As condições históricas que possibilitaram a formação da arte românica e uma sua afirmação extraordinariamente densa são múltiplas e poderosas. Sem as transformações económicas, técnicas, demográficas, político-administrativas e de mentalidades que aconteceram depois do ano 1000 e forjam o nascimento da Europa dificilmente apareceriam as inovações e criatividades que fazem do românico uma esplêndida primavera com enorme aceitação por todo o Ocidente e o primeiro grande estilo medieval europeu. Entre nós, esta arquitectura estende-se desde o Minho ao Alentejo e, cronologicamente, desde os inícios do século XII aos finais do século XIII.
 No Entre Douro e Minho e Beiras o habitat era já disperso, embora os aldeamentos tendessem a localizar-se nas áreas mais enrugadas, ao lado dos soutos, intercalando-se entre a mancha mais funda dos cultivos de regadio e as parcelas de centeio, de estivada e de monte.
 Na época românica, que vem a seguir e acompanha os tacteamentos e a afirmação da independência de Portugal, desenvolvem-se as tendências anteriores, mas há um espírito novo e novas direcções. Reis, nobres, senhores de “terras” e mosteiros e logo depois ordens militares impõem aos ocupantes das terras prestações de bens mais variadas e diversos trabalhos, que os agricultores têm de satisfazer por todos os motivos, até em contrapartida da protecção e da justiça que aqueles lhes asseguram. A reforma gregoriana, que se ia impondo, além de trazer uma liturgia de um novo espírito, ajuda a reforçar também as prestações para o bispado e para as igrejas paroquiais, em troca de uma assistência espiritual mais intensa e de um mais digno exercício do culto.

--------------------

A construção de um edifício, igreja paroquial ou mosteiro, paço ou castelo, é habitualmente a concretização de um pensamento longamente gerado e de uma vontade forte, o que pressupõe um diálogo intenso, mais ou menos explícito, não só com as ideias da época e a comunidade, como também entre o encomendador e os artífices. As grandes construções são documentos de uma extraordinária riqueza de significações. E são também elas que têm maior possibilidade de resistir aos tempos e de garantir o prestígio do encomendador-possuidor.
 Pelos vultosos meios financeiros de que necessita, pela criação de volumes e espaços e consequentes inovações na atmosfera do lugar e na paisagem que um implantação arquitectónica sempre ocasiona, pela sua radical ligação aos nossos hábitos de vida quotidiana, às nossas referências e à vida e memória social, a arquitectura será sempre a parte maior da história de arte e a parcela mais poderosa do nosso património. Mormente as igrejas, no seu sítio, no seu ambiente natural e humano, são um extraordinário testemunho histórico e é por isso que elas sistematicamente simbolizam as povoações, que elas revêem a dimensão do seu passado. A escolha de lugar para construir uma igreja ou mosteiro não é arbitrária. A tradição e o imaginário têm um papel preponderante na sua localização. Associada a práticas cemiteriais desde a época paleocristã, porque santificou o lugar onde está implantada, porque o seu local tem um extraordinário valor referencial, muito dificilmente uma igreja se reconstrói em sítio diferente do anterior. A sacralização é sempre telúrica e resistente. Determinações sinodais impunham que nos locais onde tivesse havido igreja ou capela fosse implantado um cruzeiro.
 Como se compreende, as igrejas acompanham o habitat das populações e por isso as vemos integradas nas manchas humanizadas, as quais, nas áreas mais planas, costumam estar sobre as agras e ao lado das veigas e, nas manchas mais montanhosas e de alvéolos, sobre as encostas. Elas alicerçam os aldeamentos agrícolas, respondendo às suas necessidades anímicas de simbolização e de culto religioso. Sem elas, as comunidades não teriam no seu interior a socialização e a sacralização de certos ritos litúrgicos e de passagem – caso das cerimónias e baptismo, de casamento ou de morte – nem a realização de actos religiosos que garantissem a protecção de Deus e dos santos para os residentes e seus bens e também não teriam dentro do seu espaço as cinzas dos antepassados nem o seu sufrágio. A paroquial, com a sua torre sineira, é, pois, o símbolo da autonomia e da interioridade da comunidade.

