras áreas, como as Ciências,
os estrangeiros concorrem (e ganham) aos lugares vagos. Por isso, é
um falso problema, estamos todos no mesmo barco.
2. Temos que ver a nossa situação no conjunto geral das
Universidades. Há planos a curto ou médio prazo, conforme
as áreas, para que não haja mais docentes universitários
sem doutoramento. Isso é uma realidade incontornável que
temos que encarar. Logo, quem não entrar nas categorias da Carreira
Universitária vai ser cada vez mais marginalizado e com emprego
cada vez mais precário. Deixo-te imaginar todos os cenários
possíveis...
3. Devíamos reflectir porque é que só nas Universidades
é que o Ensino das Línguas é marginalizado. Nem no
Secundário, nem no Politécnico isso acontece. Um professor
do Secundário não ganha menos nem faz mais horas que os outros
pelo único facto de a sua especialidade ser Inglês, Francês,
Alemão ou Espanhol.
4. Concordo que é difícil encarar, sobretudo para os
que estão a meio da carreira profissional, a necessidade de investir
em doutoramentos pelo que se tem de propor um regime de transição
para se poder chegar até à reforma com garantias de emprego
e estabilidade financeira, o que não é o caso por enquanto
(ver informação da PRC sobre as negociações).
5. No entanto, não se pode esquecer os que já têm
doutoramentos e que continuam leitores. Também não se justifica
continuar a contratar novas pessoas fora da carreira. Há que dignificar
o ensino das Línguas. Não somos menos que os outros!
6. Acho que os dois doc., no site do SNESUP, sobre Leitores, podem
ser uma boa base de negociação:
- deixar os que querem manter a categoria actual, com garantias de
estabilidade contratual e financeira até se reformarem;
- permitir aos que quiserem, entrar na carreira, com os mesmos direitos
e deveres que os outros docentes universitários;
- quem for contratado a partir de agora, entra directamente na carreira.
Tentemos ser realistas e objectivos, a bem do ensino das línguas
e do nosso futuro.
Bom fim de semana
Francine |
Bernd. FLUC. 3 de Junho
Olá Francine,
Obrigado pela tua carta explícita.
1. Quando insisti que a situação na FLUL é diferente
do que no resto do país porque somos na grande maioria estrangeiros,
não foi para insinuar que os leitores estrangeiros têm principalmente
outros interesses. Mas falam outra língua mãe, e já
isso pode ser uma barreira intransponível se a carreira for vinculada
ao doutoramento.
2. Quem é que tem planos de que todos os docentes universitários,
inclusive os leitores terão que ser doutorados? No anteprojecto
não consigo encontrar nada disso. Não vejo essa "realidade
incontornável" assim tão óbvia - será que algo
me tenha escapado? O único lugar onde encontrei, até agora,
implicitamente esse plano é na tomada de posição dos
leitores de Lisboa. Texto que lamento.
3. Não considero que o prestígio do ensino das línguas
seja baixo. Junto aos alunos e ex-alunos costumo ouvir o contrário,
e é para eles que estamos cá. No que diz respeito à
instituição, a marginalisação tem menos a ver
com o estatuto de leitor em si do que com outros factores, nomeadamente
dificuldades de expressão e desinteresse pela instituição.
Cá os leitores com doutoramento fazem parte do CC, leitores podem
representar colegas assistentes e vice versa, etc., desde que a língua
não seja barreira.
4. e 5. Dignificar o ensino das línguas é melhorá-lo.
Primeiro, parece que nos chega o doutoramento de entidades anónimas
algures lá de cima como destino inevitável, depois o doutoramento
torna-se sinónimo de dignificação - essa argumentação
tem algo de demagógico, desculpa a palavra dura. Vamos virar a construção
de cabeça para os pés! Em que medida um doutoramento obrigatório
vai melhorar o ensino das línguas? Só chegando à conclusão
que unicamente o professor de línguas doutorado é capaz de
ser bom professor de línguas podemos ligar o doutoramento a grandes
palavras como "dignificação".
Obrigado pelo estatuto do modelo em desuso, mas o regime transitório
é uma situação estranha para alguém que se
sente no meio duma profissão pela qual se tem empenhado durante
muitos anos.
Leitores doutorados existem, ganham com isso algum prestígio
e mais trabalho nos órgãos da Faculdade e nem mais um tostão.
Situação algo injusta. No momento em que conseguimos conquistar
o direito a um vínculo definitivo (conforme a lei geral, aliás)
põe-se a questão de uma Carreira de Leitor. O doutoramento
poderá ser um elemento dela.
6. Pelo anteprojecto pode concorrer qualquer doutorado aos lugares
da carreira universitária, quem impedirá um leitor doutorado?
Entretanto continua ser leitor - bem mais cómodo do que assistente
ou assistente convidado (ou então "especialista convidado") a mercê
da próxima decisão do CC...
Quando li os textos da Snesup achei-os aceitáveis. Não
me lembro ter lido as palavras doutoramento e dignificação
como sinónimos. Será que, mais uma vez, algo me tenha escapado?
Tentemos ser realistas e objectivos, a bem do ensino das línguas
e do nosso futuro. Apoiado! Então deixa-me perguntar:
Quem é que pode ter interesse e defender essa via rápida
para a carreira universitária que vocês propõem?
Os doutorados? Os assistentes? O ministério?
Quem pode ter interesse que futuramente se contratem apenas leitores
doutorados?
Os alunos?
A bem do meu futuro, eu não vou exigir que me ponham a escolher
entre a barreira intransponível que é o doutoramento e o
papel do modelo em desuso. Acho que tenho exercido dignamente a minha profissão
sem doutoramento, por mais impossível ou antiquado que isso te possa
parecer.
As nossas ideias sobre o que deve ser a profissão de Leitor parecem
ser irreconciliáveis. No entanto, isso é relativamente irrelevante
nesta momento. Deixa-me mais uma vez evocar a metáfora usada na
última carta: no momento em que nos estão a tirar a água,
estamos cá a discutir as qualidades de vinho.
Saudações
Bernd |