--------------------
A arquitectura é uma marca constante e avassaladora na história humana. O abrigo que ela proporciona é uma das mais radicais necessidades do homem, não só por exigências físicas, mas também  por imperativos psíquicos, sociais e simbólicos. Sem arquitectura não há verdadeiro “habitar”, sem ela não há lugar marcado profundamente. Uma época nova, como foi a românica, na qual se afirmam e expandem comunidades, que assiste à solidificação de estruturas sociais, marcada profundamente em todos os seus esquemas mentais pela perspectiva religiosa, iria certamente expressar-se com uma nova linguagem arquitectónica que teve nas igrejas os seus melhores testemunhos de criatividade artística e de realização técnica. Como acontece noutras regiões, também entre nós a arquitectura militar dos séculos XII e XIII mostra um notável atraso e uma grande pobreza relativamente à construção religiosa do mesmo período.

O relativo verticalismo de S. Pedro de Roriz é típico de muitas igrejas de uma só nave. Aqui, em vez de uma acanhada fresta ou um janelão, é uma larga rosácea que ilumina o interior, e, em vez da torre a par da igreja, ergue-se um campanário.

É nas igrejas que as comunidades, o clero e a nobreza colocam toda a sua arte arquitectónica. Construía-se a igreja com magnificência porque ela era “outro templo de Salomão”, porque ela devia ser uma imagem de Jerusalém celeste. Só uma construção cuidada se harmonizava com o sagrado sempiterno e poderia resistir ao tempo, só assim uma igreja prestigiava o encomendador e a comunidade que servia e que ela simboliza e orienta.
Em arquitectura desenha-se o pensamento e a necessidade. O estilo românico, a sua arquitectura, é a resposta dada pela sociedade do tempo às exigências, físicas e funcionais, de espaços construídos segundo a sua mentalidade e seus modelos simbólicos. Saber por que caem em desuso formas pré-românicas, por que se aceitam e se desenvolvem outras, que forças guiaram o aparecimento de uma nova organização arquitectónica dos espaços religiosos, é difícil, mas tudo terá de estar relacionado com as solicitações mentais de então, com as novas soluções técnicas e o seu simbolismo.
O espaço que as igrejas românicas nos apresentam é muito mais homogéneo e contínuo que o das construções anteriores, tem outra elevação, outro ritmo e o seu campo de percepção tem outra amplitude. A sua modelação responde, sem dúvida, ao espírito da nova liturgia romana que se ia impondo e era muito mais teatral que a anterior. O românico mostra-nos também uma enorme diferença na organização das massas arquitectónicas e no aspecto exterior dos edifícios. A fachada, os alçados laterais e sobretudo o aspecto exterior da cabeceira das igrejas são muito mais cuidados e a sua visualização denuncia claramente a organização espacial do interior. Uma igreja pré-românica era mais para ser vista por dentro, ao passo que a românica é também para ser admirada por fora. Podemos mesmo dizer que a decoração arquitectónica românica é mais extensa e vulgar no exterior dos templos que no seu interior.

 Alçado de nave central e do transepto da Sé Velha de Coimbra. As tribunas (nenhuma outra igreja românica portuguesa as possui) abrem-se para a nave central por um trifório de dois vãos correspondentes ao vão simples dos arcos das colaterais (influência de Santiago de Compostela), num belo ritmo de proporções.

Esquecidas que foram as motivações religiosas, pré-românicas, a necessidade e o gosto românicos de decorar fizeram desenvolver o figurativo que explode exteriormente nos portais, nas fachadas e nas cachorradas . Desenvolvem-se também os elementos verticais nas superfícies dos muros.
A opção pelas arcadas multiplicadas, de volta redonda, a cobrir os vãos e a ambientação de portas e frestas  por meio de repetidas colunas  às quais sempre se empresta um relativo valor arquitectónico são outras tantas soluções características do românico.

--------------------
A arquitectura românica, para efectivar os traços tridimensionais com a segurança e a durabilidade que a sua função e os seus encargos exigiam, utilizou um conjunto de elementos de construção, segundo uma opção e uma organização que constituem as formulas arquitectónicas próprias da época e do estilo românico. Muros, pilares  e colunas, arcadas e abóbadas , contrafortes  e aberturas de iluminação são elementos da construção que serão objecto da análise a seguir elaborada.

 Absidíola  da Sé de Braga. O duplo arco peraltado acentua as linhas verticais acima dos capitéis e das impostas, que, juntamente com os portais ocidental e do sul, os arcos diafragmas da nave e numerosos capitéis, é tudo o que resta da primitiva catedral românica.

Os muros românicos, longos e compactos, habitualmente com pouca animação, são elementos construtivos fundamentais não só na vedação dos espaços como também na função de suporte. São os muros que aguentam e permitem a solução das pesadas abóbadas. As paredes são sempre relativamente grossas. Usualmente, o tamanho dos blocos é de tipo médio, à volta dos 25cmx50cm. Há porém muitos casos de grande aparelho, ao redor de 70cmx90cm.
 A coluna isolada, como  elemento de construção para segurar e organizar naves, não teve aceitação no românico, a não ser em alguns casos e na parte da cabeceira. Foi sistematicamente substituída pelo pilar, que, embora gaste mais material, pode ser feito facilmente porque emprega pequenos blocos.
 Outra inovação da arquitectura românica, é a adopção de meias colunas, embebidas ou adossadas na construção.
 Os pilares românicos, espessos e seguros, dividem, longitudinalmente, o corpo da igreja em naves  e, transversalmente, em tramos .
 Para cobrir vãos, para equilibrar muros e pilares e para apoiar a cobertura, a arquitectura românica utiliza o arco . A arcada, simples ou ressaltos, é sistema extremamente seguro, desde que bem contrafortada, e que se adapta facilmente e bem à grossura dos muros de então. O arco de forma redonda é, sem dúvida, o mais típico do estilo românico, mas em muitas construções do séc. XIII dominam já as arcadas algo quebradas, isto é, feitas por dois segmentos de arco redondo.
 A abóbada central, entre nós, está sempre apoiada em arcos torais.
 Em arco terminam também todas as aberturas românicas. Nos portais, o espaço superior, semi-redondo, da arcada recebe sistematicamente uma placa, que o encerra, a qual se chama “tímpano” .
 Os contrafortes são elementos importantes na estrutura dos edifícios, no seu ritmo e na sua estática, denunciadores das preocupações e dos modelos construtivos. Acompanham sistematicamente as arcadas transversais e os pontos fulcrais onde mais se exerce o peso das elevações. A forma como se apresentam e lançam, com mais ou menos ressaltos, a altura relativa que atingem nos edifícios, o modo como se organizam nas esquinas da fachada, tudo isto tem grande importância estética, cultural e cronológica. Em redor das cabeceiras redondas, sempre abobadadas, adoptam ao longo das paredes rectas apresentam sempre secção quadrangular.
 Outro modelo de contraforte é o que utiliza um só contraforte, que se posiciona lateralmente e na sequência do alinhamento da fachada, ampliando-a assim para além do corpo da igreja.
A imposta  é um elemento de notório valor arquitectónico ao qual os canteiros românicos prestaram sempre atenção. Muitas vezes decorada, apresenta variadas modelações denunciadoras de gostos, de regiões e de épocas diferentes; é um elemento muito sensível ao longo da evolução dos estilos medievais.

Capitel e imposta da nave de S. Salvador de Paço de Sousa. Aqui o relevo é mais gravado que profundamente esculpido; o desenho impõe-se ao volume. Na imposta desdobra-se um enrolamento de folhagem, delimitado por escócias; no cesto encontramos pinhas nos ângulos, palmetas, como folhas de hera estilizadas, unidas por caulículos, palmas simples.

A imposta tem antecedentes no cimácio pré-românico, donde resulta. O sistema construtivo românico, com arcos redondos e com a utilização sistemática de grandes capitéis , mais arquitectónicos, não tinha a necessidade da forma suculenta do cimácio. Da redução desta adveio a imposta. Mas a época românica continuou a enobrecê-la com ricas decorações e significativas molduras. É uma pequena placa saliente, que apresenta na parte superior um pequeno filete , talhado verticalmente, logo seguido de um recorte mais longo que a chanfra para dentro, muitas vezes à maneira de escócia .
As impostas decoradas mais antigas podem apresentar enxaquetado, embora este tipo de ornamentação se use até época muito tardia. Na área de Braga a imposta tem como motivo decorativo mais típico um tema que resulta da simplificação da palmeta clássica e no Alto Minho uns elos que lembram conchas de caracol ou uma decoração linear, grafítica.

Capitéis e impostas do portal Sul da igreja de Vila Boa de Quires. As cabeças de touro das consolas em que assenta o tímpano tinham função protectora, impedindo que as forças maléficas penetrassem no templo.

Porque o espaço e o recorte dos frisos são habitualmente os mesmos das impostas, porque arquitectonicamente são estas que dão a sequência e o alinhamento para aqueles, não admira que no quadro dos frisos, pelo menos nos da fachada, continuem os mesmos temas decorativos das impostas do portal.

--------------------

A implantação de uma igreja tem condicionantes de ordem física e simbólica. No espaço disponível e escolhido para a sua edificação ele terá de se orientar, longitudinalmente, para nascente, o que pode originar problemas de construção, sobretudo quando tal disposição coincide com uma linha de grande declive. Primacialmente uma igreja serve para funções litúrgicas, de entre as quais avulta a celebração da missa. Aos domingos e nos dias de festa deve caber no seu interior toda a comunidade. Assim, ao analisarmos a organização do seu espaço, temos de ter em conta esta função e o exercício dramatúrgico da liturgia, pois são estas as motivações principais da sua existência. No estudo  da arquitectura antiga, esta perspectiva funcional tem ajudado a resolver muitos problemas. Uma construção, antes de ser fruto de uma evolução técnica, é antes de mais a realização de um programa funcional. A história da arquitectura mostra que os planos evoluem mais depressa sob a pressão de novas necessidades que pelo desenvolvimento seminal das suas formas e de novas técnicas.

Claustro, transepto e torre-lanterna da Sé Velha. Sobre o fundo maciço da fachada lateral, donde se salienta o braço do transepto, encimado pela torre-lanterna, destaca-se este claustro, gótico pela estrutura das abóbadas de nervuras, mas cujos arcos redondos, óculos e contrafortes conservam o sentido formal e as porções do românico. Inteiramente românico era o claustro de S. João de Almedina, reconstituído no Museu de Machado de Castro.

O plano das igrejas românicas é quase sempre o de origem basical, isto é, o que adopta naves e cabeceira, além da transepto. É este esquema que se adapta mais perfeitamente às necessidades de grandes espaços, que serve melhor o desenrolar do serviço litúrgico e a colocação dos assistentes e que a arquitectura românica ocidental mias sistematiza e aperfeiçoa. A cabeceira era reservada aos altares, o transepto , era uma parcela destinada e necessária ao coro canonical ou conventual e as naves eram ocupadas pelo publico. Este plano adapta-se perfeitamente, e em parte resulta de uma liturgia clara, que deve ser vista por todos, onde as procissões são constantes. Por outro lado, é valorizado simbolicamente por ser cruciforme.
 Há também igrejas românicas de planta centrada. Umas, na sequência de uma tradição arquitectónica muito antiga, e outras, apenas como templos, com funções litúrgicas. Este tipo de construção de planta centrada, ligado aos Templários, explica-se pelo reduzido número de pessoas a que se destinavam esses espaços e sobretudo porque, tendo a ordem como casa-mãe o templo redondo do Santo Sepulcro de Jerusalém, significativamente estimavam construir as suas igrejas segundo esse modelo.
 As igrejas que têm uma só nave representam mais de 90% dos nossos edifícios religiosos onde há testemunhos românicos. Os outros 10% dividem-se em edifícios com duas, ou como em alguns casos, com três naves.
 Desde os tempos pré-românicos que todas as igrejas prestigiadas dispunham de torre, tal o seu valor simbólico e prático. Sinal de poder e de segurança, a sua construção era ainda necessária para alçar sinos, cujo toque avisava actos e culto e manifestações de sagrado, como procissões e ritos de passagem.
 Muito vulgarizada nessa época esteve a simples sineira, que é, habitualmente, um muro pentagonal colocado sobre a empena  da fachada ou sobre a parte reforçada da parede lateral, com uma ou duas aberturas onde se instalavam os sinos. Sabe-se que estes eram, nesse tempo, de tamanho muito reduzido e, por isso, esta solução simples servia perfeitamente.
 Algumas igrejas românicas, apresentam sobre a sua frontaria uma espécie de átrio, fechado e coberto. Esta solução arquitectónica, que sugere lembranças do nártex  das construções pré-românicas, tem clara motivação e indiscutível destino cemiterial. Foi, certamente, o hábito de dificultar o enterramento dentro das igrejas, motivado por uma espécie de respeito e temor pelo sagrado, que conduziu a esta solução.

S. Pedro de Ferreira. Um adro murado, eco do átrio dos templos paleo-cristãos, servia de cemitério, de local de reuniões ou de abrigo provisório, como uma barbacã, contra incursões de mouros ou outros inimigos. Os sinos do campanário , à frente, ora tocavam a rebate, ora chamavam à oração

Muito especial atenção devem merecer os vãos – portais, janelas, frestas, rosáceas  e galerias -, com a sua específica organização e na sua disposição, devido à enorme importância que têm na visualização e na afirmação estilística e estética do românico.
 De uma maneira geral, a igreja românica tem, pelo menos, três portais: um axial, na fachada ocidental, e dois outro laterais, um virado a norte e outro para sul.
Nos edifícios pequenos pode haver simplesmente duas entradas, a axial, que sempre existe no nosso românico, e uma outra lateral. A disposição das portadas laterais – muitas vezes situadas no topo do transepto, por ser este, nas igrejas onde existe, um dos espaços mais gastos e o centro de gravidade da construção – está intimamente relacionada não só com o serviço interno da liturgia e dos seus participantes, como também com a topografia, os seus acessos e a solução programada, ou já existente, das edificações anexas. Não há, pois, regras absolutas e o entendimento perfeito da sua disposição deverá tentar-se em cada caso concreto.
Pelo menos o portal axial é, habitualmente, bastante profundo, abrindo-se para o exterior por meio de colunas e arcadas. Nas fachadas onde há torre, ou torres, o seu volume pétreo  está disfarçado. Nas frontarias sem torres, para se dar a profundidade requerida pela portada, criou-se um maciço de pedra, onde ele se abriga. Este corpo saliente, instala-se na parte central da fachada. Raras vezes sobe até ao limite superior do alçado da frontaria, à maneira de largo e poderoso contraforte. Geralmente esta massa pétrea remata-se, logo acima da primeira arcada do portal, em linha horizontal ou de modo triangular.

Portal axial de Santiago de Coimbra. Arcos, pilastras , cornijas , fustes  de colunas e capitéis oferecem um magnificente mostruário da rica ornamentação românica coimbrã. Motivos geométricos, animais fantásticos, aves, ramos, volutas, folhas de acanto alastram pelas superfícies calcárias.

Os portais da época românica apresentam-se sempre bem acompanhados, se falarmos das molduras arquitectónicas que os costumam decorar, isto é, as modenaturas.

Portal de S. Martinho de Manhente. Com três arquivoltas redondas de arcos abatidos e ultrapasados, emoldurados por um friso, é decorado com temas geométricos, bilhetes, dentes de lobo, rosetas, ovados  volutas e fitas.

As arcadas de tipo escada, com aduelas  lisas, são a solução mais antiga, mas também a mais simples e, por isso, este modelo resiste vigorosamente ao longo do séc. XIII. Pelos meados do séc. XII começa a desenvolver-se o gosto pelas molduras, toros, escócias e filetes sobre as aduelas das arcadas, conferindo-lhes outra movimentação.
Sem dúvida, a modenatura das arquivoltas vai-se complicando cada vez mais ao longo do restante período românico, evolução que continua durante o gótico.

Arquivoltas do portal de S. Martinho de Manhente. Raros portais românicos portugueses possuem arquivoltas tão decoradas nas fases e nos intradorsos: lança floridas (a lança de Longinus), arcos quebrados e ligados num motivo cordiforme, rolos, quadrifólios, florões, sucedem-se até ao arco da moldura, com fitas dobradas em triângulo.

A decoração arquitectónica dos portais e das janelas é sistematicamente feita por recortes diédricos nos muros, onde se encostam e abrigam colunas. Esta é mais uma invocação da época românica, com a coluna a perder o seu carácter soberano e construtivo, mas alçando um notável valor decorativo, adaptando-se aos esquemas dos vãos que se idealizam para possibilitar o seu encaixe.
 A luminosidade de um interior românico dever-se-á valorizar maximamente, não só para definirmos esse estilo, como também para vermos como ela se adapta à espacialidade e aos padrões ornamentais das construções e como poderá estar relacionada com as mentalidade e as vivências religiosas do tempo. Sem dúvida, por muito que deva aos modelos pré-românicos, apresenta já importantes inovações, cujo desenvolvimento irá possibilitar a especial luz e a ambiência do estilo gótico.
 Litúrgica e simbolicamente, a iluminação mais importante no interior da igreja é a do sol-nascente. É ela que orienta a igreja, o altar e o celebrante. Na cabeceira, a fresta do topo é um elemento fundamental e está na sequência da mentalidade religiosa anterior, que valoriza apenas esse foco de luz com a iluminação das velas, colocadas no chão. O altar é túmulo, as relíquias estão enterradas ou são colocadas no seu interior e sobre ele não há nada, a não ser o cálice.

Cálice de prata dourada (Sé de Braga). Conhecido como de S. Geraldo, de nítida influência visigótica e islâmica, parece datar dos fins do séc. X e está decorado com os motivos vegetais envolvendo um leão e uma águia. Atribuída a um artífice moçárabe de Coimbra, esta peça, talvez a mais antiga da nossa ourivesaria sacra, foi mandada executar por Mendo Gonçalves.

Na época românica aparecem já frestas laterais na cabeceira e no românico tardio desenvolvem-se aberturas do seu topo, que aumentam em número e tamanho. No arco cruzeiro, na parte instalada sobre a arcada da entrada da capela-mor, aparece sistematicamente uma importante abertura também virada a nascente, a qual na época românica tende a alargar-se, podendo mostrar-se em dupla fresta, ou em rosácea mais ou menos desenvolvida.

Frestas da abside de S. João de Longos Vales. Um friso de rolos (bilhetes) coroa o arco superior; uma espécie de tímpano com o mesmo motivo corresponde à bandeira da falsa janela. No capitel da esquerda um homem acocorado segura dois peixes; no capitel oposto, folhagens túrgidas, trespassadas, encurvam-se nos extremos

O gosto por uma maior luminosidade leva à revivência, embora já com adaptações góticas, de uma espécie de aximez de arcos quebrados e de janelas de duplo lume. Nos topos dos transeptos há sempre frestas ou, mais tardiamente e nos programas mais grandiosos, rosáceas. Nos alçados laterais das nossas igrejas românicas há sempre um alinhamento de frestas, duas, três ou mais. Nas igrejas de três naves é usual haver uma em cada tramo. Idêntica distribuição aparece na parte superior da nave central deste tipo de edifícios, mas aí as frestas podem dar lugar a aberturas mais amplas formando um cleristório.
Uma fonte de iluminação muito importante, funcional e arquitectonicamente, é a torre-lanterna, a qual, como o seu nome indica, tem sempre boas aberturas e cobre o cruzeiro. Ela ilumina e focaliza um dos mais importantes espaço da igreja, isto é, o local fronteiro ao altar-mor, onde se instala o coro e onde se fazem as leituras.

--------------------

A arquitectura medieval, para realizar os espaços tridimensionais – os quais têm necessariamente extensões e clausuras, isto é, piso, muros e cobertura -, emprega diversos materiais, entre os quais avultam a pedra, a madeira, o tijolo e alguns metais.
 De forma sistemática, os nossos monumentos românicos têm um aspecto verdadeiramente local. Sem os materiais não haveria paisagem arquitectural e é por eles que as nossas igrejas românicas se integram perfeitamente no seu ambiente.

 Grade românica de uma capela do claustro da Sé de Lisboa. primitivamente na charola, é de ferro cortado e martelado. A decoração é de espiras (volutas) presas a hastes verticais com cravos e anilhas. Obra única em Portugal, apresenta semelhanças com outra da Catedral de Oviedo.

A pedra é, naturalmente, na arte românica o material mais importante, tão sistemático foi o seu emprego na construção, na decoração e na escultura. É abundante, é resistente e estava prestigiada para tais funções. Os monumentos românicos localizados nas manchas graníticas do Noroeste, da bacia do Douro e das Beiras utilizam exclusivamente essa rocha.
 Naturalmente, o encomendador da obra pode ter a preferência pelo granito de grão fino, em vez do de dente-de-cavalo, preferindo onerar a construção com um transporte mais longínquo. A igreja de São Salvador de Arnoso e a de Rio Mau utilizam na fase primeira das obras, que é também a de maior perfeição, granito de boa qualidade e passam a empregar pedra de pior aspecto e mais local na conclusão que nas áreas de granito de dente-de-cavalo, embora as paredes sejam feitas nessa qualidade de pedra, os artífices exigiam para as arcadas dos portais e janelas e para os lavores de colunas e frisos, blocos graníticos de grão fino, que se iam buscar a alguns quilómetros de distância. O românico em redor de Guimarães patenteia bem este fenómeno.
 O tijolo é um material de construção que não foi muito utilizado entre nós neste período. Tijoleiras para os pisos e telha de canal para as coberturas são outros produtos argilosos utilizados para as construções de então. Para encher o interior dos muros, sempre bifaciais, além de pequena pedra, emprega-se o barro com cal.
 A taipa, construção feita de barro rico em cal e pequenas pedras, estava muito vulgarizada na época românica, principalmente na arquitectura civil.

Túmulo de D. Beatriz (Mosteiro de Alcobaça). Com a estátua jacente da rainha, cujas vestes são tratadas num pregueado simétrico, típico do românico, esta arca tumular de calcário apresenta nas faces laterais arcaturas redondas ou edículas enquadrando as figuras sentadas dos Apóstolos, alguns com a mão direita abençoando e mantendo o livro contra o peito. No facial dos pés, onde foi gravada uma inscrição no séc. XVII, uma figura coroada está sentada entre vários homens e mulheres, eventualmente numa cena de lamentação

A madeira é outro material de fundamental importância e muito usado na arquitectura medieval.
 De um modo sistemático, as igrejas românicas rurais de Portugal, de uma só nave, mostram nas suas paredes laterais e até na frontaria mísulas e ressaltos próprios para apoiar e receber alpendres de madeira.
 Grande parte das nossas igrejas do tempo, teve, pois, lateralmente, anexos feitos em madeira. Recorda-se ainda a sua utilização sistemática, como material básico, nos andares superiores das casas das nossas cidade e vilas e certamente em muitas parcelas dos nossos mosteiros.

--------------------

 As siglas de canteiro que tão frequentemente vemos nos muros das construções medievais portuguesas, são testemunhos de grande importância histórica que nos cumpre valorizar. Como as marcas dos ourives e os selos dos notários, as siglas reflectem o prestígio que a arte de canteiro tem nessa época e a organização do ofício e das oficinas de construção. Estudadas sistematicamente, com a sua implantação nos muros, elas podem sugerir-nos critérios para vislumbrarmos o andamento das obras, fases de construção, mudanças de ritmos e de artistas e a sua datação. Quando sobre elas tivermos um bom corpus, com boas atribuições de frequência geográfica e cronológica, a história da nosso construção medieval, civil e religiosa, poderá ter significativos avançados. Nos monumentos onde elas apareçam em todas as pedras, feita a sua tipologia e contagem, podemos saber quantos canteiros aí terão trabalhado e, conhecido o ritmo normal do trabalho diário de um pedreiro, ter noções sobre o tempo demorado na construção.

 Pormenor de siglas no tímpano de Arnoso

Parece que as siglas sobre as pedras mais importantes do edifício ou até as mais frequentes indicam os canteiros mais responsáveis e eventualmente o mestre da obra.
 As siglas fazem parte de um bloco mais amplo, o das “marcas de posse”, e devem ser compreendidas no âmbito dessa perspectiva mais geral. O funcionamento das “marcas poveiras”, que veio quase até aos nossos dias, continuará a ser uma das boas iniciações para o seu entendimento e das suas formas de uso e multiplicação. Elas eram feitas, radicalmente, para se atribuir a responsabilidade do trabalho efectuado e, eventualmente, contabilizar o seu tempo.
 Nas paredes das nossas igrejas românicas, para além de grafitos e de sinais apotropaicos, como as cruzes ao lado das portas, que são distintas das da sagração, há, sobretudo em arcadas, outros signos gravados destinados a indicar o local exacto da pedra na estrutura da parede.
 

voltar página inícal